Você pode chamar de sincronicidade, inconsciente coletivo, zeitgeist. Ou de sorte. Ano passado, quando Camila Silveira, 31, Claudia Weingrill, 49 e Nina Weingrill, 30, lançaram a Velô, marca de roupas para ciclistas urbanos, a prefeitura de São Paulo tinha recém-inaugurado seu plano cicloviário (construir 400km de ciclovias até 2016) e tanto o assunto como o hábito de pedalar entraram em uma curva de crescimento. De lá para cá, do lado da cidade, já existem mais de 200km reservados para bicicletas, e a emblemática ciclovia da Avenida Paulista está quase pronta. Do lado da Velô, o negócio deu certo e elas estão lançando a segunda coleção, que incluirá também peças para o público masculino.
“Planejamos a Velô por dois anos e foi uma coincidência feliz calhar com a implantação das ciclovias em São Paulo e com o aumento de pessoas de bike nas ruas. Acreditamos que seja o espírito do tempo, que está trazendo de volta pras pessoas o direito à rua, à cidade. A marca nasce desse desejo de ocupar o espaço público”, diz Nina, que é jornalista e também sócia da agência de comunicação Énois.
É de se imaginar que as três sócias da Velô sejam ciclistas — e são, embora de modalidades diferentes — mas existem outros pontos em suas histórias que contribuíram para a criação da marca. Um deles é o gosto pela moda e o desejo de criar não apenas um produto mas também um valor, um conceito de uma vida melhor.
ÀS APRESENTAÇÕES
Nina é ciclista urbana e antes de ter bebê (ela está de licença maternidade) ia de casa para o trabalho (num circuito bairro-centro) de bike. Claudia é mãe de Nina e mountain biker há cerca de seis anos — ela mora Mairiporã, região metropolitana de São Paulo conhecida por ter diversas trilhas. Lá tem também um ateliê de alta costura, onde faz o desenvolvimento de algumas marcas da capital. Ela trabalha com moda há muitos anos e já passou pela oficina de grifes como a Daslu, por exemplo.
Curitibana, Camila mora na capital paulista desde 2007 e também pedala pela cidade. Ela e Claudia se conheceram há pouco mais de sete anos, por causa dos maridos, que trabalham na mesma área. A moda também as une: Camila formou-se em moda em Jaraguá do Sul (SC) e é estilista há 11 anos.
À medida que a amizade entre Claudia e Camila crescia, os encontros sociais davam lugar a reuniões regadas a vinho, em casa — mais especificamente na casa de Nina, onde Claudia se hospeda na capital — em que conversavam sobre a possibilidade de empreender em sociedade. “A gente se namorava nesse sentido, de fazer uma coisa legal juntas”, conta Claudia.
“Pensamos em fazer roupa de festa, roupa de ginástica, mas não fechávamos a ideia porque não era isso. Não queríamos fazer moda por moda, queríamos fazer algo que tivesse uma história por trás”
Nessa época elas perceberam que o esporte era um denominador comum entre as duas: no caso de Claudia, as trilhas de bike (na última que fez, no fim do ano passado, percorreu os 350km do Circuito Vale Europeu, em Santa Catarina) e também os treinos de speedy (ciclismo de velocidade). Camila, além de pedalar, pratica natação no mar há quatro anos (ela já correu provas como a Volta do Parcel, em Juquehy e a Fuga das Ilhas, na Barra do Sahy, ambas no litoral paulista). Mas contingências da vida desaceleraram os encontros e adiaram os planos de sociedade.
QUE TAL CRIAR ALGO QUE NÃO EXISTIA?
Até que em meados 2012, em uma conversa na família Weingrill, surgiu a ideia central da Velô. Com empreendedorismo como de pano de fundo, agora já focado em ciclismo, Nina, a mãe e o pai falavam das roupas para performance. “Comentávamos como achamos feios os modelos femininos mas que, ao mesmo tempo, não teria a ver com a gente fazer. Até porque tem um pessoal no mercado há muito tempo”, lembra Claudia. “Então meu marido sugeriu que fizéssemos roupa para ciclista urbano, que não existe”, conta.
A partir daí, começaram definir o modelo de negócio: uma marca de roupa para o ciclista urbano em cujo DNA estivessem valores como o direito ao espaço público, o respeito às escolhas de individuais de locomoção, o convite a que as pessoas saiam mais às ruas e vivam uma vida mais natural, menos automatizada.
Até porque, hoje, a Velô vende apenas roupas mas a ideia é que, uma vez estabelecida, a marca cresça para outras áreas. As sócias ainda não abrem muito sobre isso. “A gente quer deixar bem sólido o conceito da roupa primeiro. Mas nossa proposta é ser mesmo um estilo de vida”, afirma Camila.
O próximo passo do negócio em gestação seria, justamente, chamar Camila. Ela estava trabalhando como estilista de uma marca de roupa infantil e topou na hora participar do negócio. “Eu disse ‘vamos já'”, lembra, rindo. Pediu demissão e juntou-se ao grupo como a única sócia, desde o início, a encarar o empreendimento em tempo integral. Como investiram valores diferentes, elas têm participações (e retiradas) diferentes — o investimento total no negócio foi de 100 000 reais, provenientes das economias pessoais de cada uma.
Hora de montar o business plan. Elas tiveram ajuda do Sebrae e do Senai, que Claudia procurou logo no começo. E assim iniciou-se um extenso trabalho de pesquisa atrás de concorrentes. “A ideia está no ar mas não tem ninguém executando. Tanto aqui como fora do Brasil encontramos uma peça ou outra, simples, mas nenhuma coleção pensada”, diz Claudia.
Camila conta que a Levi’s tem uma linha para ciclistas urbanos, mas que não é adequada para o Brasil. “O tecido é muito pesado, não tem a ergonomia que a gente estava querendo. Vimos muitas pessoas desistindo de usar e começamos a pensar na adequação que o nosso produto teria de ter”, diz.
MISSÃO: CRIAR ROUPAS BONITAS E INTELIGENTES
Há pelo menos três diferenciais nas roupas da Velô desde a primeira coleção, lançada em agosto do ano passado. O primeiro é o fato de ser uma linha inteira pensada para ciclistas que usam a bicicleta como meio de transporte, ou seja, vestidos para as mais diversas ocasiões — sejam elas uma reunião de trabalho (há um até um terno feminino), uma ida ao cinema ou a um restaurante. Outro é a modelagem inteligente, com recortes, bolsos, cavas, refletivos, respiros estratégicos e formas que permitem, por exemplo, que as mulheres pedalem de saia e vestido. Por fim, a utilização de tecidos tecnológicos, o que significa serem bacteriostáticos (inibem a proliferação de bactérias), terem fator proteção solar UV50+ no DNA do fio (que impede que saiam durante as lavagens), serem leves, de secagem rápida e não amassarem com facilidade.
Os tecidos, aliás, são um capítulo à parte na história da Velô. Como o uso desse tipo de tecnologia, no Brasil, sempre foi voltada para a indústria esportiva, só se encontram malhas tecnológicas no mercado. Praticamente não há tecnologia nos tecidos chamados planos (aqueles mais firmes que a malha).
“Temos roupas que parecem alfaiataria. Encontramos um único tecido plano, com o qual fizemos a calça e o blazer. Quando descobrimos que ele não ia mais ser produzido, compramos todo o estoque. Para a proposta da Velô o tecido é perfeito mas quando eles desenvolveram ninguém mais no mercado quis. Para produzirem mais, a demanda precisaria ser maior. Ou seja, a gente está abrindo a picada também nesta área”, diz Claudia.
Camila explica que o mercado de tecidos tecnológicos nacionais está em crescimento, embora ainda seja bem menor se comparado ao internacional. E, por causa dos impostos, o material brasileiro é bem mais caro. Mas usar apenas matéria prima brasileira faz parte do conceito da marca. Aqui é Claudia quem explica uma decisão estratégica da empresa:
“Várias pessoas falaram para a gente comprar tecido da China mas isso vai na contramão da nossa proposta, que é melhorar o entorno”
Com as peças-piloto prontas, faltava a grande prova, o teste de funcionalidade em cima da bike. Nina foi a modelo de prova e pedalou, sob o olhar atento das sócias, com praticamente todas as peças “Foi realmente uma coisa de experimentar, uma situação que não existia e que a gente teve que descobrir como fazer. Deu certo e foi até divertido”, conta Claudia.
A coleção de lançamento teve apenas peças femininas (o blazer Street custa 295 reais, o vestido Urban, 330 reais, a jaqueta Corta-vento, 240 reais). Fazer roupas para mulheres não foi uma escolha proposital: as sócias começaram as linhas de ambos os sexos ao mesmo tempo mas a coleção masculina não estava redonda o suficiente para ser lançada, e elas preferiram esperar. “A gente queria uma modelagem mais moderna no masculino e só conseguíamos alfaiataria clássica e seguramos. Mas os meninos ficaram bravos com a gente”, brinca Claudia. A coleção de inverno, que entra no e-commerce do site na semana que vem, tem peças masculinas e femininas e mantém as saias e vestidos, peças de mais sucesso da marca. Camila conta de um feedback positivo e até inesperado, vindo de mulheres que começaram a pedalar “vestidas de mulher”:
“Teve até uma cliente que disse se sentir mais segura pedalando de saia do que de capacete porque, segundo ela, há um cuidado maior por parte dos motoristas ao perceberem que é uma mulher em cima da bicicleta”
Esse tipo de retorno é bastante estimulado pelas sócias da Velô. Elas pedem para que as clientes enviem fotos usando as peças que postam, junto com comentários, nas páginas do Facebook e do Instagram da marca. O contato mais pessoal acontece quando rolam pop-ups stores ou quando elas visitam estabelecimentos voltados para a galera da bike que também vendem suas roupas. Atualmente é possível comprar Velô na Aro27, na Velodrome e no King of the Fork (KOF) mas elas já estão de olho em mais pontos de venda. Há pouco tempo contrataram uma representante comercial para prospectar novos clientes — e ela vai de bike, com os catálogos e as peças da Velô no alforje. Não é obrigação, coincidência ou questão de sorte: é o conceito da Velô provando que isso tudo faz sentido.
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