Dá para tomar sorvete todo dia e manter a saúde? Fabio Neto, 39, acredita que sim. Não qualquer sorvete, mas uma versão sem açúcar refinado, conservantes, glúten, gordura saturada e lactose.
Assim é o produto de sua foodtech, a Yamo, que vende sorvetes plant-based em massa feitos à base de leite de inhame. A gordura é substituída pelo tahine (pasta de semente de gergelim); a doçura vem de frutas in natura e do açúcar demerara (além de, em algumas versões, um blend de xilitol e eritritol, adoçantes naturais).
Em Uberlândia (MG), a fábrica da Yamo produz 2 mil litros de sorvete por mês. Por enquanto, os sabores são: abacate; açaí com banana; banana; coco; chocolate; frutas vermelhas; maracujá com chocolate; e paçoca. Há também versões zero açúcar de paçoca e pistache.
As vendas começaram em Uberlândia, em dezembro de 2020. No mês seguinte, a marca chegou a Belo Horizonte — e, em abril, a São Paulo.
UMA VIAGEM AO VALE DO SILÍCIO INSPIROU O CASAL A EMPREENDER A YAMO
Fabio tem 20 anos de experiência no varejo, os últimos dez dedicados à BrMalls, onde foi superintendente de alguns shoppings, diretor de portfólio e, mais recentemente, diretor de inovação e marketing.
Há três anos, ainda na BrMalls, iniciou um mergulho em ecossistemas de inovação ao redor do mundo, atrás de soluções para a transformação digital do varejo. Foi à China e a Israel, e fez uma visita “na pessoa física” ao Vale do Silício, acompanhado da esposa, Paula Máximo, que trabalhava no Banco Safra.
Lá na Califórnia, em abril de 2019, conhecendo a Singularity University, o casal se surpreendeu com o que ouviu sobre o futuro da indústria de alimentos:
“A previsão é de que a população chegará a 10 bilhões de habitantes em 2050 e que não teremos alimento para todo mundo se não pensarmos em novas propostas de cultivo de ou base alimentícia. Vimos que o futuro passa por dois grandes caminhos: produzir em laboratório ou criar alimentos plant-based”
Fabio e Paula ficaram impactados com os dados apresentados, ainda mais depois de visitar a Impossible Foods e a Beyond Meat, que vinham revolucionando o setor nos EUA. E voltaram ao Brasil decididos a empreender neste nicho plant-based.
ELES FIZERAM UMA LISTA DE VILÕES DA ALIMENTAÇÃO PARA DECIDIR O ALVO
Os dois reuniram nutricionistas, engenheiros de alimentos e chefs de cozinha, que confirmaram quais eram alguns dos grandes vilões da alimentação: refrigerantes, sorvetes, chocolates…
“Apesar de os refrigerantes aparecerem em primeiro lugar, achamos que no segmento de bebidas já existiam muitas alternativas saudáveis”, diz Fabio. “Então, ficamos com o segundo vilão: o sorvete.”
O casal se dedicou então a pesquisar as alternativas saudáveis de sorvetes no país.
“Achamos opções zero açúcar, zero lactose ou low carb [com pouco carboidrato] — mas nenhuma marca que tivesse tirado os três de uma vez da formulação. Este passou a ser o desafio da Yamo. A gente até brinca que nossa intenção era criar um ‘sorvete impossível’, já que ninguém tinha tentado antes”
Sem conhecimento do mercado, eles firmaram sociedade com um amigo de longa data, Cairo Carvalho, que há 15 anos atua no ramo. Ele é fundador da marca Bona Fruta, de sorvetes à base de frutas.
PARA CRIAR O SORVETE, ELES TESTARAM CINCO VARIEDADES DE INHAME
Cairo também achou que seria difícil produzir um sorvete sem lactose, açúcar refinado e gordura saturada — tudo ao mesmo tempo. Mesmo assim, embarcou na empreitada.
Os três passaram a pesquisar como fazer as substituições e receberam de uma nutricionistas a indicação do leite do inhame.
O tubérculo, diz Fabio, é considerado um “super alimento”, rico em nutrientes, antioxidantes e nutrientes essenciais (além de ter poucas calorias).
“Nas pesquisas, descobrimos que existem 400 tipos de inhame (!) e selecionamos cinco para fazer os testes. Por ser classificado como uma ‘superfood’ — conceito disseminado nos Estados Unidos, mas ainda pouco divulgado por aqui –, achamos que isso também poderia nos diferenciar”
Depois de obter um resultado positivo com uma variedade, o inhame taro, os sócios foram atrás de substitutos para a gordura e chegaram ao tahine.
E como queriam focar no nicho saudável (e não no segmento diet), descartaram os adoçantes sintéticos e optaram pelo açúcar demerara para substituir o refinado.
TESTAR E ERRAR ATÉ CHEGAR NA FORMULAÇÃO “PERFEITA”
Esse processo de desenvolvimento e criação da marca levou quase um ano (de maio de 2019 a abril de 2020) e contou com um investimento inicial de 3 milhões de reais; a grana saiu do bolso dos sócios.
Segundo Fabio, a jornada foi cheia de percalços:
“Jogamos muito sorvete fora até chegar na receita ideal… Quando fomos testar a formulação sem o açúcar refinado, tivemos problemas com as máquinas, que congelavam porque a massa não gerava maciez”
As frutas também foram motivo de perrengue. “O abacate, por exemplo: se você compra um dia antes, está verde; se compra um dia depois, fica escuro — e a aparência do sorvete não fica boa…”
Depois de chegar à receita-base “perfeita”, eles levaram mais alguns meses criando os primeiros oito sabores da marca. Os sócios então testaram o produto com 300 famílias de BH e Uberlândia, coletando feedbacks e fazendo ajustes.
Foi nessa fase que o negócio chamou a atenção de Ricardo Rocha, executivo do Magalu e CEO do LuizaLabs. Ele entrou como investidor-anjo, aportando 4,5 milhões de reais na Yamo — montante que está sendo utilizado para a expansão da empresa.
DA PLANTAÇÃO À FABRICAÇÃO: A VERTICALIZAÇÃO DA EMPRESA
A Yamo nasceu com a ideia de ser uma Digitally Native Vertical Brand (DNVB), ou seja, uma marca que pretende se conectar diretamente com o consumidor final, controlando seu produto do chão de fábrica à mão do cliente.
A empresa já comprava o inhame e as frutas de dez produtores familiares homologados. Há dois meses, os sócios decidiram que era hora de plantar o próprio tubérculo — e inauguraram uma fazenda da marca, para pouco a pouco produzir tudo ali.
“Vimos uma oportunidade de verticalizar nossa produção, como já fazem algumas empresas de chocolate com plantações de cacau”, diz Fabio.
A ideia da fazenda própria seguiu a linha de pensamento de outro projeto de Fabio. Há três anos, ele é sócio da Be Green, uma startup de fazendas urbanas que adotou o conceito farm to table, encurtando o caminho do campo à mesa para evitar desperdícios.
“Hoje, mais de 80% do desperdício de alimentos no mundo ocorre entre a fazenda, o supermercado e a casa do cliente. Como sempre olhei para esse problema, logo que a Yamo surgiu eu quis homologar agricultores mais próximos possíveis de nossa fábrica — e criar nossa fazenda”
Futuramente, a intenção é abrir a fazenda à visitação para que os clientes vejam onde os insumos são produzidos e tenham uma experiência de consumo completa.
VENDER SORVETE SÓ PELO DIGITAL SE MOSTROU UMA ESTRATÉGIA FURADA
A proposta inicial era operar apenas no digital, e com e-commerce próprio. Mas o formato não teve tanta aderência — mesmo com a pandemia estimulando o hábito de compras online.
“Fizemos campanhas com influenciadores e cupons de desconto para ‘ensinar’ o público a consumir dessa forma. Também entramos no Rappi e no iFood”
Abraçar os apps de entrega já tinha sido uma flexibilização na postura DNVB, em relação à conexão direta com o consumidor, que se perdia de alguma forma nas vendas pelos marketplaces.
Embora a estratégia tenha ajudado, os sócios decidiram entrar em pontos físicos. O conceito de DNVB até prevê vendas no offline, mas através de lojas próprias, showrooms etc.
A Yamo, porém, resolveu abrir o leque de vez e decidiu levar seu sorvete a lojas de produtos naturais, padarias, mercadinhos de bairro e, por fim, supermercados.
O SUCESSO DA TAPIOCA INSPIRA A CRIAÇÃO DE NOVOS PRODUTOS
Em Uberlândia, os sorvetes da marca já estão presentes em mais de 40 endereços – de restaurantes e supermercados a clubes e postos de gasolina.
Em Belo Horizonte, são 20 pontos de venda. Em São Paulo, depois de um mês operando apenas no online e via delivery, a Yamo estreou, agora em maio, em algumas unidades do Natural da Terra.
O pote de 150 ml custa R$ 14,90; o de 455 ml sai por R$ 35,90. Os sorvetes na versão zero açúcar só estão disponíveis no pote maior (e custam R$ 40,90).
A ideia é chegar, no segundo semestre, ao Rio de Janeiro, onde a rede Hortifruti (dona da marca Natural da Terra) tem forte presença.
Nesse ritmo, e com a expectativa de desembarcar no Rio a tempo de pegar o verão, a Yamo prevê fechar seu primeiro ano faturando 2,5 milhões de reais.
Além de chegar a mais estabelecimentos e a outras cidades do Sudeste, a Yamo planeja lançar ainda no primeiro semestre versões em picolé de todos os seus sabores; para o inverno também está previsto um bombom de sorvete.
“Percebemos que nos clubes e nos postos de gasolina, onde estamos testando nossos produtos em Uberlândia, as pessoas não compram sorvete de massa, preferem o picolé ou esses bombonzinhos.”
Hoje, segundo Fabio, a Yamo tem três engenheiros trabalhando com inteligência artificial em um laboratório em Uberlândia para desenvolver novos produtos à base de inhame.
“Queremos ter uma bebida pronta para criança, iogurtes e snacks. Hoje existem chips de mandioca e de batata-doce. Por que não de inhame? Já temos conversas em andamento sobre um whey protein”
O intuito é popularizar o tubérculo. Fabio já registrou até um slogan saboroso: Inhame is the new tapioca.
“Quinze anos atrás, ninguém comia tapioca; hoje, é um dos produtos mais disseminados do Brasil e de exportação. À medida que o inhame for reconhecido como superfood por aqui, mais forte será a nossa marca.”
Nem carne, nem planta. Thiago de Azevedo era o churrasqueiro da turma de amigos, até virar vegano. Em busca de uma alimentação mais saudável (e sustentável), ele criou a marca de enlatados e congelados à base de cogumelos.
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