A primeira vez que a gaúcha Ana Luísa Schmitt, 30, se sentiu envolvida e se aproximou da causa animal foi quando tinha mais ou menos 12 anos. Moradora de Porto Alegre, habituada a frequentar a fazenda do avô, sempre teve contato e apego por bichos. Mas foi só quando um vira-lata amarelo apareceu no estacionamento do prédio em que ela morava que sentiu um ímpeto de ajudá-lo. Seus pais não queriam cachorro em casa (anos depois, conseguiu convencê-los a adotar dois labradores). Com a ajuda da mãe, Ana Luísa convocou uma reunião no prédio para permitir que o cachorro ficasse por ali até que fosse encontrado um lar definitivo para ele. O Amigo, como foi chamado mais tarde, seria enfim adotado pelo tio de Ana Luísa.
Quase duas décadas depois, já formada em Relações Públicas e radicada em Florianópolis, Ana Luísa transformou aquele “ímpeto” em negócio ao se tornar proprietária da T-Mutts, uma marca de camisetas “para cachorreiros” que tem parte da renda revertida para ajudar animais abandonados. Ela conta como se aproximou profissionalmente do tema:
“Sempre quis trabalhar com animais. Comecei me envolvendo com um site para ser babá temporária de cães. Só anos depois é que fui empreender”
Ana trabalhava na área de Recursos Humanos de um restaurante quando começou a cuidar dos pets. Em março deste ano, portanto há poucos meses, é que ela entrou na T-Mutts — que já existia. A T-Mutts foi criada pela turismóloga Luísa Rossi, amiga de Ana Luísa. As duas se conheceram por intermédio de amigos e perceberam os interesses comuns. Luísa coordenava o grupo informal Guaipecando (que, em gauchês, significa algo como “vira-latando”), com o qual organizava eventos para arrecadar doações de ração para os cachorros. “Eu vivia mendigando ajuda para os bichos”, conta ela, rindo.
COMO CONSEGUIR GRANA? VENDENDO ALGO BONITO
O estalo para perceber que poderia haver um caminho mais eficiente para conseguir recursos aconteceu meio sem querer: ao fazer um curso de Criação na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e contar sua história de engajamento com a causa, teve a ideia de criar uma empresa que a possibilitasse ganhar dinheiro e, ao mesmo tempo, apoiar os animais. “Em minhas pesquisas, não encontrei nada dedicado aos cachorros, as camisetas das ONGs eram muito feias, dessas que viravam pijama”, diz.
Surgiu o plano: criar uma marca com temática canina, mas que tivesse cortes diferentes e estampas bem desenhadas, no melhor estilo T-shirt descolada. Vem daí, aliás, o nome. Mutt significa vira-lata em inglês. Nesta fase, ela investiu 15 mil reais na empresa, de recursos próprios.
Nas camisetas, frases divertidas, como “crazy dog lady” ou “oh my dog” (“a louca dos cachorros” e “oh meu cachorro”, esta um trocadilho com God, Deus em inglês) ou imagens de cachorros estilizadas. Os preços variam de 54,90 a 69,90 reais.
Luísa considera o nome e os preços importantes para mostrar como o conceito da marca foi pensado: “Eu queria ‘elitizar’ um pouco as camisetas, não queria ser óbvia. Identidade é importante e a gente precisava da imagem de algo forte”.
A ideia, diz, era se distanciar da imagem “de camiseta de ONG”. A partir daí, foram dois anos construindo o público e aprendendo a gerenciar um negócio. Luísa, que nunca havia sido empresária, viu-se planejando a venda de peças sem sequer saber exatamente para quem. É quando se cometem erros. No começo, por exemplo, ela fez mais de 500 camisetas de uma só vez. Com o passar do tempo, porém, percebeu que as pessoas davam mais valor às novidades e que o ideal era lançar menos peças com maior frequência, fazer micro coleções. “Não sobram camisetas para contar história, mas ter variedade com certeza atrai mais os clientes”, afirma ela.
Depois de dois anos à frente da operação, porém, uma oferta de emprego irrecusável, em plena recessão econômica, fez Luísa mudar os planos. Sem ter mais tempo para se dedicar à marca como deveria para fazer o negócio prosperar, ela decidiu vendê-la. Para quem? Para a amiga Ana Luísa. “Fico feliz porque ela é apoiadora da causa, não sei se teria conseguido vender para outra pessoa”, diz a fundadora da T-Mutts.
No comando da marca há poucos meses, Ana Luísa agora precisa se adaptar à nova rotina como empresária. “Controlar a produção é um grande desafio, além de prever o quanto vou vender e colocar muito dinheiro sem saber exatamente o retorno que vou ter”, conta a nova CEO, digamos. A marca tem apenas um funcionário, uma designer, e terceiriza a produção com parceiros que atuam de forma socialmente responsável.
Por enquanto, as peças continuam sendo produzidas no Rio Grande do Sul, e um dos objetivos de Ana Luísa é encontrar um fornecedor em Florianópolis. Ela afirma que o objetivo é lançar cerca de 130 camisetas — com cinco estampas diferentes — a cada seis meses. Além do carro chefe da marca, a T-Mutts também comercializa outras peças com a mesma temática: alpargatas (89,90 reais) e canecas (26,90 reais). Junto com as T-shirts, compõem um estoque de cerca de 250 produtos. Atualmente, a marca fatura em média 3.500 reais em vendas.
COMO AJUDAR SUA CAUSA MESMO NA CRISE
Desde que foi criada, em 2013, a T-Mutts doou mais de 1000 kg de ração para protetores independentes e ONGs que cuidam de animais abandonados, custeou cinco castrações e distribuiu 500 reais para essas instituições.
No início, a ideia da marca era reverter 10% do lucro para a causa, mas Luísa conta que a crise econômica exigiu uma adaptação neste compromisso e, não sem alguma frustração pessoal, no ano passado a T-Mutts deixou de doar os 10%.
Em vez disso, a empreendedora usou as sobras de tecidos das camisetas para criar um novo produto, o “nózinho do bem” (um brinquedo para cachorros e gatos, vendido a 12,90 e 20 reais) e que tem 100% do valor revertido para ajudar os bichos.
Poucos meses após a criação, ela já havia conseguido mais de 200 reais só com os nózinhos. E, para não enfraquecer o compromisso de dedicar parte do lucro para a causa animal, o e-commerce de T-Mutts disponibiliza códigos específicos que, ao serem ativados, disponibilizam 5% do valor da compra para seis ONGs, a maioria delas no Rio Grande do Sul. Luísa fala que as doações são, claro, super importantes. Mas ela vê também outro papel sendo exercido pelo negócio que criou:
“Percebi que a gente cumpre também um papel social de conscientizar, por exemplo, que adotar cães é lindo e não faz sentido comprá-los”
Por sua vez, nos poucos meses à frente da T-Mutts, a atual CEO aprendeu um bocado sobre o modo de fazer negócios no mundo da internet. “Não posso deixar de publicar todos os dias no Facebook e no Instagram, e é deste último que vem o maior retorno”, diz Ana Luísa. Além do e-commerce, ela também organiza bazares e eventos para divulgar a marca e, sempre, arrecadar fundos para os cães com o valor cobrado de ingresso.
Mas ainda falta aprender a se desligar um pouco do trabalho. Na definição da própria, ela “trabalha com parte do lazer dos outros” e às vezes falta tempo para relaxar e aproveitar seus próprios cachorros: Lorenzo, um vira-lata com um quê de salsicha herdado da sogra; Willy, adotado para fazer companhia a Lorenzo; e Flora, uma vira-lata de porte médio que apareceu no portão e foi ficando. Por enquanto, porém, Ana Luísa tem objetivos claros. “Espero fazer a marca crescer, porque quanto mais tiver lucros, mais vou conseguir ajudar”, diz. E viva o viralatismo.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
O mundo precisa urgentemente de justiça social e climática, mas muitas empresas ainda fingem não ter nada a ver com isso. Rodrigo Santini, diretor do Sistema B, fala sobre o papel das corporações em um planeta cada vez mais quente e desigual.