Quem tem filhos pequenos sabe o fascínio que as telas de smartphones e tablets exercem sobre eles (e nos respectivos pais, a bem da verdade). De olho no filão infantil, a startup paulistana StoryMax está aos poucos revolucionando o mercado de livros infanto-juvenis com a ajuda da tecnologia. A sacada é publicar livros que são, na verdade, aplicativos que trazem uma história com animações, sons e interatividade, transformando a experiência da leitura, que acontece em tablets ou smartphones. O casal Samira Almeida, 35, e Fernando Tangi, 36, criou esta nova forma de contar histórias clássicas da literatura e a empresa já tem seis livros publicados, em diferentes idiomas, colecionando leitores em mais de 40 países, além de prêmios nacionais e internacionais.
Tudo começou em 2012, quando Samira, que é jornalista, viu-se descontente com a carreira. Aos 31 anos, já havia passado pela redação de vários veículos de imprensa, geralmente cobrindo temas relacionados a artes, design e arquitetura. Mas foi quando teve a chance de escrever sobre empreendedorismo que ela percebeu que talvez ali houvesse um novo caminho. Nesta mesma época, Fernando trabalhava como designer e ilustrador em uma editora.
“Discutia-se sobre como adaptar livros para o formato digital, mas o que estava sendo feito com os livros infantis era completamente sem graça, em preto e branco e sem nenhuma interatividade”, conta Samira. Inconformados, os dois enxergaram ali uma oportunidade e decidiram montar um protótipo do que viriam a ser os app books, baseado em um livro que Fernando estava ilustrando. Apresentaram o projeto, mas a editora não topou. Como os direitos de publicação daquele título eram da editora, eles morreram na praia.
Mas saíram convictos de que tinham uma boa ideia. Decidiram, então, produzir de forma independente, sem que ficassem dependentes das editoras, um outro livro. Dessa vez a aposta foi uma adaptação do clássico Frankenstein, que na versão livro aplicativo foi batizado de Frankie for Kids — e lançado em formato de app para os sistemas iOS e Android. “Em três meses fizemos tudo: criamos o roteiro, a animação, programamos e lançamos. Queríamos aproveitar o dia das crianças e também o Halloween”, diz Samira. E conta que a fase pré-lançamento foi muito desgastante:
“Passamos por enormes desafios. Empreender em casal tem seu lado bom, a sintonia facilita muita coisa. Mas também tem muitas dificuldades. A pressão para fazer o negócio dar certo é muito estressante”
Ela diz que os dois se desentenderam algumas vezes: “Tivemos que aprender a lidar com isso para não estragar nossa relação”. Mas o intensivão deu certo. Em versão bilíngue (inglês e português), e vendido a 17,49 reais, Frankie for Kids atingiu mais de 3 mil downloads poucos meses após o lançamento. O volume equivalente a uma primeira tiragem de livro impresso. Era o piloto da empresa que nascia.
Com a prova de que o produto — ou melhor, o formato — recém desenvolvido era bem aceito no mercado, eles voltaram para as editoras acreditando que assim conseguiriam vender projetos semelhantes. Os meses seguintes foram de muitas reuniões e, no entanto, pouco resultado. Apesar dos esforços, as editoras não se mostraram interessadas no formato criado por eles. Samira avalia que em 2012 as editoras ainda estavam “começando a abrir os olhos” para o formato digital, mas isso ainda era muito incipiente:
“Todo mundo achava bacana nossa ideia, mas ninguém quis bancar”
Ela conta que muitos ficavam receosos de que o nível de interatividade proposto não rodaria nos dispositivos, em referência aos diferenciais do app book que criara: animações, músicas, efeitos sonoros e sociais (como a possibilidade de usar filtros e publicar nas redes sociais) que fazem a experiência de ler se parecer com a vista nos filmes do Harry Potter. Samira afirma que a grande vantagem do formato de aplicativo é que ele dispensa a necessidade de um leitor compatível. “Em um e-book precisa ser legível pelo máximo número de sistemas leitores e publicadores digitais. Um app não precisa se compatível, pois ele interage diretamente com o dispositivo”, diz.
DE REPENTE, O MUNDO DO EMPREENDEDORISMO SE ABRE
Ela já tinha um bom produto, mas não tinha sócios nem perspectiva de crescer e se estabelecer como empresa. Foi no segundo semestre de 2013 que as coisas começaram a virar para a StoryMax — que até então nem tinha esse nome. Frankie for Kids recebeu dois reconhecimentos importantes: o segundo lugar no prêmio ComKids Prix Jeunesse Iberoamericano na categoria Digital e Interativa e outra premiação no Prêmio Hipertexto de Tecnologias na Educação. “OS prêmios trouxeram visibilidade e prestígio. E principalmente abriram portas para um mundo de empreendedorismo, startups, aceleração e tantas outras coisas que até então a gente não conhecia”, conta Samira.
O ano de 2014 começou com a dupla sendo selecionada para o projeto Startup & Makers na Campus Party. “Foi uma loucura porque estávamos selecionados mas na verdade tínhamos só um produto e sequer tínhamos um nome para a empresa. Na época a gente ainda era só Frankie for Kids. Corremos mais uma vez e em menos de um mês tínhamos um novo livro. O Via Láctea, baseado em um soneto do Olavo Bilac. E, bom, viramos StoryMax”, conta. Mais tarde o livro, que custa 8,99, ficaria em segundo lugar na categoria Infantil Digital do Prêmio Jabuti.
Dos contatos feitos na Campus surgiram ainda mais oportunidades. Lá, por exemplo, eles ficaram sabendo do Seed (Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development), projeto do governo de Minas Gerais para o fomento do empreendedorismo. “Nos inscrevemos, fomos selecionados e mudamos para Belo Horizonte”, diz Samira. Nos seis meses de aceleração que viveriam, Samira se dividia entre a capital mineira e São Paulo, onde havia começado a pós-graduaçao em Educomunicação na ECA-USP. Além da mentoria, a startup receberu um investimento de 44 mil reais do programa. Ela compartilha um aprendizado deste período:
“A aceleração mudou nosso jeito de pensar. A gente tende a achar que sempre tem alguém querendo tirar alguma coisa da gente, então se fecha. Mas todos os dias, desde o Seed, somos gratos por estarmos cercados de empreendedores tão competentes e colaborativos”
Com a aceleração, Fernando e Samira conseguiram aprimorar o modelo de negócio e entenderam melhor como explorar canais e parcerias. O resultado foi um aumento de 400% no volume de vendas em 2014. Em 2015, a StoryMax deu outro passo importante passando a ter uma nova fonte de receita além da venda dos app books: as parcerias institucionais.
AJUSTANDO O MODELO DE NEGÓCIOS
A primeira parceria desta nova fase foi firmada com o Goethe Institut e disso nasceu o Literatour, projeto que contempla quatro mini contos inspirados em clássicos da literatura alemã (Fausto, A Canção de Hildebrando, Rei Rother e A Metamorfose) e aborda, também, costumes da cultura daquele país. O conteúdo foi produzido em português e alemão, e não tem uma ordem cronológica, o que possibilita maior autonomia e interatividade ao leitor. Aliás, todos os livros da StoryMax são produzidos em formato multilíngue. “Em torno de 70% da venda dos nossos apps acontece nos Estados Unidos. O brasileiro ainda está acostumado a consumir apps gratuitamente, mesmo na área de educação”, diz a empreendedora.
O projeto mais recente está sendo realizado em parceria com a multinacional dinamarquesa de biotecnologia Novozymes e o Sesi-PR. “Lançamos em parceria com eles a coleção Nova Perspectiva, que propõe uma reflexão sobre problemas sociais a partir dos objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pela ONU”, conta Samira. Os livros estão presentes em 48 colégios da rede Sesi e são ingredientes a mais ao método de ensino tradicional das escolas brasileiras:
“Nossos livros funcionam como material de apoio em sala de aula”
A parceria até agora produziu dois livros-aplicativos: Frritt-Flacc, de Júlio Verne, que fala sobre as diferenças sociais e a mesquinhez, tendo como ponto de partida a reflexão sobre o objetivo que trata da erradicação da pobreza; e Ostras, de Tchékhov, que sugere uma reflexão sobre a erradicação da fome e agricultura sustentável. Os apps também contam com uma área de atividades, que contextualiza os assuntos tratados na história com a realidade atual. O usuário escolhe se quer fazer as atividades antes ou depois da leitura.
A EXPERIÊNCIA COM O GOOGLE
Alocada atualmente no escritório do Google Campus em São Paulo, a StoryMax faz parte da primeira turma de residentes do espaço. Para Samira, a residência é uma forma de estar em contato com outras startups em um escritório superequipado e bem localizado, com todo o apoio para alcançar as metas e benefícios exclusivos como o acesso facilitado a toda a comunidade Google do mundo. “No nosso caso, aprendemos bastante sobre comunicação e marketing e tivemos acesso a especialistas em áreas relevantes como analyctics, cultura e investimento. Além disso, aprende-se muito com os outros residentes – todos empreendedores admiráveis e que enfrentam desafios como os nossos. Tanto que agora que iremos deixar o escritório, estamos nos mobilizando para irmos juntos para outros coworkings da cidade”, diz.
Atualmente, a equipe é formada por cinco pessoas, sendo os dois sócios, uma editora, um ilustrador e um desenvolvedor. Eles acabaram de lançar um app que reúne todos os livros lançados até agora e em breve devem chegar novos volumes da coleção Nova Perspectiva. O Rei do Ouro, de John Ruskin, discute o acesso e manejo sustentável da água acaba de ser lançado. “Este ano queremos ampliar o impacto dos nossos produtos gratuitos, atualizar nossos apps pagos e investir tempo no relacionamento com clientes e parceiros. Queremos que a StoryMax, além de entregar as histórias num formato engajador, seja uma plataforma que ajude a construir o hábito de leitura”, diz ela. E segue a fazendo a sua história.
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