Quem nunca ouviu a frase: “Brasileiro adora uma fila”. Mas qualquer consumidor pode confirmar que isso é uma mentira. Existem até leis municipais que estabelecem o tempo máximo de espera em supermercados, por exemplo, sob pena de multa para o estabelecimento que descumprir o limite.
A Payface, de Florianópolis, surgiu dessa dor, quando Ricardo Fritsche percebeu que gastava mais tempo no checkout do caixa de um restaurante do que propriamente comendo.
Junto com Eládio Isoppo, seu cofundador, Ricardo desenvolveu um sistema de reconhecimento facial que permite aos consumidores usarem o rosto para pagar contas em supermercados e farmácias.
A empresa começou a operar em março de 2019, antes que a pandemia colocasse em evidência a necessidade de soluções de baixo contato (hoje fala-se em low touch economy).
Com a Covid-19, além de evitar a necessidade de manusear a “maquininha” do cartão, a startup começou a trabalhar para que o uso hoje disseminado de máscaras não interferisse na eficiência da solução.
A VOLTA À FACULDADE INSPIROU RICARDO NA IDEIA DO NOVO NEGÓCIO
Antes da Payface, eles empreenderam outras empresas. Eládio foi um dos fundadores da Aquarela, startup de Big Data da qual saiu após vender suas ações, e da H2App, aplicativo para compras de galões de água vendido para “uma grande indústria de água mineral de Santa Catarina”.
Ricardo, por sua vez, fundou a Meritt, edtech responsável pela criação do portal QEdu e posteriormente adquirida pela Fundação Lemann.
Os dois se conheceram na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2008. Eládio cursava Sistema de Informações; Ricardo estudava Ciências da Computação, mas não chegou a concluir a graduação (ele preferiu trancar o curso para se focar na sua startup).
Os amigos mantiveram contato. Dez anos depois, em 2018, Ricardo retomou os estudos e começou a se aprofundar em reconhecimento fácil. A ideia da Payface surgiu no bandejão estudantil, conta Eládio:
“Ricardo ficava muito angustiado porque almoçava em 10 minutos e levava o mesmo tempo na fila e para fazer a finalização do pagamento”
Assim que teve a ideia, ele chamou Eládio (que, na época, atuava como diretor de novos negócios na Fast Channel) para uma conversa. Propôs então que criassem um modelo de pagamento com escaneamento fácil para ser instalado nos caixas.
Os dois desenvolveram a tecnologia proprietária em outubro de 2018 e fizeram o primeiro protótipo com o investimento de 400 mil reais da aceleradora Darwin Startups.
“Colocamos para rodar nosso piloto em um restaurante e conseguimos reduzir drasticamente o tempo necessário para fazer um pagamento.”
Em setembro do ano passado, eles deixaram os restaurantes de lado: alguns não têm fila, em outros o pagamento é realizado na mesa… Para escalar, a startup decidiu focar em farmácias e supermercados.
A EMPRESA ANUNCIA UMA ACURÁCIA DE 99% NO RECONHECIMENTO FACIAL
Depois que o protótipo passou no teste, a dupla contratou especialistas no assunto (hoje, há três pessoas no time que cuidam da tecnologia) para refinar o sistema, atingindo segundos eles um nível de acurácia de 99% na identificação “1 para N”.
Eládio explica: “O reconhecimento facial mais simples que existe é o um-para-um, em que verifico se uma pessoa é ela mesma comparando uma foto dela com a que tenho num cadastro. Já o reconhecimento ‘1 para N’ funciona na proporção de uma pessoa para uma base ‘n’, um número que pode ser infinito”.
Ainda sobre a acurácia, ele diz que os 99% não significam que a Payface não identifique o 1% restante.
“Nesses casos, fazemos um novo reconhecimento em milissegundos ou usamos alguma heurística adicional [ou seja, outro método de identificação, por exemplo, checagem do CPF].”
O sistema da startup funciona assim: o consumidor registra seus dados e sua foto no aplicativo da Payface; depois, a imagem é convertida em pontos (códigos binários) e a foto não precisa mais circular nas transações.
Daí, na hora do pagamento, basta o cliente se posicionar em frente ao dispositivo móvel (tablet ou celular do estabelecimento integrado com a API da Payface), confirmar o valor na tela e pronto: a conta está paga.
O cliente pode cadastrar mais de uma forma de pagamento no sistema: cartão de crédito ou private label (emitido pelo próprio estabelecimento), vale-refeição e vale-alimentação.
“Débito ainda não aceitamos por conta das autenticações bancárias”, diz Eládio. “Mas isso deve mudar com o lançamento do PIX.” Ele se refere à ferramenta, desenvolvida pelo Banco Central, para permitir transferências e pagamentos com mais agilidade (o lançamento pelo BC está previsto para outubro).
Outra maneira do consumidor se cadastrar é usando o aplicativo do varejo onde costuma realizar suas compras. A vantagem é a sincronização dos dados com seu programa de fidelidade, permitindo que as promoções a determinados produtos sejam aplicadas automaticamente.
Os sócios estudam começar a operar (até o fim do ano) outro formato de cadastro em parceria com as instituições financeiras e também como wallet de pagamento.
AS MÁSCARAS TROUXERAM UM DESAFIO PARA O PAGAMENTO SEM TOQUE
No começo, o usuário (no caso, o consumidor) precisava tocar no dispositivo para destravá-lo e dar início ao pagamento por reconhecimento facial.
Com a pandemia, os empreendedores mudaram o modelo, permitindo que o celular ou tablet do estabelecimento fosse desbloqueado apenas com a aproximação de mão – sem nenhum toque na tela.
Porém, a pandemia trouxe também o uso de máscaras… E o desafio: como reconhecer um rosto que está parcialmente encoberto?
Eládio e Ricardo reprogramaram o sistema para viabilizar o reconhecimento com apenas alguns pontos da face. Para garantir a segurança, no entanto, uma senha é solicitada na hora de finalizar o processo. Por ora, não há como escapar: o cliente precisa tocar na tela — ainda que rapidamente.
A ideia é aprimorar a ferramenta e chegar a uma acurácia de 100%, dispensando o toque na tela. Hoje, o pagamento com o rosto mascarado está em teste em dois estabelecimentos (nos demais, é preciso remover a máscara).
“O reconhecimento usando máscara veio para ficar. A gente imagina que, mesmo quando as coisas voltarem ao ‘normal’, vamos precisar usar máscaras de modo eventual, o que já acontece em países asiáticos”
O cliente não paga nada para usar o aplicativo. Do estabelecimento, a Payface cobra 25 centavos por transação. O valor cai conforme o volume e pode chegar a 10 centavos.
A startup não revela números de usuários e lojas parceiras, mas garante que já realizou mais de 100 mil transações — e afirma que a pandemia ajudou a quintuplicar a busca pela solução prevista para o período.
A FILA ANDA (MESMO PEDINDO CPF NA NOTA) E O VAREJISTA AINDA REDUZ CUSTOS
Segundo Eládio, a Payface resolve dois problemas simultaneamente: o tempo de espera e o custo operacional das lojas.
“No caixa, a primeira pergunta do operador é se você é cliente fidelidade. Às vezes, você até é, tem direito a desconto — mas, para agilizar, acaba preferindo não passar o CPF. Com o reconhecimento facial, o número do documento aparece automaticamente na tela do PDV. E aquele reconhecimento facial do início da operação já serve para efetuar o pagamento”
Uma pesquisa da própria Payface constatou que um cliente gasta, em média, 40 segundos para digitar e confirmar o CPF, além de outros 40 segundos no processo de pagamento convencional.
“A gente reduz muito esse tempo, gastando com identificação e pagamento 10 segundos ao todo. Pense na diferença que isso faz no fluxo, somando todos os caixas e clientes”, diz Eládio. “A redução no custo operacional também é bem grande no fim do dia para o varejista.”
Outro fator importante, afirma o empreendedor, é que o método de pagamento da Payface aumenta a recorrência nas compras. Uma pessoa que sai para passear com o cachorro, por exemplo, e esquece a carteira em casa pode realizar uma compra de última hora sem dinheiro em mãos.
UM APORTE RECENTE ATRAIU A ATENÇÃO DE OUTROS FUNDOS DE INVESTIMENTO
Em maio deste ano, a startup recebeu aporte de 2,6 milhões de reais em uma rodada seed liderada pela BRQ Digital Solutions e pelo fundo Next A&M, com participação de grupos apoiados pela Harvard Angels e pela Nikkey Empreendedores do Brasil (NEB); investidores individuais também entraram na rodada, como Conrado Engel, ex-presidente do HSBC no Brasil.
“Foi um processo um pouco diferente, pois nós que selecionamos investidores, pensando em quais tinham melhor fit para ajudar nossa empresa a crescer, melhorar o produto e o relacionamento com o mercado financeiro”
A startup anunciou esse investimento no dia 15 de junho; no fim daquele mês, diz Eládio, já chegavam propostas de outros fundos. “Tínhamos plano de abrir uma nova rodada em um ano, mas dependendo da nossa realidade e das propostas, talvez a gente possa antecipar.”
Por ora, o aporte vai servir para aumentar o time (quatro novos colaboradores foram contratados e há mais três vagas abertas) e expandir a operação junto a varejistas.
Hoje, a Payface mira grandes redes e mercados, seguindo a trilha de uma parceria recente fechada com Angeloni, rede varejista de Santa Catarina.
Assim, de olho em grandes clientes, a startup quer aumentar exponencialmente o número de atendimento nos próximos meses, e escalar o negócio.
No ano passado, só a cidade de São Paulo registrou quase 450 mil casos de roubos e furtos. A startup Gabriel desenvolve câmeras e sistemas de monitoramento para identificar veículos irregulares e fornecer inteligência ao poder público.
Recém-fundada, a Bepass encarou o desafio de instalar a biometria facial no Allianz Parque. Além de agilizar o acesso e combater os cambistas, a solução permitiu identificar o suspeito pela morte da torcedora Gabriela Anelli.
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