A internet é item de sobrevivência, mas o acesso a ela pode ser missão para heróis. Em um café, por exemplo, o cliente precisa pedir a senha do wi-fi para o garçom que, com sorte, vai passar o código corretamente. Com o passe em mãos, será necessário ser ainda mais afortunado para conseguir navegar sem soluços e em boa velocidade, algo que depende, claro, de quantas pessoas estão penduradas naquela rede. Pronto: o que era para ser solução virou problema. É este problema que a SemSenha quer resolver com seu gerenciador de pontos de internet (que oferece, ainda, a possibilidade do estabelecimento exibir publicidade nos dispositivos conectados). Parece simples, mas os fundadores da startup levaram um bom tempo para conseguir comunicar o que faziam e, mais ainda, reverter isso em vendas.
Alexander Leal, o Alex, 38, é formado em TI e cofundador da SemSenha, ao lado do especialista em redes Leonardo Pires, 42. O empreendedor faz a sua leitura do problema: “Ao oferecer um hotspot comum, o dono do estabelecimento gera uma experiência ruim para os clientes e tem um custo que não é revertido em qualquer benefício”. Foi daí que eles partiram para criar uma solução. A ferramenta da SemSenha permite que os consumidores se conectem à internet com um cadastro simples (fornecendo apenas nome e email) e com a comodidade de ter o acesso liberado permanentemente, também nas próximas visitas.
Enquanto isso, o responsável pelo estabelecimento pode gerenciar quem está usando a sua rede e, também, checar métricas de frequência dos clientes. O diferencial da SemSenha, no entanto, está nos recursos de publicidade, que podem ser segmentados por dia e horário. Na página de cadastro, o usuário já encontra uma divulgação do estabelecimento, de um parceiro ou mesmo de um evento que vá acontecer ali. Depois de logado, o sistema o direciona para uma página no browser ou nos aplicativos do Instagram e do Facebook. “Há empresas com soluções de internet semelhantes à nossa, mas nenhum concorrente nosso tem esse viés de publicidade”, diz Alex.
COMO FUNCIONA ESSA TAL DE INTERNET SEM SENHA
Ele e Leonardo são da cidade mineira de Juiz de Fora e resolveram criar uma solução justamente depois de Leonardo enfrentar dificuldade descabida para acessar o wi-fi de um restaurante. Era fevereiro de 2013 e ele tinha acabado de deixar a empresa em que trabalhava. Enquanto isso, Alex tinha acabado de começar outro projeto, mas se empolgou com a ideia e resolveu encarar a jornada dupla. Ele fala dessa fase, e de como percebeu que empreender na startup que estava para surgir tinha mais a ver com ele:
“Eu trabalhava de dia e virávamos noites para fazer as coisas da SemSenha. Levou uns três meses até eu entender que tinha que me dedicar em tempo integral”
Com foco total na SemSenha.com, não demorou muito para eles chegarem a uma solução e começar a testar. A cobaia foi um amigo, que tinha um estabelecimento. Naquela época o produto oferecia apenas o gerenciamento do hotspot, sem os recursos de publicidade. “Brinco que se você não tem vergonha da primeira versão, é porque começou a rodar tarde”, diz Alex, admitindo que eles ainda teriam que comer muito arroz com feijão para chegar onde estão agora. Ainda assim, a parte tecnológica ia se resolvendo com Alex cuidando da TI e da programação, enquanto Leonardo era responsável por infraestrutura e hardware.
E QUANDO O SEU PRODUTO RESOLVE UM PROBLEMA QUE AS PESSOAS IGNORAM?
Tudo era feito na unha, sem manual de Lean Startup nem método de prototipação. Alex fala de como ele próprio levou tempo até compreender que fazia parte de um ecossistema:
“Essa conversa simplesmente não existia para a gente. Não nos víamos como uma startup”
Eles estavam ocupados em fazer o negócio acontecer. Os testes iam bem e era hora, então, de se empenhar em vender o que haviam criado. Como o produto se aplica a qualquer estabelecimento, “de igrejas a restaurantes, passando por academias e cartórios”, ele tinham muitas portas para bater. A questão, conta Alex, é que ter um produto que resolve um problema tão simples acabava não se convertendo em vendas pois, a seu ver, as pessoas não conseguiam entender por que precisavam dele.
“Fomos de porta em porta aqui em Juiz de Fora. Todo mundo achava lindo, nos dava os parabéns e dizia que ia deslanchar mas, no fim das contas, não fechava negócio. Ficamos com trauma de receber parabéns”, conta, confessando que o cumprimento virou piada interna na empresa e, ao menos, ainda rende boas risadas.
Por que, então, não oferecer o produto gratuitamente para conquistar potenciais clientes? A estratégia poderia funcionar, mas eles não quiseram arriscar. “Tínhamos essa convicção de que era preciso valorizar o nosso trabalho. O receio era começar oferecendo de graça e depois nunca mais conseguir monetizar”, diz Alex.
A ideia dos sócios sempre foi cobrar um preço mais baixo, para ganhar em volume. Tanto é que desde 2013 o valor é o mesmo: a partir de 150 reais de mensalidade (dependendo do número de conexões que o estabelecimento precisa) e outros 150 reais de adesão (para o envio, pelo correio, do equipamento da SemSenha em comodato). Uma vez instalado, Alex conta que não é preciso se preocupar com mais nada: “Fazemos tudo remotamente, em rede. Desenhamos a tecnologia para não precisar de técnico, assim qualquer pequeno negócio pode usar”.
TÁ, MAS E OS CLIENTES?
Confiantes de que tinham uma solução interessante, mesmo que isso não estivesse se revertendo em vendas, os sócios decidiram produzir um vídeo para explicar tintim por tintim que benefícios, afinal, a SemSenha.com podia entregar. “Foi aí que começamos a ter um crescimento orgânico. Um blog fez um post sobre a gente e surgiram interessados.” Com isso, antes do fim de 2013 eles colocavam o primeiro cliente na carteira: um spa na região de Sorocaba, que segue entre as empresas atendidas até hoje.
Alex conta que, depois do pontapé inicial, as coisas enfim começaram a caminhar, com um fluxo de interessados chegando até eles. Enquanto isso, a empresa permanecia com a estrutura super enxuta: tudo era feito somente por Alex e Leonardo. “Sempre nos empenhamos para manter custos baixos para não precisar de investidor. Nosso aporte inicial foi muito baixo, de cerca de 4 mil reais, então conseguimos segurar assim”, diz o fundador. Para ele, buscar capital de um investidor-anjo, por exemplo, seria o último recurso. Nesta fase, ele começou a pesquisar sobre pequenos negócios na área de tecnologia com potencial para ser escalados e, adivinha? Descobriu que esta descrição de sua empresa casa direitinho com o conceito de startup.
De olho neste universo, Alex encontrou o Seed, programa do governo de Minas Gerais voltado ao desenvolvimento do ecossistema empreendedor e inscreveu a SemSenha.com no processo seletivo do segundo ciclo de aceleração. Para a surpresa dele, deu certo. Os dois empreendedores, que tinham acabado de se dar conta de que seu negócio era uma startup, entraram no programa que selecionou 40 empresas, entre brasileiras e gringas, entre mais de 1.400 inscritas. Alex e Leonardo fizeram as malas e foram passar seis meses em Belo Horizonte. “Quando entramos nós já tínhamos uns 30 clientes. Precisamos ser desacelerados antes de ser acelerados. Chegamos lá loucos para vender, para expandir logo, mas não tínhamos a menor noção do negócio”, conta.
Ele diz que, além de estrutura e conhecimento, o Seed deu visibilidade ao empreendimento, que foi o vencedor da segunda fase de aceleração. Eles saíram do programa com vontade de crescer estruturados — e com uma grana no bolso (enquanto estavam lá, cada sócio recebia 2 mil reais por mês, além do total de 38 mil reais para a empresa). “Saímos com dinheiro em caixa para ir adiante. Voltamos para Juiz de Fora, abrimos o nosso escritório e trouxemos uma profissional para cuidar da área comercial”, diz, contando que a esposa Marilia Milanez estava insatisfeita com seu trabalho na época, decidiu pedir demissão e assumir o novo desafio na empresa. “Sabíamos que ela vestiria a camisa.” A partir daí, além do salário da nova funcionária, os dois empreendedores começaram, enfim, a fazer retiradas para recompensar o próprio suor.
CONTRATAR PARA INTERNACIONALIZAR
Com as coisas mais ajustadas, o negócio tomou corpo. Eles firmaram, por exemplo, uma parceria estratégica com o Trip Advisor em que, depois de sair de um estabelecimento equipado com o SemSenha.com, o consumidor recebia um email da plataforma de viagens para avaliar o lugar. Com isso, devagar, eles engordaram a carteira de clientes. Saltaram dos cerca de 30 em 2014 para mais de 300 este ano, com 1 000 hotspots espalhados em 23 estados brasileiros. Só em Juiz de Fora, a solução da empresa equipa frota de mais de 600 ônibus desde o ano passado.
“O nosso maior orgulho e maior vergonha é ter chegado até aqui sem nenhum investimento em marketing”, diz Alex. Isso é algo que eles pretendem mudar este ano. Também pretendem contratar quatro pessoas. A ideia é trazer um profissional para cada área: comercial, programação, suporte e, enfim, marketing. Ele fala de como isso é representativo da maneira um tanto desconfiada de gerir o negócio:
“Demorar para contratar foi nosso maior erro. Sempre tive muita insegurança com custos e o tempo todo quisemos minimizar riscos. Mas aprendi que uma startup precisa arriscar”
Segundo ele, até agora as vendas da empresa seguem acontecendo de forma orgânica, sob demanda. A seu ver, somente com mais gente no time é que eles poderão ser mais ativos e ir atrás do crescimento. Ele quer corrigir essa escorregada e quer ainda mais: começar operação internacional. “Já tivemos demandas pontuais para mandar a solução para fora. Agora sentimos que estamos prontos para oferecer algo escalável”, diz.
Eles foram procurados por uma agência de publicidade que quer contar com a solução em Portugal. O negócio ainda não está fechado, mas eles já fazem testes na região para entender os custos de uma operação internacional, quanto precisarão cobrar e quanto trabalho adicional a investida europeia vai gerar. Até aqui, Alex conta que os resultados são positivos e está animado com as perspectivas. “Esse vai ser mais um ano de virada para nós, como foi 2014 com o Seed”, diz. Na conversão entre o empreendedor desconfiado e o ousado parece que não existe mais senha.