“Abandonei minha carreira no BID para abrir uma torrefação de café em Minas Gerais”

Juliana Ganan - 12 out 2018
Juliana acabou voltando às origens — e sentindo na carne a "úlcera" que é abrir um negócio no Brasil.
Juliana Ganan - 12 out 2018
COMPARTILHE

 

por Juliana Ganan

Já tomei muito café ruim na vida. A minha micro torrefação Tocaya Torradores de Café nasceu de um desejo íntimo que eu tinha de trabalhar com o que sempre foi o ganha pão da minha família: o café. No entanto, incrivelmente, até eu morar fora do país, ocasião em que conheci os cafés especiais e suas qualidades, eu tomava muito dessa bebida ruim por aqui.

Um dia, vi o nome de um amigo do meu pai em uma embalagem de café em uma cafeteria que costumava frequentar quando estudava na New York University e pensei: “Por que eu, que morava a 40 minutos da propriedade dele, nunca tomei seu café, e as pessoas aqui nos Estados Unidos estão tomando?”.

Decidi que iria trabalhar trazendo café de qualidade para mais pessoas — talvez quando me aposentasse… Enquanto isso, fazia vários cursos, provas e ia a palestras de pessoas que admirava nessa área. Os cafés especiais tinham um universo paralelo que me encantava.

Nessa época, eu trabalhava no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e jamais imaginaria que teria coragem de abandonar tudo para voltar à minha cidade torrar café

Detalhe: minha mãe ainda não se conforma com essa decisão até hoje. Eventualmente, circunstâncias da vida me mostraram que não havia porque adiar esse sonho, com ou sem aprovação de terceiros. Depois de muito ensaiar, tomei coragem e pedi demissão. Minha chefe na época, “não aceitou” minha decisão e pediu que eu trabalhasse, mesmo que remotamente, do Brasil, até as coisas começarem a acontecer no ramo do café.

Mal sabia eu que ela estava me fazendo um grande favor. Com meu salário e trabalhando em meu país, consegui financiar a reforma do cômodo em que aconteceria a torrefação (ironia do destino, ao lado de onde foi um dia a torrefação de café comercial do meu falecido pai).

A ideia inicial era trabalhar com café, fosse como fosse. E acabou sendo em Itajubá (MG), onde consegui fazer tudo sem precisar de empréstimos bancários. Ali, na cidade em que nasci e cresci, mas da onde tinha saído há muitos anos. Essa localização me deixou muito mais próxima dos produtores de cafés especiais, de possíveis parceiros e diminuiu meus custos logísticos.

Então, vieram os desafios.

Levantar o negócio e botar para funcionar foi um verdadeiro pesadelo logístico, burocrático, funcional

Sei que não teria cabimento eu exigir a eficiência americana no interior de Minas, mas ainda assim, não me conformava que um negócio tão pequenino gerasse tanta dor de cabeça burocrática.

Ainda teriam desafios maiores por vir… Tive problemas logo de início com o maquinário (importado e caríssimo), o que gerou um grande desânimo. Quando as vendas começavam a alavancar, eu ficava refém do desempenho da máquina.

Quando tudo parecia em ordem, veio o maior desafio: uma empresa que já detinha os direitos da marca nos enviou uma notificação extrajudicial para que cessássemos o uso

Foi um sufoco que não desejo a ninguém. Comecei a pensar em um novo nome e encomendar nossas novas embalagens, material visual, reformular o site etc. Tudo isso pagando advogados para lidar com a situação, visto que já nos procuraram judicialmente, sem chance de conversa direta. Registramos um novo nome, fizemos um novo design e comunicação visual e, quatro dias antes do lançamento da nova marca, recebi uma ação judicial que me deixou de cabelo em pé. E doente.

Prova de grãos realizada na torrefação de Juliana.

Ganhei uma úlcera nervosa e ficamos alguns dias com o site fora do ar, perdendo vendas. Tudo parecia ruim. Entramos em um acordo e tive que tirar do caixa da empresa uma quantia pesadíssima para o tamanho da nossa operação. Por isso, eis uma dica: nunca deixem de efetuar o pedido de registro da marca da sua empresa com um advogado especializado, faça mesmo uma busca incansável.

No nosso caso, a outra empresa não tinha nenhum registro online do nome similar ao nosso, o que dificultou ainda mais a busca. Dou esse conselho a todos os empreendedores que conheço em relação a este assunto, pois não quero que ninguém passe por isso.

Depois do susto (a úlcera permanece), as coisas melhoraram. Recebemos muito carinho dos clientes e seguidores de mídias sociais e as vendas começaram a aumentar. Parece que a minha empresa estava precisando mesmo de uma repaginada e o novo “branding” veio com tudo, mais forte que o antigo. Mantivemos o logotipo anterior mas trocamos o nome, além de lançar produtos novos. Tudo isso, em conjunto, serviu para dar uma nova cara para a torrefação, que hoje é vista como engajada em qualidade e realmente conectada com os produtores aqui da região.

Às vezes um desafio vem para entendermos que precisávamos passar por aquilo. Saímos melhores e mais fortes dele. Foi uma lição aprendida para toda a vida

Tenho muita alegria de ver meu negócio hoje mais forte e mais experiente, depois de todos esses percalços. Vejo que nascemos para ser a Tocaya (que quer dizer “xará”, em espanhol). Somos xará daquela empresa que começou, porém mais fortes e corajosos. E que venham mais e mais alegrias — e desafios.

 

Juliana Ganan, 36, é engenheira agrícola e mestre em Relações Internacionais pela New York University. Trabalhava no BID, em Washington, e agora é fundadora e torradora de cafés especiais da Tocaya Torradores de Café.

COMPARTILHE

Confira Também: