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Com algodão agroecológico, borracha da Amazônia e couro orgânico, a Veja empacota sustentabilidade em forma de tênis

Maisa Infante - 10 abr 2025
Sébastien Kopp (à esq.) e François-Ghislain Morillion, fundadores da marca de tênis franco-brasileira Veja.
Maisa Infante - 10 abr 2025
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Ter um produto que provoque impacto socioambiental positivo em todas as etapas da cadeia produtiva é o objetivo da Veja, marca de tênis franco-brasileira fundada em 2005 por Sébastien Kopp e François-Ghislain Morillion

Talvez você conheça a Veja pelo nome de Vert, adotado no Brasil em 2013, quando as vendas começaram no país (em 2015, a Vert apareceu aqui no Draft). Em 2024, a empresa conseguiu unir o Brasil à identidade global da marca e se assumiu como Veja por aqui também.

Vendidos em mais de 100 países, os tênis da Veja são produzidos em quatro fábricas no Brasil com algodão agroecológico do Nordeste, borracha sustentável da Amazônia, PET reciclado de Minas Gerais e couro orgânico do Uruguai. 

É, segundo François, uma marca que tem o Brasil como protagonista: “O que nós fizemos – e fazemos – é enxergar os projetos [de produção de matéria-prima sustentável] mais bacanas e interligá-los por meio de um tênis”.

ANTES DA VEJA, OS SÓCIOS CRIARAM UMA CONSULTORIA E VIAJARAM POR QUATRO PAÍSES PARA AUDITAR PROJETOS DE SUSTENTABILIDADE

A história desse tênis pensado por franceses e produzido no Brasil começou em 2003. Recém-formados e desiludidos com o estágio no setor bancário, Sébastien e François resolveram abrir uma consultoria na área de sustentabilidade com o intuito de aprender sobre o tema, que não tinha o destaque que tem hoje. 

Durante um ano, os dois viajaram por China, Brasil, Índia e África do Sul para auditar 56 projetos. Na indústria têxtil chinesa, ficaram chocados com as condições dos alojamentos dos funcionários, onde 32 trabalhadores compartilhavam um quarto de 25 metros quadrados com condições precárias de higiene. 

No mesmo ano, eles conheceram a empresa de alimentos orgânicos Alter Eco e viram, pela primeira vez, a aplicação prática do comércio justo, que torna a economia mais equilibrada. Mas, quando voltaram a Paris e entregaram o resultado das auditorias aos clientes, ficaram frustrados. François afirma: 

“Nos demos conta de que as empresas não estavam nem aí e isso foi um pouco decepcionante… Queríamos criar uma empresa para tentar mudar essas grandes empresas, mas, na verdade, elas queriam apenas divulgar o fato de estarem trabalhando com a gente, e não, de fato, mudar as regras” 

Eles resolveram, então, mudar o rumo da carreira e produzir um tênis inovador, levando os valores de comércio justo e responsável para a cadeia da moda. E decidiram que isso seria feito aqui, no Brasil. 

Durante a viagem de auditoria, François e Sébastien tinham conhecido iniciativas que mostravam o potencial da produção genuinamente sustentável. Daquele total de 56 projetos auditados em quatro países, o mais incrível, diz François, foi o de uma cooperativa de Rondônia que produzia palmito de forma agroecológica: 

“A gente usava uma metodologia de ranking, com notas sobre questões econômicas, sociais e ambientais. Esse projeto ‘chegou primeiro’ em tudo porque realmente estava trazendo resultados econômicos para as famílias – e, como consequência, ajudando a manter a floresta naquele lugar”

Para começar a Veja, Sébastien e François investiram 100 mil euros, entre recursos próprios e empréstimos bancários. E desembarcaram novamente no Brasil prontos para criar um modelo de negócios baseado em matérias-primas sustentáveis. 

A ESCOLHA DOS FORNECEDORES PRIORIZA O IMPACTO SOCIOAMBIENTAL, MAS SEM ESQUECER AS IMPOSIÇÕES DA REALIDADE

Dos 3,5 milhões de pares de tênis Veja produzidos anualmente, 98% são feitos em quatro fábricas no Brasil (duas na região Sul e duas no Nordeste). Os outros 2% são fabricados em Portugal. 

O foco é encontrar matérias-primas que não prejudiquem a natureza, mas também fortalecer as cadeias locais e as famílias produtoras. A borracha, por exemplo, é nativa da região amazônica, extraída de forma que respeite tanto a floresta – mantendo-a em pé – como os seringueiros. A maior parte vem do Acre (70%); os 30% restantes, do Pará, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso. Atualmente, 22 associações de produtores fornecem para a Veja, impactando mais de 2 500 famílias.

O algodão é produzido por agricultores familiares e agroecológicos do Brasil e por agricultores orgânicos certificados do Peru. A marca também usa PET reciclado de garrafas plásticas de Minas Gerais: em 2024, o projeto abrangeu 13 associações de reciclagem e 200 pessoas, sendo 50% mulheres. Ao todo, foram compradas 120 toneladas de PET, o equivalente a cerca de 6 milhões de garrafas.

O couro vem, principalmente, de fazendas orgânicas do Uruguai. O processo de curtimento é feito em curtumes que aderem à política de RSL (lista de substâncias restritas) da Veja e eliminam metais pesados e ácidos nocivos, além de reduzir o uso de produtos químicos e de energia em 40%. 

A Veja até chegou a testar o curtimento vegetal (com taninos naturais) durante um período, mas os preços eram muito altos e o resultado, inferior ao desejado. Dilemas como esse – de optar por uma abordagem mais sustentável em detrimento do preço ou da qualidade – surgem com frequência no caminho: 

“A nossa intenção é sempre diminuir o impacto negativo, mas nunca vamos comparar o nosso couro, por exemplo, com o couro ideal. Sempre analisamos a partir da realidade” 

No caso, entre comprar couro orgânico do Uruguai com curtimento não-vegetal ou um couro gaúcho que trazia o benefício do do curtimento vegetal, mas sem tanta rastreabilidade (o que eleva o risco de haver matéria-prima de outras regiões), a Veja decidiu priorizar a primeira opção.

“Como o curtimento não-vegetal melhorou muito a forma de tratamento do resíduo e o impacto na fazenda do orgânico era bem positivo e comprovado, optamos por esse.”

A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DAS COOPERATIVAS SE REFLETE EM PAGAMENTOS ACIMA DA MÉDIA DO MERCADO

Mesmo trabalhando com matérias-primas entendidas, tradicionalmente, como commodities, a Veja enxerga esses materiais com um olhar diferente.

Dentro da ideia de comércio justo, a marca acredita que tanto os produtos como os produtores precisam ser valorizados. Uma das formas de se fazer isso é pagando um valor mais alto que o mercado tradicional, muitas vezes antecipadamente, para que as cooperativas possam fazer o seu trabalho. 

Em 2024, a Veja comprou cerca de 250 toneladas de algodão orgânico de 1 500 famílias no Brasil e no Peru. Segundo a empresa, o preço pago pela matéria-prima foi três vezes maior que a média paga pelo mercado (no caso da borracha, essa proporção foi ainda maior, quatro vezes acima da média).

“Você não consegue dizer que está valorizando uma pessoa se está pagando um preço mínimo para o trabalho que ela está fazendo”

Assinados diretamente com as associações de produtores no início de cada safra, os contratos também são vistos como um diferencial. No caso do algodão, a Veja acorda os valores no início da safra, antes do plantio, em um processo transparente e participativo, possibilitando que os agricultores se organizem financeiramente.

“Isso criou uma confiança muito grande na nossa cadeia produtiva”, diz François.

SEM INVESTIMENTO EM MARKETING, GARANTIR A QUALIDADE E A COMPETITIVIDADE SE TORNA AINDA MAIS CRUCIAL

Fazer um produto social e ambientalmente responsável custa mais caro do que fazer um produto tradicional. 

Uma das escolhas da Veja para reduzir esse custo foi instituir a política de marketing zero. Pela estimativa de François, 70% do preço final de um par de tênis uma grande marca deriva de investimentos em publicidade. 

“Uma mesma fábrica na China produz para uma marca popular e para uma marca de luxo. Depois, o marketing é que faz a diferença. A Veja escolheu direcionar esse recurso para valorizar a cadeia produtiva” 

Na prática, segundo o empreendedor, isso implica em desenvolver produtos cada vez melhores porque não haverá uma grande campanha para alavancar as vendas. 

A divulgação se faz através de estratégias de relações públicas e eventos, criando espaços e momentos onde é possível apresentar o trabalho de forma lúdica e simpática. 

“Talvez a gente faturasse mais se investisse em marketing, mas acredito que seria perigoso. Seria um faturamento que não é muito real”, diz François. E dá um exemplo desse tipo de distorção:

“Sentimos um pouco isso na Inglaterra [em 2018], quando Meghan Markle usou nosso tênis. As vendas começaram a subir muito… mas isso é frágil, depois voltou para o normal”

No site, um par de tênis da marca custa entre 590 e 1 200 reais. O faturamento da Veja, no ano passado, foi de 280 milhões de euros.

NÃO ADIANTA QUERER EVANGELIZAR QUEM DESMATA A AMAZÔNIA

Ao longo de 20 anos, a Veja experimentou diversos materiais e processos. Muitos, claro, não deram certo. Outros funcionam até hoje e, segundo a dupla, estão em constante evolução. 

Para François, escolher trabalhar com um negócio de impacto, justo e sem marketing é muito desafiador – mas também muito compensador quando fica claro o seu papel nessa engrenagem. 

Ele lembra de quando começaram um projeto com uma cooperativa paranaense que queria plantar algodão orgânico. Foi feito um investimento de dois anos no projeto; porém, no primeiro ataque de pragas, os agricultores escolheram pulverizar agrotóxicos na plantação. 

“Isso foi uma lição de humildade. Não fomos nós que construímos essas cadeias produtivas. Os protagonistas sempre foram as cooperativas e iniciativas. Nós viemos para fortalecer e ser cliente. Nosso papel é de agitar e não de fazer no lugar do outro” 

Na visão de François, não é função da Veja mudar a cabeça de quem está desmatando a Amazônia, e sim enxergar as pessoas que estão trabalhando de forma inovadora e sustentável – e criar formas de ajudar essa cadeia.

“Hoje conseguimos entender que a nossa maneira de trabalhar vai ser sempre de localizar iniciativas bacanas – e fortalecê-las.”

 

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