Quando começou a pesquisar mudanças climáticas, ainda na faculdade, o biólogo Rafael Tannus, 40, decidiu que precisava colocar a mão na massa para tentar fazer algo a mais pelo meio ambiente. Seu desejo se tornou trabalhar com uma fibra vegetal, 100% livre de derivados de petróleo, biodegradável e propícia para a compostagem. Nasciam ali, na época de estudante, as raízes para a fundação da Tamoios Tecnologia, que fabrica revestimentos e embalagens ecológicas a partir de materiais biodegradáveis, em 2008, dentro de um programa da incubação da USP.
Pesquisando alternativas neste sentido, o fundador chegou à região do Vale do Ribeira, localizada entre o sul de São Paulo e o norte do Paraná, onde havia abundância de uma matéria-prima que atendia às suas necessidades: a fibra da bananeira. O artesanato com o pseudocaule (parte da planta que parece um caule, geralmente descartada pelos agricultores), já era comum na região, uma das maiores produtoras nacionais de banana, principalmente em comunidades quilombolas. Deste primeiro contato, surgiu a parceria com uma artesã local, que passou a produzir algumas peças para Rafael, principalmente materiais de escritório e decoração.
Instigado a realmente seguir este caminho, ele foi atrás de parcerias para o negócio que estava surgindo e se juntou a Pablo Pacca, Ivan A. Monteiro Marques e Patrick Fleury, todos com 36 anos e com experiências profissionais diferentes. Os três se conheciam da época do colégio e foram apresentados a Rafael por um amigo em comum. Pablo tinha trabalhado com desenvolvimento de mercado na química Dow e na área de operações no Google, já Ivan atuava como advogado tributarista na Moneyman e Patrick cuidava da área de Marketing da Fesa Consultores de RH. Foi da junção do know-how de cada um que as coisas começaram a entrar nos eixos.
EMPREENDER ALÉM DA FIBRA DE BANANEIRA
Uma das primeiras medidas dos sócios foi mudar o material utilizado pela empresa, que deixou de ter como base a fibra da bananeira (utilizada atualmente apenas em alguns produtos da Tamoios). Patrick, responsável pelo departamento comercial, conta que como começou a subir o preço, trocaram a matéria-prima. “Se algo está funcionando, já dá para melhorar”, diz. O quarteto tinha claro que, seja lá o que fizessem, teriam que primar pela sustentabilidade e se adequar às necessidades do cliente:
“Basicamente, oferecemos uma alternativa ao isopor e ao plástico em muitas aplicações e setores”
A lista de produtos com alternativas ao plástico que passaram a produzir é grande, encabeçada por itens como tubetes (para plantio de mudas), embalagens de garrafa, enchimento para sapatos e botas, proteção de peças delicadas em geral, bandejas biodegradáveis para alimentos secos e frutas, material de escritório e até embalagens para peças automobilísticas.
Mas, se não é mais só do pseudocaule, do quê exatamente – e como — tudo isso é feito? Papelão. “A gente picota pedaços gigantes e usa essa polpa para fazer os produtos”, diz Patrick. Além do papelão, também podem ser utilizados neste processo papeis de reciclagem e casca de arroz. Até sobras de cogumelo já serviram como matéria-prima de teste. Seja qual for o insumo (desde que 100% biodegradável), os sócios estão dispostos a se jogar para entender o que fazer com ele.
Para reforçar o que a empresa tem de especial, que vai além do material utilizado, Patrick diz que as populares caixinhas de ovo, comuns no mercado, por exemplo, costumam ser fabricadas pelos concorrentes em uma máquina gigante e que faz apenas este produto. Já o maquinário desenvolvido por Rafael (com investimento dos próprios sócios de 1,5 milhão de reais em pesquisas de laboratório e prototipagem) é menor e capaz de fabricar os mais diversos formatos de embalagens na sede da empresa em Itariri, litoral sul paulista.
“Temos o Rafael, que é engajado, tem a receita do bolo e mexe nela de acordo com a necessidade do cliente”, diz Patrick. A clientela é tão diversa quanto o tipo de produto projetado, prototipado e finalizado pela Tamoios: vai desde agricultores até uma montadora automobilística, passando também por redes de supermercados e produtores de vinhos.
Sobre a fórmula de precificação do que vendem, ele fala: “Basicamente, há três variáveis: volume de produção, tamanho e peso da peça. Estes últimos dois fatores afetam a velocidade do maquinário, ou seja, peças mais leves e mais rápidas têm um custo de produção menor”.
O preço unitário das bandejas, por exemplo, varia de 15 a 50 centavos (vendidas em fardos, com 500 unidades). Um tubete para plantio de mudas custa 30 centavos, enquanto uma embalagem para garrafa de vinho, 1,2 real. Já o papel de parede feito a partir da fibra da bananeira sai por 350 reais o metro.
Ele diz que o número de produtos vendidos varia muito e não se arrisca a passar uma média. “Tem mês que vendemos 2 mil peças, em outros 150 mil” e afirma: “A empresa está amadurecendo e crescendo. Entendemos que ainda somos uma indústria nascente”. Mesmo assim, os números são expressivos. “Atualmente, processamos seis toneladas de matéria-prima por mês, com um crescimento de 30% em relação a 2016. Queremos crescer 50% este ano, com o lançamento de quatro novos produtos.”
SUSTENTABILIDADE: A DOR E A DELÍCIA DO NEGÓCIO
A grande dificuldade da Tamoios é que, eventualmente, seus produtos acabam saindo mais caros em relação aos convencionais disponíveis no mercado, feitos de plástico e isopor, por exemplo. O desafio está em argumentar, com base na Política Nacional de Resíduos Sólidos sobre a importância e as vantagens do que fazem.”Por ser uma embalagem bem rústica, tem gente que acha o máximo porque fica claro que é papelão, vai decompor, mas também tem quem prefira a branquinha”, fala Patrick. Ele ainda propõe uma reflexão:
“Quanto é razoável pagar a mais por um produto sustentável? Como vamos fazer a transição de materiais poluentes para uma matriz sustentável?”
Ele continua: “Convencer os clientes que nossos produtos se destacam por ser ecologicamente corretos e produzidos em um local carente é bem mais difícil e demorado do que parece”. Outra dificuldade, segundo o empreendedor, é descobrir quem é o responsável pela tomada de decisão em cada empresa cliente da Tamoios. Mas não tem como escapar destes percalços. “A curva de aprendizado é um caminho que não tem atalhos.” Mesmo muitas vezes dando “murro em ponta de faca”, Patrick acredita que é preciso persistir. “O desafio é ligar para o maior número de pessoas possível, saber quem tem a chave nas empresas para mudar o que elas usam hoje. A questão automobilística está sendo a mais difícil de todas, porque quem é que mexe com isso? É o departamento de logística?”.
O novo caminho desbravado pelo time na construção de parcerias ainda é pedregulhoso, mas isso é justamente o que faz Patrick ter um sentido maior para levantar todas as manhãs. “Existe um sentimento de estar fazendo algo pelo mundo, de urgência para resultados. Saber que estamos fazendo o que deve ser feito dá mais gás para a vida.” A urgência está, inclusive, documentada em estudos pelo mundo, como lembra o sócio da Tamoios: “Segundo um levantamento da Ellen MacArthur Foundation (que trabalha para acelerar a transição rumo a uma economia circular), em 2050, teremos mais plástico e isopor nos oceanos do que peixes. Temos que ser a geração que muda a forma das pessoas pensarem e agirem. É fazer ou fazer”, diz Patrick, apressado em conscientizar mais pessoas sobre o valor de sua proposta.
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