A VideVerde ganha dinheiro com o que parece, mas não é, lixo: compostagem em escala industrial

Thadeu Melo - 22 jan 2018Márcio Santos e Marcos Rangel conduzem a VideVerde, transformando toneladas de resíduos em adubo para venda e para a produção própria de coco verde orgânico (foto: Nátaly de Sousa).
Márcio Santos e Marcos Rangel conduzem a VideVerde, transformando toneladas de resíduos em adubo para venda e para a produção própria de coco verde orgânico (foto: Nátaly de Sousa).
Thadeu Melo - 22 jan 2018
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Você sabe o que é compostagem. Talvez até tenha ouvido falar de uma amiga que tem uma composteira em casa, onde deposita parte dos resíduos orgânicos domésticos (cascas de frutas e sobras de comida) em uma terra cheia de minhocas, que transformam tudo em adubo, certo? Agora, imagine que aquela amiga é o Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, o RioGaleão, no Rio de Janeiro, e que está compostando os restos de alimentos dos mais de 60 restaurantes que lá funcionam. É isso que a VideVerde faz: compostagem em escala industrial.

Além do Galeão, entre os clientes há uma siderúrgica em Itaguaí (RJ), com centenas de funcionários, além de outras grandes empresas, um hospital, uma rede de supermercados e um shopping center. Haja minhoca!

“Oferecemos aos grandes geradores a opção de compostar o material orgânico, resolvendo, em 60 dias, um problema que leva um século para se solucionar em aterros convencionais”, conta Marcos Rangel, 34, sócio que chegou à empresa logo após a sua criação, em 2007. Hoje a VideVerde tem 35 funcionários e uma frota própria de 10 caminhões que atendem mais de 60 clientes, em cerca de 80 pontos de coleta no estado do Rio de Janeiro.

Parte da equipe VideVerde, que coleta resíduos orgânicos em 80 pontos do Rio de Janeiro.

O composto VideVerde (terra adubada) é vendido nos supermercados da rede Zona Sul, no Rio.

Cobrando um valor médio de 400 reais por tonelada coletada, o serviço que às vezes tem o mesmo preço, às vezes é um pouco mais caro (depende da distância percorrida) que a coleta tradicional — esta que, vale dizer, não fecha o ciclo da sustentabilidade, pois simplesmente amontoa materiais recicláveis e compostáveis, misturados, nos aterros convencionais.

Carioca e formado em direito pela Universidade Cândido Mendes, Marcos começou a carreira trabalhando em um escritório da área, mas logo passou a procurar atividades alternativas. Queria algo em direito ambiental, mas não vislumbrou espaço no mercado. Interessado no tema, foi encontrar na recém criada e familiar VideVerde uma motivação que foi amadurecendo aos poucos, “sem forçação nenhuma”, diz.

A mãe de Marcos havia voltado de uma visita ao Japão determinada a implantar um sistema de compostagem em escala industrial como o que tinha conhecido por lá, com reduzida emissão de gases de efeito estufa e gerando adubo. Estabelecido em um espaço alugado em Resende, cidade no sul fluminense, o serviço que criou ampliou o pacote de soluções que sua empresa, a Venativ, oferecia na área de gestão interna de resíduos para a iniciativa privada, desde 1994. As duas empresas pertencem ao mesmo grupo.

A convite da mãe, em 2008, o bacharel foi conhecer o processo, gostou e passou a ir uma vez por semana para Resende ajudar em uma operação castigada pelas intempéries. “Nós tínhamos a área, recebíamos o resíduo, mas o processo de decomposição era muito ruim, em termos biológicos, sofria muito com a umidade, por estar em uma região muito chuvosa”, conta Marcos. Com a chuva, diz, os nutrientes iam todos embora e, muitas vezes, a própria matéria orgânica. Ele fala da situação:

“Entrei em uma empresa montada, mas precisava descobrir como se fazia compostagem. Eu não sabia, e nenhum agrônomo que trabalhava com a gente tinha feito isso antes, na prática”

De uma vez por semana, passou a ir a Resende duas, depois três. “Fui aumentando a frequência, mas não ficou estabelecido se eu ia ser sócio, diretor ou peão”, conta: “Eu não era nada, eu só estava indo lá para entender como fazer para ter adubo como resultado do processo, porque não era o que se tinha”.

ÀS VEZES, BASTA SEGUIR A CARTILHA

Marcos pesquisou, visitou outras empresas no Brasil e no exterior e, depois de pouco mais de seis meses, o adubo finalmente começou a aparecer, sem o uso de minhocas, mas de bactérias e de um líquido acelerador de compostagem. “Eu não precisava descobrir a pólvora, bastava saber como funcionava e fazer igual”, conta o desenvolvedor de um processo que continua a ser aperfeiçoado. “A busca é contínua. Compostagem é uma técnica milenar, mas que pode ser sempre melhorada, em termos de tempo de decomposição, resultado final etc.”.

Parte da equipe VideVerde, que coleta resíduos orgânicos em 80 pontos do Rio de Janeiro.

Parte da equipe VideVerde, que coleta resíduos orgânicos em 80 pontos do Rio de Janeiro.

Em 2009, com o sistema estabilizado, Marcos passou a se dedicar mais à área comercial da empresa, captando clientes como a rede de supermercados Zona Sul, que resolveu compostar os resíduos orgânicos de 35 lojas localizadas na capital fluminense. Em seguida, fecharam com a Companhia Siderúrgica do Atlântico, à época, da alemã ThyssenKrupp, e, em pouco tempo, o volume recebido passou de 5 para 30 toneladas — por dia.

Com a maior regulamentação da legislação ambiental e a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, o negócio da compostagem cresceu e acabou ganhando vida própria. “Resolvemos cobrar por quilo e não por coletor, para ser mais transparente com o cliente. Se ele gerar uma tonelada, ele vai pagar uma tonelada, porque, normalmente, os coletores nem sempre estão cheios”, afirma Marcos, que fez MBA em Gestão Empresarial na Fundação Getúlio Vargas e pós-graduação em meio ambiente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com o crescimento do negócio, os desafios aumentam na mesma proporção:

“Para cada cliente grande que entrava, a gente tinha que melhorar o processo, dava dois passos para trás, para manter o resultado em um volume cada vez maior”

Foi necessário investir em maquinário, comprar um bobcat (mini carregadeira), depois um caminhão, uma retroescavadeira usada, depois, uma nova, depois mais um caminhão, depois mais dois… Não era mais possível lidar com o material apenas na base da pá, da enxada e da peneira manual, como faziam no início da empresa.

A COMPOSTAGEM GERA ADUBO, QUE GERA MAIS PRODUTOS

A operação permaneceu estável nos anos seguintes, crescendo organicamente, até que, em uma parceria com o proprietário do Zona Sul, resolveram mudar a unidade de compostagem de Resende para Magé, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Alugaram um sítio do dono da rede, localizado em uma área mais próxima aos maiores clientes, enquanto o supermercado, que já vendia pacotes de 2 quilos do adubo VideVerde, começou a comercializar também as hortaliças e legumes orgânicos que passaram a ser cultivados com o excedente do adubo próprio na nova área.

A mudança de local reduziu os custos de operação e também os riscos das frequentes viagens de 166 quilômetros de via Dutra que separam Rio e Resende, em uma das quais Marcos sofreu um grave acidente que o afastou temporariamente das atividades.

Em 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a VideVerde foi a responsável pela destinação do lixo orgânico produzido no evento, com 10 dias de duração. Em troca, em vez de remuneração, optaram por ter um estande de divulgação na área da conferência, o que alçou a empresa a um novo patamar de visibilidade e articulação. “A gente fazia uma coisa quase única no Rio de Janeiro, a imprensa adorou a ideia, porque tudo era meio ambiente, então tivemos um retorno bacana, apareceu muito cliente nessa época”, lembra Marcos, que conseguiu contatar e conhecer diversas iniciativas semelhantes em outros países:

“Com a Rio+20, apareceu muito curioso, muito doido, mas muita empresa séria também querendo fazer compostagem”

Foi também em 2012 que Márcio Santos, 31, o outro sócio da VideVerde, se uniu à empresa. Especialista em contabilidade, o jovem carioca começou no setor financeiro e acabou se interessando pela parte operacional, até receber a proposta, cerca de dois anos depois, de assumir uma fatia da empresa, por sua dedicação. “Hoje mesmo a gente está aqui comemorando porque acabamos de fechar contrato para coletar o orgânico de um hospital”, conta Márcio, dizendo que a negociação durou mais de dois anos até a assinatura.

A parceria da dupla foi fundamental para que conseguissem dar o maior passo que já arriscaram até momento: a aquisição de uma área própria para consolidação e melhoria da operação, no final de 2015. Baseados agora em Cachoeiras de Macacu, também na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e com um escritório em Copacabana, os dois levaram um ano para construir as instalações e migrar para o novo terreno, sem interromper a rotina de coleta dos clientes. Enquanto Marcos administrava os detalhes das obras (além de se casar e ter o primeiro filho), Márcio mantinha as engrenagens rodando.

A estrutura própria, em Cachoeiras de Macacu (RJ), opera há um ano e tem capacidade para triplicar a produção própria de adubo (foto: Márcio Isensee).

A estrutura própria, em Cachoeiras de Macacu (RJ), opera há um ano e tem capacidade para triplicar a produção própria de adubo (foto: Márcio Isensee).

“A gente recomeçou tudo do zero, tivemos que construir uma ponte, as estufas, o galpão de recebimento e tudo o mais, porque a área não tinha nada, nem água, nem energia elétrica, tinha apenas 700 coqueiros e mato”, recorda Márcio. Nesta fase, eles investiram 2 milhões de reais no negócio. “No último trimestre de 2016, trabalhamos todos os dias. Todos os dias mesmo! Com telefone ligado dia e noite, porque era obra rolando, desmontagem da antiga área, tudo ao mesmo tempo”, conta Marcos, que já tem uma ligação especial com a terra.

Quando foram conhecer a área, com uma amiga que havia indicado o local, acabaram caindo com o carro em uma vala e teriam que chamar um guincho para saírem dali. A amiga fez uma leitura da situação que marcou o empreendedor: “Você está entendendo o que significa isso?”, perguntou, e disse: “Significa que a terra te quer, ela está te segurando aqui”.

Operando no espaço próprio há um ano, fazendo circular mais de 4 mil bombonas (recipientes de coleta), a VideVerde tem capacidade para triplicar a operação, que está girando em cerca de 2 mil metros cúbicos por mês, com um faturamento de 300 mil reais mensais.

Em 2017, eles se dedicaram a melhorar o processo. “Tiramos todos os erros que a gente cometia, tudo o que a gente fazia que não era pra ser feito, o que a gente podia melhorar, e estamos conseguindo uma operação ainda mais equilibrada”, afirma Márcio, que com isso passou a comercializar a produção de coco verde (do antigo coqueiral do terreno, lembra?), certificada como orgânica e adubada com o composto próprio.

“Este ano, queremos retomar em Cachoeiras de Macacu o projeto de educação ambiental que fazíamos em Magé, recolhendo o resíduo orgânico de creches e escolas, fazendo a compostagem, recebendo as crianças no nosso espaço e levando de volta o adubo para fazer hortas comunitárias”, conta Márcio.

Com uma década de atividade, disputando mercado com empresas de coleta de lixo tradicionais e aterros sanitários de maior impacto, a empresa segue como uma das poucas empresas de compostagem industrial do Brasil. E na natureza tudo é ciclo, tanto que a VideVerde serviu de inspiração de um antigo estagiário para criar a Ciclo Orgânico, iniciativa que viabiliza a compostagem de resíduos domésticos, em parceria com um parque carioca, em menor escala. É a inovação renovando práticas milenares e mais sustentáveis.

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  • Projeto: VideVerde Compostagem
  • O que faz: Coleta e compostagem de resíduos orgânicos, venda de adubo e de coco verde
  • Sócio(s): Marcos Rangel e Márcio Santos
  • Funcionários: 35
  • Sede: Cachoeiras de Macacu (RJ)
  • Início das atividades: 2007
  • Investimento inicial: R$ 2 milhões (instalações próprias, 2016)
  • Faturamento: R$ 300.000 por mês
  • Contato: [email protected]
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