Em março de 2020, quando a pandemia obrigou o comércio a fechar as portas de norte a sul do Brasil, o Mercado Livre se tornou uma alternativa ainda mais relevante para lojas, empreendedores e pessoas físicas.
A empresa argentina opera em 18 países da América Latina, como Chile, Colômbia, Equador, México, Uruguai, Guatemala e Paraguai. Com o aumento da demanda, viu o número de usuários ativos únicos saltar de 74 milhões (em 2019) para 132 milhões (em 2020); a quantidade de itens vendidos praticamente dobrou.
O aumento das vendas trouxe, claro, uma consequência negativa: o impacto ambiental da empresa também disparou. É o que explica Laura Motta, Gerente de Sustentabilidade do Mercado Livre no Brasil:
“A nossa pegada de carbono cresceu mais de quatro vezes de 2019 para 2020. Temos consciência da nossa responsabilidade com essa agenda — e estamos intensificando a nossa estratégia de redução”
O grosso desse impacto ambiental da empresa, segundo Laura, vem das emissões geradas nas entregas. Por isso, a mobilidade é considerada uma área estratégica, assim como a gestão de energia para abastecer os centros de distribuição.
No início de 2021, a companhia emitiu, pela primeira vez, títulos sustentáveis, as Notas de Sustentabilidade 2026, e conseguiu captar 400 milhões de dólares que serão alocados para atender a agenda de mobilidade e energia, além da conservação e regeneração de florestas.
A seguir, Laura fala sobre estas e outras estratégias de sustentabilidade adotadas pelo Mercado Livre.
Com o crescimento que o Mercado Livre viveu na pandemia, o que mudou na estratégia de sustentabilidade da empresa?
Nossa estratégia de sustentabilidade está dividida em três eixos. O primeiro é reduzir o nosso impacto ambiental e está associado à mobilidade, energia, carbono, regeneração e economia circular. O segundo é o eixo de empreendedorismo e consumo de impacto, que nasce para entender como o ecossistema do Mercado Livre pode potencializar empreendedores que geram impactos socioambientais positivos. E o terceiro é contribuir com as comunidades onde operamos, tanto por meio da formação e empregabilidade de jovens, como pela inclusão digital de ONGs.
Neste momento em que a nossa pegada de carbono cresceu mais de quatro vezes, estamos intensificando a nossa estratégia de redução.
Emitimos um título sustentável em janeiro deste ano para captar recursos de investidores e ampliar a nossa frota elétrica, reduzindo, assim, as emissões. Também assumimos o compromisso de migrar todas as nossas operações no Brasil, tanto de escritório quanto logística, para que sejam abastecidas por energias renováveis
E ainda temos uma estratégia pensando em gestão de resíduos e materiais circulares, tanto na operação como na busca por embalagens com menor impacto ambiental.
Por que foi tomada a decisão de emitir as Notas de Sustentabilidade 2026?
Todos os temas nos quais estamos investindo o recurso destes títulos são agendas nas quais já vínhamos trabalhando nos últimos três anos. Foi um momento em que vimos a oportunidade de ter uma captação para acelerar essas agendas e acompanhar um pouco o crescimento do negócio, dado que o ano passado esse crescimento foi exponencial.
A sustentabilidade é uma oportunidade de captação de recursos porque os investidores estão olhando para isso, principalmente aqueles que têm esse olhar de longo prazo, que são os que mais nos interessam.
Como esse recurso será utilizado?
Emitimos um título sustentável não só para o tema ambiental mas também para temas sociais. Captamos 400 milhões de dólares e a ideia é que esse recurso seja destinado para questões de mobilidade e energia e também para conservação e regeneração. O programa Regenera América é a primeira iniciativa associada a esse título.
Tem ainda a parte de inclusão financeira. Hoje, dentro do Mercado Pago temos o Mercado Crédito, uma unidade de negócio voltada para crédito tanto para empreendedores quanto consumidores. E queremos ter linhas de créditos mais inclusivas para pequenas e médias empresas, mulheres e microempreendedores. A ideia é que a gente consiga expandir o impacto social da unidade de negócios de crédito.
O que é o Regenera América?
O Mercado Livre vinha atuando muito na redução do impacto da operação e o Regenera América é o primeiro programa que a empresa lança para financiar iniciativas de conservação e regeneração de biomas na América Latina, com o intuito de capturar carbono e contribuir para a preservação da biodiversidade e serviços ambientais.
Começamos apoiando duas iniciativas na Mata Atlântica, que é onde está a maior parte da nossa operação — e é um bioma bastante degradado.
Uma delas é o projeto Conservador da Mantiqueira, uma parceria com a The Nature Conservancy (TNC) para restaurar e conservar 2 700 hectares de Mata Atlântica na região da Serra da Mantiqueira. Vamos fazer isso em parceria com pequenos produtores locais, apoiando e remunerando esses produtores na conservação de parte das suas propriedades
O outro projeto é o Corridors for Life, desenvolvido com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). É um projeto de plantio direto no Pontal do Paranapanema, conectando remanescentes de Mata Atlântica e buscando regenerar mais de 300 hectares.
Em que fase está este projeto?
Anunciamos em março a criação do programa e a seleção dos projetos. Já fechamos a parte burocrática e estamos no momento de repasse de recurso e formalização com os proprietários na Mantiqueira. A ideia é que no segundo semestre as áreas já estejam cercadas, pensando em restauração, e o plantio aconteça.
No caso da mobilidade, o que o Mercado Livre já fez e o que precisa fazer para mitigar o impacto?
Nosso maior impacto ambiental está associado à logística com as nossas entregas. Por isso, estamos trabalhando para ter uma frota cada vez mais sustentável, tanto por meio de veículos elétricos, quanto por caminhões a gás.
Hoje, já temos 51 vans elétricas na operação do Brasil, mais de 80 na América Latina e a ideia é crescer esse número ao longo do ano. Também já anunciamos a aquisição de oito caminhões movidos a biometano e gás natural e até o final do ano queremos ter 46 caminhões operando nas entregas.
Com o recurso captado na emissão do título sustentável, a ideia é que possamos financiar nossos fornecedores para que façam essa conversão de frota também.
Como fazer com que a frota terceirizada seja mais sustentável?
Temos duas estratégias para conseguir apoiar a cadeia de valor nessa conversão. A primeira é um programa de compras sustentáveis, pelo qual capacitamos fornecedores em relação às práticas socioambientais, porque vamos priorizar fornecedores que estão conectados com o tema. A outra estratégia é lançar uma linha de crédito, por meio de Mercado Pago, para que as empresas possam adquirir essa frota mais sustentável.
Como o Mercado Livre pretende migrar todas as operações no Brasil para que sejam abastecidas por energias renováveis?
A Melicidade [sede do Mercado Livre no Brasil, inaugurada em 2016] já é 100% abastecida por energia renovável. Mil e oitocentos painéis solares geram cerca de 25% da energia consumida pelo complexo e os outros 75% são comprados. Até o final deste ano, vamos ter dois centros de distribuição de São Paulo que operam na modalidade fulfillment, um em Cajamar e um Louveira, migrando para um abastecimento 100% com energias renováveis. Como estamos em um crescimento muito acelerado, optamos por não fazer o investimento direto nos painéis e sim comprar energia no mercado.
No caso das embalagens, o Mercado Livre já testou alguma tecnologia que não seja o papelão?
Em relação às embalagens plásticas, começamos um piloto em 2019 com uma embalagem feita a partir de resíduos de celulose. Terminamos esse piloto no ano passado e estamos avaliando os resultados, mas a gente entende que não vai ser uma solução na escala que precisamos. É uma embalagem muito mais cara do que a tradicional e tem muitos desafios pensando na produção em maior escala.
Eu acredito que a tendência vai ser olharmos para soluções de plástico reciclado, dando um segundo uso para plásticos que já estão no mercado. Mas, neste momento, não tem a solução a caminho. O que estamos fazendo é tentando aumentar a reciclabilidade do papelão
Estou falando tanto de buscar papelão certificado e mais sustentável, como também de ter acordo com os fornecedores pensando no reaproveitamento de caixas e em um melhor uso do papelão, seja o melhor uso do espaço da embalagem ou entender como aproveitar os insumos gerados na operação.
O que é o programa Empreender com Impacto e qual a relação dele com a sustentabilidade?
Em 2019, o Mercado Livre lançou uma categoria de produtos sustentáveis dentro do marketplace para dar visibilidade a produtos e empreendimentos que geram impactos socioambientais positivos e facilitar a escolha desses produtos pelo consumidor. Mas também temos o desafio de gerar pipeline para essa categoria, fortalecer e apoiar esses negócios para que eles possam comercializar online.
É nesse contexto que nasceu o Empreender com Impacto, um programa de fortalecimento de negócios de impacto em toda a América Latina. No ano passado, fizemos um piloto em parceria com a Amaz [aceleradora de impacto dedicada a empreendedores que atuam na Amazônia], para capacitar, mentorar e impulsionar os produtos de 15 empreendimentos amazônicos dentro da categoria de produtos sustentáveis.
Além da capacitação, oferecemos os nossos centros de distribuição e nossa logística para esses negócios. E o resultado foi muito positivo.
A Manioca Brasil [que produz alimentos com insumos da Amazônia], por exemplo, viu as vendas crescerem mais de 300% e hoje o Mercado Livre representa 25% das vendas do empreendimento. O Peabiru Produtos da Floresta [que comercializa mel de agricultores familiares] também tem 70% das vendas acontecendo online, a maior parte delas pelo Mercado Livre
Com base nisso, decidimos que neste ano a chamada do Empreender com Impacto teria foco em negócios da biodiversidade que atuam na Mata Atlântica, Amazônia e Cerrado.
Recebemos 246 inscrições e vamos escolher 75 empreendimentos que terão quatro meses de capacitação com foco em comercialização online, como impulsionar as vendas — e ainda vão contar com benefícios no uso do nosso ecossistema, como o centro de distribuição e descontos nas comissões do Mercado Livre.
E a ideia é que a gente incorpore esses negócios na categoria de produtos sustentáveis para promover esses produtos da biodiversidade.
A seção de produtos sustentáveis teve crescimento?
No Brasil, entre 2017 e 2019, tivemos um crescimento de 198% na quantidade de vendedores. São mais de 2 500 vendedores e 11 mil itens que passaram por curadoria e estão nessa categoria. Se compararmos o primeiro trimestre do ano passado com o primeiro trimestre deste ano, já vemos um aumento de 18% na venda desses produtos com impacto positivo.
Qual a garantia que os produtos são sustentáveis?
Ainda não estamos olhando o processo produtivo desses produtos, mas o benefício que eles geram para o meio-ambiente. Então, olhamos se o produto reduz a quantidade de resíduo enviado para aterro sanitário, se é um produto reutilizável, se vai evitar a geração de emissões.
Também consideramos produtos certificados, olhamos para empresas certificadas pelo Sistema B e produtos que estão gerando rendas para os biomas e são chancelados por parceiros, como a Amaz e a Climate Ventures. No Brasil, as categorias que mais crescem são composteiras, produtos reutilizáveis e a parte de alimentação orgânica.
Como é feita a seleção desses produtos?
Temos uma consultoria externa que olha os produtos que estão dentro do Mercado Livre e podem se enquadrar na categoria. Também temos um formulário de inscrição para novos empreendedores que querem fazer parte dessa categoria. Ele sempre pode vender no Mercado Livre fora da categoria de produtos sustentáveis, mas para ter a visibilidade e estar na categoria precisa passar pela curadoria.
Quais são as parcerias com o sistema B?
Temos duas iniciativas com o Sistema B. Dentro do programa de compras sustentáveis, fazemos bootcamps sobre impacto com fornecedores do Mercado Livre. E tem também um programa chamado Medindo o que Importa, para apoiar a certificação de fornecedores estratégicos.
Escolhemos 30 fornecedores e oferecemos uma consultoria para que eles preencham a avaliação do Sistema B e possam mediar os impactos socioambientais e sair com um plano de ação de como avançar nesse caminho
Na categoria de produtos sustentáveis, temos uma parceria em que as empresas B não só automaticamente estão aprovadas para ter destaque dentro da categoria, mas também têm 30% de desconto no marketplace, tarifa subsidiada em Mercado Pago para usar os meios de pagamento e contam com a visibilidade na categoria de produtos sustentáveis.
Para que as iniciativas de sustentabilidade funcionem, como essa área se organiza dentro da companhia?
Sustentabilidade é um tema transversal, um jeito de fazer negócio, de buscar inovação nos processos e nos produtos. A minha equipe é a guardiã dessa estratégia e tem o papel de estabelecer diretrizes e caminhos. Mas a execução e implementação se dá em parceria com as áreas de negócios.
Um exemplo disso é a frota logística. Todo esse movimento da aquisição de novos modais é feito pelo time de Mercado Envios, que é nosso time logístico. Então, existe esse assessoramento técnico do time de sustentabilidade — mas na ponta são os times de negócio que fazem a implementação.
Líder de Responsabilidade Social Corporativa da IBM, Flávia Freitas fala sobre sua carreira e o desafio de ajudar a preencher a lacuna global de especialistas em inteligência artificial através da capacitação de pessoas de grupos minorizados.
Criminosos põem diariamente à prova as defesas cibernéticas do sistema financeiro. Cintia Barcelos, do Bradesco, fala sobre a estratégia para mitigar riscos à segurança – e como a computação quântica vai exigir novos métodos de criptografia.
Intencionalidade é crucial se queremos criar um mundo melhor. Presidente da Microsoft Brasil, Tania Cosentino fala sobre os esforços da empresa para tornar o setor de tecnologia mais feminino e zerar suas emissões de carbono até 2030.