Esta poderia ser mais uma história tradicional de superação sobre alguém que enfrentou adversidades e deu a volta por cima. Mas, muito mais que isso, a de Bruno Mahfuz e o Guiaderodas é sobre como transformar experiências de vida em evoluções para todos. Bruno tem 33 anos, é formado em administração e cadeirante desde os 17, quando sofreu um acidente de carro. Ele é o fundador do Guiaderodas, um aplicativo que informa sobre a acessibilidade dos lugares, mas que também é uma consultoria para ajudar empresas a tornarem seus ambientes mais acessíveis.
Em pouco mais de um ano de existência, o negócio foi reconhecido pela ONU como “Melhor Inovação Inclusiva no Mundo”, no World Summit Awards 2016. Segundo Bruno, seu app já foi utilizado em mais de 900 cidades no mundo. O crescimento aconteceu de forma orgânica, ele diz, embora tenha sido impulsionado pela atenção que recebeu da mídia após o prêmio da ONU.
O Guiaderodas se divide em um aplicativo e em uma consultoria. O app é uma espécie de Foursquare ou Yelp! voltado para a inclusão. Qualquer usuário cadastrado pode, em apenas alguns minutos, responder perguntas sobre acessibilidade de determinado lugar. Assim, quando alguém for até lá, poderá saber de antemão o quão acessível o ambiente é ou não. Bruno fala de um tipo de frustração que muitos talvez desconheçam:
“É muito ruim ir a um compromisso e ter que voltar para casa porque o local, seja um restaurante, um cinema ou qualquer outro, não está preparado para te receber”
O serviço do app é gratuito. A receita vem da consultoria que Bruno presta a empresas que pretendem tornar seus ambientes mais inclusivos. Nesses casos, o Guiaderodas aciona um time de arquitetos, especialistas e, claro, pessoas com demandas específicas de locomoção para pensar e propor soluções que tornem o ambiente o mais acessível possível para todos. Com isso, oferecem uma qualificação especial que funciona também como aval de aprovação.
UM APP QUE VIROU CONSULTORIA PARA EXPANDIR SEU SERVIÇO
A consultoria é dividida em quatro etapas. Na primeira, tudo é avaliado de acordo com as normas técnicas e leis referentes à acessibilidade, como a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Na segunda fase, o ambiente é testado por pessoas com restrição de mobilidade, que irão circular e avaliar tudo. “Muitos detalhes são filtrados nessa fase”, diz Bruno. Algumas vezes há, por exemplo, banheiros especiais, mas que são inacessíveis por conta de algum obstáculo. Ou então o pé da mesa não permite o cadeirante se aproximar o suficiente. Tudo isso é percebido por testes e pela análise dos arquitetos.
Na sequência, o Guiaderodas oferece treinamento para os funcionários do estabelecimento e os orienta as melhores formas de conseguir dar atenção e atendimento para todos, da forma mais inclusiva possível. Por fim, o local recebe o selo de qualificação.
A ideia de ter um aplicativo funcionando junto com a consultoria é atingir diferentes setores da sociedade. “O app atinge a base da pirâmide. É um dos nossos instrumentos de conscientização que gera relacionamento com a audiência que se importa com o tema”, afirma o fundador. Já o selo atinge o topo da pirâmide visando “empresas e edificações que têm um zelo extra para a questão da acessibilidade. Mas ambos visam conscientização e se encontram no objetivo de proporcionar uma vida mais autônoma e inclusiva”, conta.
Tanto os valores quanto o tempo para a análise de cada caso encomendado à consultoria variam muito e, por isso, Bruno não consegue determinar uma média. Entre os lugares que receberam a consultoria e o selo Guiaderodas estão o Allianz Parque, a sede matriz do banco Santander, e os prédios da EZ Towers, todos na capital paulista.
COMO A VIDA DE BRUNO MUDOU
Bruno era um estudante do Ensino Médio prestes a fazer a prova do vestibular quando o carro em que estava se chocou com um ônibus. No início, ele sequer conseguia ficar sentado. Nos primeiros três anos seu tempo era todo voltado à fisioterapia. Até hoje, 16 anos depois, ele faz fisioterapia para recuperar movimentos.
A mudança, obviamente, o ensinou muito. Bruno viu como faltava acessibilidade em universidades, empresas e no espaço público. As condições, no entanto, nunca o deixaram realmente parado. Ele fala sobre isso:
“Jamais me coloquei em uma situação diferente por causa da minha condição. Ser cadeirante é apenas o meu desafio. Cada um tem o seu. No Guiaderodas não vemos a acessibilidade com dó, mas sim como qualquer outro desafio da vida”
Da universidade em diante trabalhou no Citibank, na Microsoft, em bancos de investimento e empresas de marketing esportivo. Mas o bichinho do empreendedorismo já estava por lá. “Eu tinha muita vontade de transformar minha vivência em algo para promover acessibilidade”, diz.
Foi quando, no início de 2016, juntou-se à sua irmã, Bianca Mahfuz, e a João Barguil, diretor de tecnologia, para desenvolver o Guiaderodas. “No começo não sabíamos exatamente a forma, só que queríamos promover algo para compartilhar informações sobre inclusão”, conta. Pensaram em blog, páginas específicas etc. Foram estudando possibilidades até que viram no aplicativo uma forma de escalar e atingir o número maior de pessoas. “Tão grande quanto a falta de acessibilidade é a falta de informação”, comenta. Nesta fase, ele e os sócios investiram 400 mil reais, de recursos próprios, no negócio.
A DIFÍCIL MISSÃO DE CONVENCER AS PESSOAS DE UM BENEFÍCIO COMUM
Ele conta que cerca de 70% dos usuários do aplicativo não são deficientes físicos. A proposta de Bruno é que todos os cidadãos compartilhem informações e se preocupem com a inclusão. “Nossa ideia para tudo o que fazemos é mostrar que a acessibilidade beneficia a todos e deve ser vista como um diferencial competitivo e um exercício contínuo. Muitos ainda têm a percepção de que esse assunto é chato, burocrático, oneroso e que beneficia apenas uma pequena parcela da sociedade”, diz.
Por isso, desde o início a campanha do Guiaderodas tem o mote de que “uma ideia é boa, quando é boa para todos”. Afinal, em um país no qual ao menos 45,6 milhões de pessoas têm alguma deficiência (Censo 2010), a falta de inclusão também pode representar a perca de oportunidades para negócios.
“Queremos desconstruir a percepção que muita gente tem de que acessibilidade é um assunto de alguns. Todos um dia já precisaram, precisam ou precisarão de acessibilidade, seja por um evento provisório ou por uma condição permanente. Um ambiente acessível beneficia a todos”, diz Bruno, lembrando que acessibilidade é importante também para idosos, grávidas, crianças ou qualquer pessoa que em algum momento quebrar a perna, por exemplo.
A comunicação tem sido o maior desafio do Guiaderodas, segundo o fundador. Ele diz que não houve grandes problemas com a empresa até o momento, mas tem sido delicado trabalhar a mensagem. “Queremos enfatizar a importância do tema sempre enaltecendo virtudes em vez de apontar defeitos. Essa tarefa muitas vezes é difícil diante de um cenário com tanto por fazer.”
Um dos momentos altos da trajetória empreendedora de Bruno, no entanto, veio da inesperada premiação da ONU. Em 2016 o app venceu tanto a etapa nacional quanto internacional promovida pela organização, a World Summit Awards, na categoria “Melhor Solução Digital Inclusiva”. No páreo estavam 451 projetos de 178 países. “A gente mal esperava vencer a nacional”, conta Bruno. Ele diz que o prêmio lhe deu um ânimo extra para continuar. “De fato, há muita coisa a ser feita e isso reforça que estamos no caminho certo.”
E tem funcionado. Segundo ele, todo o investimento feito na empresa já retornou e ela opera no azul. Já há uma série de locais negociando para receber a consultoria e serviços sendo desenvolvidos para ampliar a possibilidade de aumentar a inclusão usando a tecnologia.
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