Quando Adriana Alcântara cursou Artes Cênicas e Direção de Atores, no Lee Strasberg Theatre Institute, em Nova York, sua intenção não era fazer uma transição radical de carreira.
A hoje diretora-geral da Audible — plataforma de streaming de audiobooks da Amazon — no Brasil tampouco pensou que as habilidades adquiridas naquela época poderiam ajudar na sua jornada como executiva em diversas empresas como a rede de televisão paga MSNBC, o antigo conglomerado de mídia estadunidense Viacom e a multinacional de mídia de massa americana e entretenimento WarnerMedia. Adriana afirma:
“Seria uma história muito bonita de contar, mas, na realidade, eu não decidi fazer o curso pensando de forma estratégica como ele me ajudaria profissionalmente. Minha motivação era conciliar, na minha rotina, um lado mais prático, que é o meu trabalho, e a minha paixão por essa arte”
Apesar do curso não ter sido feito com uma finalidade utilitarista, a verdade é que ele acabou tendo um impacto positivo na sua jornada como executiva.
Muito do que Adriana aprendeu na sala de aula, nos palcos e atrás das câmeras — sim, ela já atuou profissionalmente no teatro e na televisão, como na minissérie Chiquinha Gonzaga, da Globo — tem aplicação prática no seu dia a dia corporativo. Desde a desenvoltura em apresentações até a capacidade de fazer uma leitura das pessoas, as competências adquiridas pela profissional naquela época a ajudam até hoje em diferentes situações.
Uma dessas competências, aliás, tem a ver com o lançamento do seu segundo livro, previsto para março de 2025. Intitulado Conexões, ele terá uma versão em texto e, como não poderia deixar de ser, em áudio. “A minha chefe é a maior apoiadora para que eu pegue duas horas por dia durante duas ou três semanas para ficar dentro de um estúdio, gravando um livro que vai estar na Audible”, diz Adriana.
Em algum grau, esse projeto acaba sendo um símbolo dessa combinação harmônica entre mundos aparentemente inconciliáveis. Se, de um lado, o livro trata de temas corporativos como networking, de outro, ele demanda aquele conjunto de habilidades para narrar a história, como a entonação, o ritmo e a melodia que só um verdadeiro artista sabe dar às palavras.
É sobre essa mistura da arte com a vida, sobre uma trajetória profissional com múltiplos papéis e sobre o crescente mercado de audiolivro no Brasil que Adriana Alcântara conversou com o Draft:
Como surgiu o seu interesse pelas artes cênicas e audiovisuais?
A paixão especificamente pelo teatro vem desde menina. Meu padrasto e minha mãe levavam meus irmãos e eu todo final de semana para ver peças, não aquelas super produções musicais de hoje em dia, mas aquelas mais simples de teatro infantil mesmo. Para mim, tudo era muito mágico, as pessoas ali, na sua frente, contando uma história. Eu amava!
Então, cresci vendo isso e, em paralelo, meus irmãos e eu fizemos comerciais quando éramos crianças. Minha mãe ficou muito próxima do pessoal da Casablanca, que na época era [uma produtora e distribuidora de conteúdo audiovisual] bem pequena, e eles gravavam comerciais dentro da minha casa. Ali, eu via uma segunda magia acontecer: a de ver algo sendo gravado e, depois, virar uma coisa diferente que aparecia na televisão.
Imagino que toda essa experiência influenciou, de alguma forma, as suas escolhas de formações e especializações…
Aquele meio me seduzia bastante, mas quando chegou na época de fazer faculdade, investir nessa área não pareceu uma decisão muito responsável.
Venho de uma família mais conservadora, ninguém é artista, escritor ou alguma profissão parecida. Eu tenho mãe advogada e pai na área de Construção Civil, então, aquela magia do teatro e da televisão ficava um pouco distante.
Aí, eu fui fazer Marketing e Publicidade muito com foco de trabalhar com televisão. Então, eu me via no primeiro momento sendo diretora de comerciais, era o que chegava mais perto.
Só que quando fui na Casablanca procurar estágio, na época eles estavam fazendo produções independentes de televisão e aí, eu pensei “opa, acho que é isso o que eu quero”. Ali, começou a minha carreira nesse lado de produção de TV
Depois, fiz um mestrado em Arts in Business Administration, na New York Film Academy (NYU), que ancorou um pouco mais a minha carreira como executiva. Quando terminei, fui fazer o curso de Artes Cênicas e Direção de Atores, no Lee Strasberg Theatre Institute, também em Nova York.
Então, sempre fui juntando essas duas coisas, embora nunca tenha olhado para isso estrategicamente, com um plano de carreira pensando em como aplicar esse lado mais artístico na função corporativa. Só que, no final das contas, me ajudou e me ajuda muito.
Você trabalhou como produtora sênior na MSNBC. Como foi a experiência de atuar no mercado estadunidense?
Trabalhar nos Estados Unidos me deu um diferencial bem importante porque pude vivenciar uma cultura de trabalho diferente. Embora eu tenha atuado em muitas multinacionais, eu sempre estava na divisão América Latina — e na MSNBC [ao contrário] eu fazia parte da equipe local mesmo. Eu brinco que era a única pessoa do andar com sotaque!
E isso de estar rodeada apenas de americanos me deu uma visão de como é o mercado corporativo real dos Estados Unidos — que é muito diferente do mercado latino
A dinâmica de reunião, por exemplo, é muito mais “direta”. Enquanto em uma reunião no Brasil, México, Argentina etc. tem aquilo de perguntar como foi o fim de semana, falar do filho que ficou gripado — enfim, compartilhar um pouco o lado pessoal —, o americano, não. Ele entra, apresenta os pontos, discute, toma decisão e acabou. Todo mundo sai e vai para a próxima reunião: fim.
Com isso, acaba que a construção de relacionamentos pessoais no trabalho fica mais restrita a uma happy hour, por exemplo. E nós [no Brasil] temos um pouco dessa expectativa de proximidade, o povo latino gosta de estar junto — mas o americano não costuma ter isso. Na hora do almoço, é muito comum ver as pessoas comendo na própria mesa do trabalho, não tem aquilo de sentar com os colegas, perguntar quem trouxe marmita e comer junto.
Essa cultura de trabalho pode ser muito desafiadora para quem, como nós, gosta de chegar no escritório e dar bom dia, contar como foi o fim de semana, se relacionar…
Por conta dessa experiência, acredito que eu consiga ser uma boa “tradutora cultural” do que é trabalhar aqui e do que é trabalhar lá, o que ajuda muito em momentos como esse da Audible, em que tenho a operação de uma empresa americana no Brasil.
Nessa época nos Estados Unidos, além do seu trabalho na MSNBC, você também atuou no Brasil, só que como atriz, certo? Como foi conciliar as duas rotinas?
Eu já tinha feito algumas novelas antes de ir para Nova York por conta do mestrado, como Colégio Brasil, no SBT, com o diretor Roberto Talma; uma peça infantil no Teatro Ruth Escobar chamada A Pedra Mágica; e o musical Pocket Broadway no teatro que, na época, se chamava Palladium.
Aí, quando eu estava em Nova York trabalhando e fazendo o mestrado, fui convidada para fazer “Chiquinha Gonzaga”. Era uma minissérie dividida em duas fases, uma com a Gabriela Duarte e a outra com a Regina Duarte [interpretando a protagonista em diferentes fases] — e a gravação dessa segunda fase caía exatamente ali nas férias de Natal e Ano Novo. Então, vim para o Brasil, gravei e voltei para Nova York para terminar o mestrado.
Depois que voltei para o Brasil, também gravei um seriado em paralelo com o meu outro trabalho. Na época, eu estava na Viacom como responsável pela implementação da Nickelodeon no Brasil e gravei a Turma do Gueto para a Record, levando as duas funções ao mesmo tempo.
Como essa outra atividade como atriz era percebida no meio corporativo? Isso gerou algum tipo de atrito?
Não, pelo contrário. Eu acho que as pessoas têm um lado B: o nosso CEO [na Audible], por exemplo, é músico. Mas o que acontece, às vezes, é que faz um pouco parte da persona do executivo passar a impressão de que ele “só” faz aquilo, só se ocupa da vida corporativa…
Muitas vezes, as pessoas podem pensar que o lado B levado um pouco mais a sério possa ser visto como uma falta de foco, que você vai pegar uma parte do seu tempo e fazer outra coisa. Isso pode gerar uma estranheza — mas acho que tem melhorado muito.
Eu vejo as pessoas compartilhando mais sobre esse lado B no LinkedIn, até executivas mulheres colocando no seu perfil que é CMO e também mãe da fulana e da sicrana. Mas acho que isso é uma tendência nova, se olharmos 20 anos atrás, você não via isso com frequência
No meu caso, eu tenho a vantagem desse mundo artístico estar muito próximo das funções que exerci e exerço ainda hoje. Venho de uma carreira na qual boa parte dela se deu em TV por assinatura — e, naquele mundo, você estava sempre gravando com um ator, lendo um roteiro, olhando uma história que era um livro, que virou uma peça e que ia virar um filme ou uma série… Então, o meu lado B sempre foi visto como uma coisa complementar bacana.
Um bom exemplo disso tem a ver com o livro que eu lanço no ano que vem sobre autodesenvolvimento e o poder das conexões. Ele é autobiográfico, então, conto sobre erros e acertos ao longo da minha carreira. E, conversando com a minha chefe sobre a versão dele em áudio, ela insistiu para que eu fizesse a narração.
Eu argumentei dizendo que é muito tempo de gravação, que eu precisaria estar no estúdio durante o dia… e ela disse que não teria problema. A minha chefe é a maior apoiadora para que eu pegue duas horas por dia durante duas ou três semanas para ficar dentro de um estúdio gravando
Isso demonstra que a Audible e as demais empresas nas quais trabalhei valorizam e incentivam esse lado B.
Sobre o livro, você poderia adiantar um erro que será descrito lá?
Eu brinco que a coisa mais estratégica e pensada que fiz foi também a que deu mais errada no curto prazo: a minha volta ao Brasil.
Foi uma decisão prática e bastante estratégica levando em consideração o fato de que, na MSNBC, eu me via como a única pessoa com sotaque do andar do prédio, não via ninguém de fora… e isso, aos poucos, me fez refletir sobre a minha perspectiva de futuro lá.
Meu raciocínio foi: no Brasil, meu currículo terá mais relevância, será super atraente para empresas internacionais por conta dessa experiência, enquanto que, nos Estados Unidos, o caminho para cima será muito mais árduo porque eu já saio com uma desvantagem de não ser uma nativa.
Só que quando cheguei aqui em 2001, o mercado não estava aquecido e foi bem difícil a minha recolocação. E, aí, fiquei bastante tempo procurando trabalho, indo na contramão do momento do mercado com as empresas reduzindo seus quadros de funcionários
E também teve o fato de que, como fiz o mestrado muito nova, as pessoas olhavam aquele diploma e davam uma “assustada”, assumindo que eu queria uma coisa muito grande, tinha uma pretensão de cargo e salário maior do que a vaga oferecia — e não era o caso. Tanto é que quando eu me coloquei no mercado, foi quando eu tirei o mestrado do currículo.
Fui para uma entrevista e a executiva me perguntou como eu tinha arrumado visto para trabalhar em Nova York. Expliquei que fiz mestrado e que isso me deu um ano de practical training, depois a MSNBC renovou meu visto como visto de trabalho. E aí ela falou “mas seu mestrado não está no currículo”, no que eu perguntei se estaríamos conversando se ele estivesse e a resposta foi “não” porque, de novo, era aquela questão da vaga não ser “tão grande”…
Mas depois que eu consegui entrar no mercado de trabalho no Brasil, pude colocar meu mestrado de volta!
De lá pra cá, você atuou em diversas empresas de mídia e de TV por assinatura até chegar na Audible em 2022. Como foi o convite para assumir a operação no Brasil?
Eu não conhecia a empresa nem tinha o hábito de consumir audiolivros. Na verdade, uma consultoria externa com a qual eu já tinha feito um processo há dez anos estava com uma vaga e me ligou dizendo que tinha um cliente buscando uma posição para liderar a operação.
Foi engraçado porque, na época, falei que eu estava perto dos 50 anos e, bem, tem aquela coisa do etarismo no mercado… Mas a pessoa me disse que tinha compartilhado o meu perfil com o cliente, que selecionou quatro candidatos e o meu era um deles.
Aceitei participar do processo e, naquele momento, eu baixei a Audible, fui pesquisar sobre a empresa — e, óbvio, me encantei com a questão da narração feita por atores. Me encantei com o projeto também porque ele envolve um aspecto de educação, que é algo que eu gosto muito: durante 14 anos, dei aula na graduação e na pós-graduação da FAAP
Então, a vaga se conectava com a minha experiência de produto digital de mídia, com o meu lado de atriz por conta da narração e tinha o meu lado como professora que se conectava com o aspecto educativo da plataforma.
E tinha também aquela habilidade que você comentou sobre conseguir traduzir a cultura do Brasil para os estadunidenses e vice-versa.
Sim, tinha essa questão de explicar como o Brasil funciona, porque eu costumo brincar que nosso país tem várias pegadinhas.
Por exemplo, quem vem de fora e olha para o nosso número de celulares fica impressionado porque o número de celulares significa o número de potenciais assinantes da Audible. Então, o Brasil seria um mercado grande, né?
Só que, aí, quando você olha um pouco mais de perto e entende que boa parte dos celulares no Brasil é pré-pago, o cenário muda. Não se trata de uma base que costuma usar esse serviço, que é mais característico do pós-pago
Também tem o caso de uma pessoa só ter vários celulares por conta daquela coisa de operadora, aquilo de poder ligar de graça para outras pessoas que têm a mesma operadora. Ou seja, por aqui o número alto de aparelhos não significa necessariamente um número alto de assinantes.
Então, esse olhar é importante para conseguir traduzir o cenário para as pessoas de fora e desmistificar esses números a fim de chegar, de fato, à realidade do mercado brasileiro.
Segundo o Mapa da Indústria de Áudio em Língua Portuguesa, da plataforma Dosdoce.com, o Brasil lidera a expansão da indústria de áudio em língua portuguesa, com produção e consumo de podcasts e audiolivros. Hoje, qual é a visão de vocês sobre o mercado de audiolivros no país?
Nós enxergamos o mercado brasileiro com um potencial enorme e isso tem se comprovado desde que lançamos o serviço em outubro do ano passado.
Acho que, de modo geral, o brasileiro é muito conectado e adota hábitos digitais de forma muito rápida. Quando você olha para a nossa relação com mídias sociais, por exemplo, o povo adota rapidamente e com vontade, vide o crescimento do Tik Tok no Brasil.
Então, nós temos esse contexto favorável e ainda outro ponto positivo que é o fato do brasileiro já ter o hábito de andar com fone no ouvido. Nós somos um dos maiores consumidores de podcasts no mundo
Se você precisa colocar o fone de ouvido nas pessoas para, daí, elas escutarem a Audible, é um desafio a mais — e com os brasileiros nós não passamos por isso. As pessoas estão no trânsito e estão com fone, na academia, no transporte público, passeando com o cachorro, lavando louça… enfim, elas estão escutando algo em diferentes situações. Com isso, a entrada e crescimento no mercado acontece mais rapidamente.
Então, a questão da Audible é muito mais como migrar essa pessoa que já está no podcast para escutar um outro tipo de conteúdo, usando tanto a questão do prazer de se consumir um livro, uma história — que é diferente da relação com o podcast —, quanto a necessidade de se ler por conta da bibliografia obrigatória de um curso, por exemplo.
Todo esse cenário já existe: as pessoas já precisam ler ou por obrigação ou por prazer, elas já estão no trânsito e já estão com o fone de ouvido. A Audible é como se fosse um ponto de junção desses fatores já existentes.
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