Com o distanciamento social, muita gente precisou encarar, pela primeira vez na vida, a missão de fazer a faxina da casa.
Não bastasse o trabalho que dá (lembre-se disso quando a sua empregada voltar ao batente…), a função da limpeza ainda ganhou um peso psicológico a mais pelo medo do coronavírus e a necessidade de higienizar as compras do supermercado.
Na ativa há dois anos, a Yvy vende produtos de limpeza concentrados, com uma pegada mais ecológica, à base de terpenos e embalados em cápsulas recicláveis (que a empresa recolhe e reaproveita, num esquema de logística reversa). Segundo Marcelo Ebert, cofundador e CEO:
“A Yvy nasceu de uma inquietude ao ver que o que o mercado oferece não faz o menor sentido: os ingredientes são sintéticos, as embalagens são de uso único e a experiência de compra é muito difícil”
Em relação à “experiência de compra”, a startup se diferencia pela venda recorrente, por assinatura. A praticidade do delivery ganha pontos em tempos de Covid-19. Por enquanto, são apenas 2 500 assinantes, mas o número já dobrou desde o começo da pandemia, segundo o sócio.
A expectativa é fechar o ano faturando 4 milhões de reais. O potencial para crescer parece grande. O setor movimenta 20 bilhões de reais no Brasil, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (Abipla).
PARA EMPREENDER, OS SÓCIOS MIRARAM NOVAS TENDÊNCIAS DE CONSUMO
Marcelo e o cofundador José Luiz Majolo vieram do mercado financeiro. Os dois se conheciam há 20 anos, quando trabalhavam juntos no ABN AMRO Bank.
Em 2007, José Luiz deixou o setor para empreender a TerpenOil, que vende produtos de limpeza com ativos naturais para indústrias, shoppings, hospitais, escolas etc. Quatro anos depois, Marcelo se juntou à empreitada.
Os dez anos de experiência no B2B e os aprendizados no segmento de “limpeza natural” (o principal componente dos produtos é o terpeno, substância orgânica presente em vegetais) convenceram os sócios a apostar na venda final ao cliente, ou Direct To Consumer.
“Nos Estados Unidos, o Green Cleaning é mais ou menos 20% do mercado. No Brasil, em termos de ingredientes, há algumas marcas que trabalham com a proposta natural, mas também existe muito Green Washing”
Eles acompanharam três comportamentos em alta para desenvolver a nova empresa: consumo consciente (já adotado por categorias como cosméticos e alimentação), redução do uso de plástico e a questão da comodidade.
Segundo Marcelo, os produtos de limpeza com “fórmulas naturais” disponíveis hoje no mercado brasileiro não competem nos outros dois pilares da Yvy: embalagem inovadora e sistema de assinatura.
NÃO É CAFÉ, MAS VEM EM CÁPSULAS (E O DELIVERY EMITE MENOS CO2)
A dupla investiu 3 milhões de reais no novo negócio. O nome da empresa pipocou num processo de branding, com a ajuda de especialistas:
“Queríamos um nome curto e que ajudasse a explicar o que fazemos. Yvy quer dizer ‘terra’ em tupi-garani. Além disso, é um palíndromo, o que passa a ideia de circularidade da marca, com seus ingredientes, a questão das cápsulas e a logística reversa”
Mas por que cápsulas? O formato foi escolhido como embalagem por algumas vantagens.
A primeira seria reduzir em dois terços a quantidade de plástico usada pelos clientes quando se compara o volume gerado pelos galões e potes das marcas convencionais.
Com conteúdo concentrado, cada cápsula da Yvy, de 40 mililitros, deve ser diluída em meio litro de água, gerando um rendimento de 540 ml do produto de limpeza.
“A Yvy não leva água para ‘passear’. Nossa tese é de que todo mundo tem torneira para encher nossos borrifadores”, diz Marcelo.
Por serem menores do que embalagens convencionais, as cápsulas barateiam o delivery — e tornam a entrega ambientalmente mais amigável. “A gente reduz em 94% a emissão de CO2 no transporte.”
Quanto à logística reversa, a cada três meses o cliente pode acionar o SAC da empresa por email, pedindo um voucher dos Correios para o envio gratuito das cápsulas de volta para a empresa.
HÁ PLANOS DE ASSINATURA PARA CASAS COM POUCOS OU MUITOS MORADORES
São só cinco produtos: um multiuso, um lava-louça, um lava roupa, um desengordurante e um desinfetante (segundo os sócios, é o único do mercado com formulação natural aprovado pela Anvisa).
Esse portfólio enxuto não é à toa, diz Marcelo:
“Seria incoerência nossa oferecer mais do que isso — do ponto de vista químico, é o suficiente para uma limpeza. No mercado há muito mais produtos porque as nossas concorrentes têm mentes brilhantes de marketing”
As cápsulas são vendidas em kits de assinatura. O mais barato, com nove cápsulas (quantidade para a faxina de uma casa com um morador), custa 62,89 reais por mês. O mais caro inclui 28 cápsulas e sai por 144,30 reais. Com essa quantidade, diz Marcelo, dá pra faxinar uma casa cheia, com crianças e pets.
Cada kit vem com borrifadores: a ideia é que você dilua o produto com água e use o acessório para facilitar a limpeza (ou claro, se preferir é só diluir no balde e utilizar o esfregão).
Em relação ao preço, o CEO afirma que a Yvy nunca quis ser um negócio nichado “para vender só em bairros mais chiques das metrópoles”. O price point, diz, segue os valores de marcas líderes de mercado na categoria de produtos sintéticos.
“Se compararmos com as poucas marcas naturais que existem por aí, somos muito mais baratos.”
CONVENCENDO CLIENTES A COMPRAR PRODUTOS DE LIMPEZA NO ONLINE
Os produtos da Yvy são vendidos pela internet no site da empresa. Para divulgar a marca num segmento que funciona basicamente no offline, com compras em vendinhas e supermercados, os sócios recorreram a influenciadores digitais, mas também apostaram no “corpo a corpo”:
“Começamos a bater ponto em feiras como a Mercado Manual, Rosenbaum e a Jardim Secreto, em São Paulo, onde estivemos frente a frente com o cliente para apresentar nossos produtos. Mesmo com a venda presencial, todo o processo era feito com tablets ou no celular do consumidor, para apresentar o nosso conceito”
Um trunfo em prol da compra online seria, claro, a comodidade. “Eu diria que a grande maioria da população não tem muita vontade de ir ao supermercado no sábado de manhã para comprar produto de limpeza”, diz Marcelo. “As pessoas compram porque precisam.”
Ao assinar a Yvy, afirma, o consumidor pode “esquecer” de colocar os produtos a lista do supermercado — já que a caixinha com as cápsulas será entregue mensalmente, economizando esforço e espaço em casa.
A YVY OUVIU EMPREGADAS DOMÉSTICAS SOBRE O USO DE PRODUTOS SINTÉTICOS
Marcelo atribui o crescimento da Yvy durante a Covid-19 justamente ao fato de que os consumidores dispensaram a empregada e assumiram a faxina, optando então por usar um produto de melhor qualidade, que não agride o planeta — e nem a pele.
Mas a “pergunta que não quer calar” é: por que não oferecer as mesmas condições para as faxineiras e diaristas?
A Yvy resolveu ouvir essas profissionais. Em parceria com a antropóloga Carol Delgado, o Projeto Arrastão, o Allma Hub Criativo e a Agência Solano Trindade, a empresa ajudou a formar pesquisadores que foram a campo entrevistar “suas avós, mães, tias e vizinhas” — mulheres que vivem no Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo, e trabalham como domésticas nos “bairros nobres” da capital.
“Ouvimos as histórias tristes dessas pessoas por trabalharem com produtos sintéticos. As mãos delas muitas vezes ‘acabadas’ pelo uso de química…. A pessoa parece que tem 30 anos a mais [de idade] se você olhar só para a mão”
Dessa pesquisa, a Yvy lançou uma campanha no YouTube com sete vídeos em que essas profissionais contam como gostariam de ser chamadas, como é utilizar produtos de limpeza, o que pensam do futuro…
AS CÁPSULAS DA YVY FORAM PARAR NOS EUA (ONDE JÁ EXISTE UMA FILIAL)
O futuro da Yvy não se resume ao Brasil. E nem o presente.
A ideia de internacionalizar a empresa se deu de forma quase despretensiosa. Rodrigo Tostes, ex-CEO da VLT Carioca (concessionária que administra o Veículo Leve sobre Trilhos), embarcou para um sabático nos Estados Unidos; antes, pediu a Marcelo, amigo de infância, algumas cápsulas da Yvy.
A ideia era ver se atraía investidores. Uma coisa levou à outra e a Yvy acabou ingressando na SKU, aceleradora texana com foco em startups de consumer products — ou seja, produtos destinados ao consumidor final.
“Ganhamos networking no mercado americano e começamos, em abril, a vender lá com a Yvy Naturals”, diz Marcelo. Baseado em San Francisco, Rodrigo é o CEO da filial estadunidense. O portfólio lá conta com quatro kits de assinatura (23,99 dólares mensais cada).
Enquanto isso, no Brasil, a Yvy planeja captar até 10 milhões de reais para alavancar o crescimento. Marcelo diz que mais concorrência seria até bem-vinda:
“É importante que haja outras marcas nos ajudando a desfazer o preconceito de que produtos naturais não limpam, custam caro e não têm escala. Ainda mais num mercado dominado por quatro gigantes globais, com produtos usados desde a época dos nossos bisavós…”
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