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“A primeira coisa que digo ao meu investidor-anjo é que a probabilidade de ele ver o dinheiro de volta é mínima”

Marina Audi - 18 out 2016 Empreendedor desde os tempos da internet discada, Rogério Silberberg fala das empresas que criou, da importância de saber ajustar uma ideia para ela dar certo, de como lidar com ansiedade e investidores.
Empreendedor desde os tempos da internet discada, Rogério Silberberg fala das empresas que criou, da importância de saber ajustar uma ideia para ela dar certo, de como lidar com ansiedade e investidores.
Marina Audi - 18 out 2016
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Sabe déjà vu? O começo da conversa com Rogério Silberberg, prestes a completar 44 anos, foi assim. Estudamos na mesma faculdade, na mesma época, em cursos diferentes… não éramos amigos. Rogério formou-se em Administração pela ESPM. Ele se candidatou ao programa de trainees do Citibank e, felizmente para o mercado digital brasileiro, não seguiu carreira naquela área. Em vez disso, empreendeu bravamente em Comunicação, Entretenimento e TI. “Gosto de fazer parte da vida das pessoas de alguma maneira e de levar para elas algo legal, diferente e divertido”, diz.

Rogério já abriu cinco empresas, quatro delas atuantes até hoje. São as agências VirtualNet (em 1995, era um provedor de acesso à internet), F.biz (que nasceu como o site Fulano, em 1999) e Blinks (2009, com Thiago Santos Medeiros); e a desenvolvedora de games Fanatee  (2013, com três sócios). As duas primeiras, Rogério deixou faz tempo. Na Blinks, ele se mantém como sócio investidor.

Já na Fanatee, Rogério pretende ficar pelos próximos 10 anos. A startup tem como conceito a premissa de que games devem ser jogados em qualquer lugar e a qualquer momento, especialmente quando ajudam a aprender e divertem ao mesmo tempo. Ele diz que tem tudo para ser o projeto mais longevo de sua carreira “É um mercado muito grande, com um potencial enorme de faturamento, mas é extremamente competitivo e a curva de aprendizado é longa”. A empresa vai lançar dois novos jogos e acredita que eles têm potencial para trazer o tão sonhado equilíbrio financeiro ao trabalhar em escala global.

Agora, imagine um mundo sem redes sociais, SMS ou aplicativos. Essa era a realidade que Rogério encontrou ao se formar, em 1995 e “cair na internet”, como ele diz. Para deixar a história ainda mais instigante, lembro ao leitor que:
1) O Orkut foi criado em 2004 e ganhou sua versão em português em 2005.
2) O Facebook é de 2004, mas somente a partir de 2006 passou a aceitar o cadastro de qualquer pessoa.
3) O Twitter foi lançado em 2006 e, apesar de ter se popularizado no Brasil em meados de 2008, só ganhou versão em português em 2011.

Conheça a trajetória do veterano Rogério Silberberg e descubra o que você pode aprender com ele sobre inovação, empreendedorismo e curvas de aprendizado.

Você empreende desde quando?
No segundo ano da faculdade, abri com um amigo um paintball – teve aquela febre, lembra? Esse amigo, chamado Rogério Bonfim, que não estudava na ESPM, era muito ligado em novidades. O paintball não durou 1 ano e a gente quebrou. Na planilha do Excel era tudo bonitinho, mas na prática não era nada daquilo! Foi um bom aprendizado, mas como negócio não tinha como…

Foi a sua primeira empresa?
Sim e pelo fato de ter dado errado, o aprendizado foi maior. Depois, quando eu estava me formando, esse mesmo amigo veio me dizer que a novidade era a internet. Eu tinha me inscrito no programa de trainee do Citibank, que era muito bacana, e se passasse iria para lá. Meu pai era do mercado financeiro e eu gostava, já tinha feito curso de operador da Bovespa. Não passei, então, em 1995, eu, o Rogério Bonfim e mais dois sócios abrimos um provedor de acesso à internet chamado VirtualNet. A empresa existe até hoje e é uma agência.

Começamos a operar em 1996 porque, na época, o acesso a internet era um monopólio da Embratel e a gente tinha que pedir a eles um link – de 64 Kbps (hoje a banda larga funciona com 512 Kbps) – que demorava seis meses para ser liberado. Basicamente, o que se tinha era o link, um servidor e modens. Os clientes discavam da própria linha telefônica fixa de casa para o provedor, conectavam-se a esses modens e saiam navegando. Para você ter uma ideia, para configurar esse sistema tivemos de chamar um cara dos EUA! O servidor era muito caro e demorava uma semana para ser configurado… era uma luta! Colocamos seis modens em cima da mesa e podíamos atender seis clientes simultaneamente! Parece outra vida, né?

Outra coisa é que gente era uma empresa pequena e não tinha nenhum funding. Naquela época, falava-se muito pouco em venture capital e capital de risco. Mais ou menos na mesma época (em 1996), surgiram o UOL (fundado pelo Grupo Folha) e o ZAZ (do Grupo RBS, que depois virou Terra), que investiam mais pesado em marketing e proviam acesso. Nós chegamos a ter uns 1 000 clientes, mas quando os grandes começaram a fazer barulho ficou difícil competir. A gente crescia devagar até que em 1998 veio uma proposta do ZAZ para comprar nossa carteira de clientes e nós vendemos.

Neste momento você foi trabalhar no ZAZ?
O Marcelo Lacerda me convidou… Eles estavam precisando de gente no ZAZ porque o negócio estava crescendo muito. No Brasil, existia uma polarização entre UOL e ZAZ. Um pouco depois veio o iG (fundado em 2000 pelos grupos GP Investimentos e Opportunity). Aquele ambiente de veículo de comunicação, mídia e conteúdo me atraía muito, então fui para o ZAZ e lá fiquei por um ano. Como era o começo de tudo a gente fazia comércio eletrônico, venda de anúncio e parcerias de conteúdo – trazia sites para ficarem hospedados no portal.

E quando surgiu a ideia do Fulano.com.br, que anos depois seria transformado na F.biz?
Na verdade, o embrião disso foi a experiência com a venda de anúncios no ZAZ. A gente ia vender anúncio e concorria com revista, jornal… A internet era algo muito novo. Oferecer um anúncio estático não trazia um diferencial. Mas ela permitia que você criasse um banco de dados e soubesse quem estava acessando o site, para mostrar uma coisa mais personalizada, e esse foi o conceito do Fulano. Só que, naquele momento, o ZAZ não queria fazer grandes investimentos. A RBS procurava um comprador para o negócio (em 2000, foi vendido para Telefónica e surgiu o Terra) e estava preocupada em crescer a base de assinantes, o que aumentaria seu valor de mercado. Como eles não tinham vontade de investir, saí do ZAZ e passei algum tempo pesquisando o conceito de usar banco de dados para personalizar anúncios publicitários.

E nem existia Big Data na época (despontaria em meados de 2003). Como foi desenvolver algo com esse princípio sem recursos tecnológicos? 
Pesquisei coisas interessantes e comecei a ver o que se estava fazendo de diferente em termos de anúncios. Eu buscava algo que fizesse um pouco mais de sentido naquele meio. Quando começou a onda de conteúdo na internet, o pessoal transpunha o jornal para a web — tanto os anúncios quanto o conteúdo — sem levar em conta que se poderia usar a internet de uma maneira muito mais rica! Aos poucos foram surgindo, no mundo inteiro, uma série de exemplos, mas a parte de anúncios demorou bastante para acontecer.

Jogo de tabuleiro inspirado nas enquetes e quizes do Fulano.com.br

Acima, um jogo de tabuleiro inspirado nas enquetes e quizes do Fulano.com.br

Como foi, então, o start do Fulano.com.br?
Em 1999, chamei minha irmã (Patrícia Silberberg Kaiser), e depois se juntaram a nós alguns outros sócios. A ideia era fazer um site que atrelasse conteúdo a um programa de pontuação. Conforme o internauta interagisse com o conteúdo do site, ele ganhava pontos para concorrer a prêmios ou trocava por brindes. Por exemplo, “Para que time você torce?”, e ao responder ganhava 10 pontos. Depois começamos a criar jogos, séries de enquetes, quizes, perguntas abertas com 1 dica que valiam 100 pontos. Se a pessoa não conseguisse responder, pegava mais uma dica e poderia ganhar 80 pontos.

Gamificação, também meio à frente do tempo, né? Um embrião do que a Fanatee faz…
Sim, fazemos de forma mais nobre e incisiva. Naquela época era tudo muito experimental. O Fulano foi muito inovador. Primeiro, para entrar no site, o internauta precisava fazer login e tinha um marcador de pontos. Não dava para acessar o conteúdo do site sem fazer login, o que era uma coisa inédita. A gente tinha a parte de esportes em que o internauta podia usar os pontos para apostar no resultado do jogo de futebol e aí concorria a mais pontos. Criamos muitas coisas diferentes, como pedir que as pessoas mandassem fotos de famosos e, se fosse publicada, o internauta ganhava pontos. Também era possível comentar notícias e, se você clicasse no comentário, dava para mandar uma mensagem à pessoa. Tínhamos uma área de namoro e vários casamentos que saíram de lá (risos)! E também uma área de jogos, com Batalha Naval, Stop e Letroca. Esses dois estão no portfólio da Fanatee. Não é para me gabar, mas fomos um dos primeiros sites do Brasil a ter o Google para fazer busca. E a gente pagava por isso! Olha que diferença: depois que o Google criou o Adsense (serviço de publicidade que gera lucro a sites e blogs baseado na quantidade de cliques ou de visualizações) é ele quem paga.

E como o Fulano.com.br se transformou na agência F.biz?
Pegamos o boom da internet no Brasil e no mundo. Do mesmo jeito que pegamos investimento, vimos o estouro da bolha das pontocom. Nosso modelo era totalmente dependente de anúncios. Os grandes anunciantes não tinham verba específica para internet, e muitos deles nem tinham site ainda. O dinheiro grande ia para televisão e para as revistas, e era natural que demorasse para mudar. Lá, em 2000, empresas com ideias diferentes e inovadoras que tinham levantado muito dinheiro, como portais de viagem, leilão, financeiro, e anunciavam conosco. Quando a bolha estourou, esses sites que não davam lucro não conseguiam mais pegar investimento. De um mês para o outro, nosso faturamento caiu três vezes. Tínhamos equipe de 100 pessoas! Demos muita sorte porque havíamos levantado dinheiro um mês antes e foi isso que nos ajudou a sobreviver os anos seguintes.

Quando a bolha estourou, demoramos para entender o que estava acontecendo. Quando se está no meio do furacão, não dá para saber se é só uma ondinha. Só fica claro depois

Daí mudamos o foco da empresa. A F.biz nasceu quase naturalmente: de um veículo transformou-se em produtora e depois virou uma agência. Como tínhamos muita exposição na mídia com o Fulano, éramos muito bem recebidos quando íamos apresentar a F.biz.

O que um empreendedor da área de tecnologia tem de saber para tentar descobrir o que vai dar certo ou não?
Um dos grandes desafios do empreendedor, quando se fala de startup, é ter muita persistência.

Se por um lado é preciso acreditar no que se faz, por outro tem que saber quando abandonar uma coisa e partir para a próxima. Ou pelo menos ajustar

Alguns ajustes são radicais. Além da F.Biz ter sido fruto de um ajuste radical, a Blinks também nasceu de um veículo, o Oyo. Quando saí da F.biz, em 2007, criei um site de favoritos: o internauta colocava as suas músicas, filmes, livros e hotéis favoritos e o algoritmo indicava coisas similares. Dava para seguir quem tinha gostos parecidos com o seu. Era um conceito bacana, mas não foi para frente. Tentei por dois anos. Com a mesma equipe do Oyo, começamos a Blinks, que ajuda outras empresas a anunciarem na internet. Nos dois casos, alteramos radicalmente o que oferecíamos ao mercado. Nosso público inicial era o consumidor final e acabamos mudando para o público empresas, adaptando e criando novos serviços e produtos para esse segmento.

Mesmo em meio a tantas mudanças, você se aproximou da Endeavor e começou a dar mentoria. Por quê?
Em 2000, a Endeavor chegou ao Brasil e o Fulano tinha muita exposição porque era muito diferente. Eles me procuraram e participei, com outros empreendedores, da formação de um grupo de pessoas para dar mentoria às empresas. Com essa turbulência toda, tive um aprendizado grande e amadureci muito rápido. Não me considero um mentor muito ativo. Quando eles me pedem, converso com alguém.

É gostoso trocar experiências e aprender junto. Muitas vezes, um CEO fica muito isolado e essa conversa com o mentor ajuda

Também acabo conhecendo o negócio de outras pessoas e isso é motivador. Considero natural trocar figurinhas e poder ajudar os outros. Na prática, o que faz a diferença mesmo é a execução. O acesso às informações é fácil.

Tela do jogo Letroca, da Fanatee, para iOS.

Tela do jogo Letroca, da Fanatee, para iOS.

Como você lida com a ansiedade, atuando em um mercado que muda tão rapidamente?
É difícil… Antes eu perdia mais a calma. Por conta da idade e da minha falta de experiência, eu brigava mais com a equipe e com os sócios. Hoje, na Fanatee, o ciclo de desenvolvimento de um game é longo. Entre conceber, fazer piloto, testar e colocar no mercado demora de um ano e meio a dois. Isso gera ansiedade mas, com o tempo, você vê que o fracasso faz parte do sucesso e, depois de alguns fracassos e alguns sucessos, você aprende. Além disso, tenho mulher, filhos e apesar das coisas de trabalho serem importantíssimas, tento deixar um pouco compartimentado. A meu ver, o que difere o empreendedor dos outros é que ele quer as coisas acontecendo em alta velocidade.

E como saber a hora de se abandonar um negócio ou uma ideia?
É muito difícil. Ainda sou apaixonado pela ideia do Oyo. Muitas vezes me pergunto se deveria ter insistido mais com o Fulano… Costumo dizer que vai dar errado antes de dar certo, ainda mais se for algo muito inovador.

Às vezes a ideia disruptiva está lá e o mercado não entende. Outras vezes, a execução não é feita da forma certa

Mesmo as empresas que deram muito certo, tiveram muitos anos de dificuldades. A própria Amazon começou a dar lucro só mais recentemente. O Google demorou a achar um modelo de receita. Eu, particularmente, gosto muito de trabalhar com projeto inovador, apesar de ter um risco maior, só que a gente tem de fazer também um negócio que vai dar resultado. A virada do Fulano para a F.biz foi isso: fomos para uma coisa mais segura. A Blinks, quase a mesma coisa. Também tivemos muitas coisas inovadoras nela, mas não era algo totalmente diferente e existia uma demanda de mercado. E eu também precisava pagar as contas!

Como é seu relacionamento com os investidores-anjo?
Na Fanatee temos 11 angels, mas para o negócio dar certo depende muito do empreendedor. É preciso realmente gostar muito daquilo, entender muito, ser bom. Os investidores-anjo são um pedaço do todo. Quando você vai atrás de funding é importante pegar um grupo de pessoas que agregue algo além do dinheiro. Às vezes você quer trocar figurinha, então eles podem te ajudar. A primeira coisa que falo para os investidores-anjo é que eles, provavelmente, nunca mais verão esse dinheiro. Se o investidor estiver contando com aquele dinheiro, não aconselho a pegar. Eu, como empreendedor, sempre pergunto se o dinheiro não fará falta.

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