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“Ainda jovem, entendi que poderiam me largar em qualquer lugar do mundo, e mesmo assim eu cairia em pé e conseguiria me sustentar”

Marina Audi - 25 ago 2022
Pierre Schurmann, fundador da nuvini.
Marina Audi - 25 ago 2022
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A família Schurmann é famosa pelas longas viagens de veleiro ao redor do mundo. O primogênito Pierre, por exemplo, viveu dos 15 aos 19 anos embarcado. Até decidir que velejar pelos oceanos não bastava – ele queria navegar pelo mundo dos negócios.

Em terra firme, Pierre se descobriu como empreendedor serial. Primeiro, aprendeu a programar e fundou o Zeek!, que chegou a ser um dos maiores sites de busca do fim dos anos 1990, quando o Google nem de longe era o que é hoje. Em seguida, criou a Ideia.com, uma incubadora de negócios que ele deixou após o estouro da bolha da internet, no comecinho dos anos 2000. 

Na sequência, Pierre passou sete anos empreendendo no mercado de marketing de experiências. Até que, em 2011, ele se tornou investidor-anjo e criou a Bossa Nova Investimentos, da qual continua sócio, porém afastado do dia a dia da operação.

Hoje, aos 53 anos, Pierre Schurmann está em sua sétima empresa: a nuvini, holding fundada em 2021 com o objetivo de ser uma potência em negócios SaaS maduros e que já dão lucro (o portfólio atual tem seis empresas). 

A nuvini começou com um caixa de 100 milhões de reais para fazer M&As, dinheiro do próprio Pierre e de alguns Family offices, e está com um fundo aberto para captação de mais 400 milhões de reais.

Direto de Lauro de Freitas, cidade baiana vizinha a Salvador, onde vive há 17 anos com a família, Pierre conversou com o Draft:

 

Velejar parece exigir uma disciplina grande no cumprimento das tarefas. Isso confere? O que você aprendeu nos anos em que viveu no mar e levou para o campo profissional depois?
Sim, esse estilo de vida demanda muita disciplina, especialmente porque a gente estudou a bordo: finalizei o Ensino Médio por correspondência. 

Eu precisava ser autodidata – e disciplinado. Precisava ter iniciativa, porque naquela época não tinha internet, nada estava a dois cliques de alcance… E existia uma preocupação com segurança, o que também demandava disciplina. 

Aprendi três coisas… O primeiro [pilar de aprendizado] – que é bem importante na minha vida como CEO – foi conviver em um ambiente pequeno e, mais do que isso, em constante mudança. Quase sempre são mudanças boas, mas às vezes vem um vento e você não consegue fazer o que quer, tem de se adaptar

E a convivência era com o núcleo da família, tive de aprender a ter paciência, a respirar, porque não dá pra você sair pra dar uma volta se fica incomodado! A vida a bordo em si, já foi um aprendizado – lavar sua própria roupa… – de ser um pouco “safo”.

O segundo pilar foi… a experiência de interagir com várias culturas e religiões diferentes [ao longo das viagens] me ensinou a ser mais receptivo em relação a visões antagônicas. Isso dá uma visão de mundo maior. E isso é importante, porque quando você está fazendo negócios, interage com pessoas e é importante você entender de onde elas vêm. 

Eu não estou me referindo a carreiras profissionais, mas quais são as referências, os valores, os princípios dessas pessoas. Até para poder entender como se pode navegar e chegar numa soma das partes que faça sentido pra todo mundo. Você pode concordar ou discordar, desde que respeite as pessoas, a cultura, a empresa, enfim. 

O terceiro pilar foi: como saí do barco jovem, com 19 anos, para estudar, precisava ser autossuficiente. Saí com 200 dólares, comecei a trabalhar – aprendi a fazer verniz –, aprendi a me virar. Quatro meses depois, tinha 7 mil dólares. 

Cheguei à conclusão de que poderiam me largar em qualquer lugar do mundo que eu cairia em pé e conseguiria me sustentar. Muito jovem, tive essa certeza de autonomia, que até hoje é muito importante para mim 

Tenho feito coisas atípicas nos últimos dois negócios, em momentos difíceis, em mercados quase impossíveis. Se eu não tivesse essa crença de que consigo superar os desafios, me adaptar e modelar, ficaria muito difícil.

Como foi a decisão de sair do veleiro da família e fazer faculdade nos EUA? Foi fácil? Você teve desafios de adaptação de rotina na Flórida?
Essa primeira viagem era para durar três ou quatro anos – acabou durando dez. Quando o cronograma mudou, tive que tomar a decisão se eu queria continuar. 

Não havia pressão de meus pais para eu sair do barco e fazer faculdade, porque eles achavam a experiência de interagir com culturas diferentes muito rica. Meu irmão caçula ficou dos 5 aos 15 anos, por exemplo. Eu aprendi a ler, escrever e falar francês de forma 100% autodidata – e sei até hoje 

Então, essa escola da vida é rica também… Mas tomei a decisão de fazer faculdade nos EUA porque entendi que existia uma oportunidade no mercado americano. Eu tinha vontade de fazer, não sabia nem que eu queria empreender. 

Fiz um plano para ir para a Flórida, porque era quente e mais barato do que o norte do país, onde eu gastaria com roupas de inverno. Tive de estudar, fazer o teste [de proficiência de inglês] TOEFEL para passar em provas básicas. Eu sabia para qual faculdade ia, porque tinha um planejamento. Isso levou uns seis meses.

Quando cheguei, houve, sim, uma adaptação rápida. A maior dificuldade foi que, na época, não havia internet, celular, eu tinha de escrever cartas. Sentava e escrevia duas, três, juntava tudo e mandava pra ilha Papeete, na Polinésia Francesa, ou sei lá pra onde…  

A carta demorava 40 dias pra chegar; o barco chegava 10 ou 20 dias depois, porque a gente tinha uma estimativa de onde ele estaria. Aí meus pais liam e me respondiam. O processo demorava uns quatro meses! 

Um ano e meio depois de sair do barco, lá estava eu, de suspensórios, camisa social e terno… trabalhando.

Você começou sua a jornada profissional nos EUA como corretor no Smith Barney – hoje parte do Morgan Stanley Wealth Management. Parece que essa mudança foi mais brusca que a entrada na faculdade, certo?
Sim, foi radical. Era uma corretora grande. O que eu fazia era abrir contas – ficava no telefone, com cartões [fichas] de contato na mão. Eram ligações frias para pessoas que eu nunca tinha visto na vida. Tipo, 280 ligações para tentar gerar leads e depois ligava de volta para quem queria abrir a conta, e enviava os documentos por FedEx. 

Fui para o mercado financeiro porque tinha muita ambição. Não no sentido de ganância, mas, sim, porque queria me provar e daí descobri que sabia vender.

Em 1994, você voltou ao Brasil para organizar a expedição Magalhães Global Adventure, em que a sua família repetiria o roteiro de Fernão de Magalhães (o primeiro a dar a volta ao mundo, entre 1519 e 1522). Essa viagem durou 18 meses, foi acompanhada por milhões de pessoas e compartilhada com 1 500 escolas americanas e 280 do Brasil através de um projeto ousado – os colégios pagavam 1 200 reais de assinatura anual e recebiam todo mês material didático relacionado à viagem e relatos dos tripulantes enviados pela internet. Como essa estrutura foi idealizada? E por que você não embarcou no veleiro Aysso, quando ele finalmente zarpou, em 1997?
A família chegou ao Brasil de volta da primeira expedição de volta ao mundo em 1994. Eu vim pra cá, mas não tinha intenção de voltar para o país [para ficar]. Estava super bem morando em Boca Raton [na Flórida], casado com um filho. 

Mas aí a família chegou e foi capa da Veja, apareceu no Fantástico…. Meu pai me chamou e disse que meu irmão do meio – que hoje toca o business da família – fazia faculdade de cinema na Nova Zelândia, tinha ficado dez anos “sem trabalhar”, então precisava de alguém para ajudá-lo a estruturar e converter aquele buzz em algo. 

Concordei e decidi abraçar a causa. Aí nós – eu, minha esposa e meu primogênito – nos mudamos pra Santa Catarina para criar o planejamento da empresa Schurmann. 

Quando você olha para os outros players desse business – como Jacques Cousteau e os outros expedicionários do mundo –, percebe que é preciso fazer expedições para sustentar a marca. Então, houve um planejamento. Não foi aleatório 

Criamos um projeto com viés educacional para impactar mais gente e distribuir conteúdo; fizemos um contrato com o Fantástico, da Rede Globo; e captamos patrocínio.

Minha intenção era fazer tudo isso liderando como CEO do business da família e ir na viagem. Só que o acaso me desviou…

Nosso projeto educacional era pioneiro no Brasil – tinha um único projeto semelhante no mundo, de uma empresa americana que distribuía CD-ROM para as escolas. Ainda não havia internet disseminada.

Eu fui para Minneapolis [nos EUA] conhecer o pessoal dessa empresa, e o cara me disse que a CNN estava com um projeto de ter um canal adicional de educação – que, no fim, não saiu – e talvez topasse ter nosso conteúdo e distribuir nas escolas públicas americanas.

Mas quando fui parar na CNN, me disseram: “Esse é um bom conteúdo pra distribuir via internet”. Era 1995, diziam que a internet ia bombar…. Nessa época, o Brasil tinha [só] 18 mil usuários.

Os caras da CNN me apresentaram para a Path Finder – outra empresa de conteúdo que nem existe mais –, para Netscape e Yahoo! Quando conheci essas empresas, fui picado pelo “inseto”, pelo bug de tech startups. Percebi que aquilo seria gigante, uma oportunidade enorme. 

Aí, pesquisei para fazer o Yahoo! brasileiro. Aprendi a programar, me uni a dois sócios e assim nasceu o Zeek! que se tornou o segundo maior site de buscas do Brasil

Ele nasceu e eu estava trabalhando para os meus pais. Chegou um ponto que decidi não ir na viagem para empreender esse negócio.

Tive uma conversa complexa com meus pais. “Eu não vou na viagem, mas vou encontrar vocês em algumas etapas. Embora eu tenha feito um esforço pra captar patrocínio e organizar o projeto educacional, vou sair do dia a dia e tocar o meu site de busca.”

A fundação do site de busca Zeek! em 1997 e a venda, um ano depois, para a StarMedia foi um golpe de sorte de empreendedor de primeira viagem? Ou um golpe de mestre, de quem sabe exatamente o que está fazendo?
Foi um golpe de mestre porque fui a Nova York falar com Fernando Espuelas [criador do extinto portal StarMedia]. Vi a apresentação deles aqui, porque meu amigo Indio Brasileiro Guerra Neto era country manager deles na época. Entendi que tinha de conversar com aqueles caras, consegui marcar a reunião… e fiz uma primeira apresentação.

O golpe de sorte veio porque recebemos uma proposta [de compra]. Não basta você ir, você tem que receber uma proposta. E a proposta foi excelente, porque não era só uma aquisição: eu continuaria a fazer parte da StarMedia e trabalhar lá.

Na StarMedia, você assumiu uma cadeira que te possibilitou começar a analisar aquisições? Isso te agradou logo de cara? Foi lá que você despertou o olhar de investidor ou foi mais adiante?
Foi na StarMedia e, na época, com um viés muito mais financeiro. Tinha, claro, um componente de querer ajudar outros empreendedores – embora eu não tivesse a bagagem que tenho hoje –, mas também queria ver uma oportunidade financeira de fazer negócio. 

Sentado naquela cadeira da StarMedia, vendo vários deals acontecerem, empresas serem vendidas por valores bem malucos – bem mais malucos do que hoje! –, pensei que alguém deveria investir nessas empresas para que [outro] alguém comprasse essas empresas lá na frente. 

Fazia sentido, dada a experiência que eu tinha, ser um investidor de smart money, que trouxesse a experiência e o capital 

E aí, conversando com Bob Wollheim – que na época também trabalhava na StarMedia e tinha vendido a empresa dele para outro grupo –, a gente pensou que deveria ir pro outro lado e começar a investir e incubar empresas, porque tinha muita oportunidade legal e as pessoas não conseguiam funding e nem fazer os negócios rodarem.

Você se refere à Ideia.com, criada em 2000. Ela já era uma espécie de venture builder? Mesmo com o estouro da bolha da internet, vocês conseguiram ir adiante por dois anos. Como foi esse período?
Tinha negócios incubados – 80% deles – e negócios que a gente criou. Era um mix. A gente trazia grana, tinha um espaço físico gigante, 1 mil metros quadrados na Vila Olímpia, em São Paulo, onde as empresas ficavam e podiam ter mais trocas. Foi uma experiência interessante. 

Estamos vivendo, agora, um momento de ajuste, de correção de mercado, e as pessoas falam que é igual ao estouro da bolha. Mas não tem nada a ver! 

Por quê? Primeiro, porque agora já temos referência do que foi a bolha, há pessoas calejadas, experientes. Segundo: lá atrás, foi uma bolha porque ninguém achava que ia ter uma bolha. Se as pessoas tivessem sido mais cautelosas, não existiria bolha. Estava todo mundo all in, mergulhando, e começaram a vir as correções gigantescas. 

Com a gente aconteceram três movimentos. Primeiro, como já tínhamos captado um capital, estávamos confortáveis, não tinha uma pressão grande. O mercado foi lentamente corrigindo, em um período de dois anos. O [atentado de] 11 de setembro de 2001 foi o chute final, foi quando empurraram a vaquinha brejo abaixo. 

Antes, existia uma esperança de que ia voltar em algum momento. Aí caiu e houve uma evasão de empreendedores: em janeiro de 2000, a gente recebia, literalmente, 2 mil projetos novos por mês para analisar. Dois anos depois, só 30 por mês. Ou seja, teve pessoas que disseram: “Opa, espera aí. Isso aqui não é tão legal quanto parece ser. Vou pular fora e buscar um emprego”

Esse enxugamento do mercado foi o mais difícil porque a gente estava com capital e não conseguia investir porque não havia empresas suficientes no estágio que a gente procurava – éramos basicamente anjos que aceleravam para fazer o negócio virar. E foi frustrante ter capital e não ter gente suficiente querendo empreender 

As pessoas entenderam que o mercado de internet havia implodido e nunca mais seria o mesmo. Aí não fazia sentido a gente continuar ali, porque não havia um horizonte, perspectivas após o 11 de setembro de 2001. Não dava pra ficar só andando de lado ou em círculos. Então, cada um seguiu seu caminho. 

Entre 2002 e 2009 você criou negócios off-line na área de marketing de experiência – Conectis Experience Marketing e Experience Club. Como descobriu esse segmento? E o que de mais valioso aprendeu naqueles anos?
Quando decidi deixar a Ideia.com, queria fazer algo diferente, não queria online. Havia negócios online, mas estava todo mundo sofrendo, era literalmente um chororô, porque você tinha que fazer cortes. Resolvi dar um tempo pra esse mercado se ajeitar e fui ver outras coisas.

Isso começou porque eu tinha levado alguns amigos executivos para velejar no barco dos meus pais, no final de semana. E eles perguntaram se não dava pra fazer aquilo para trazer clientes? Começou um MVP de experiência em cima disso.

Daí uma pessoa presidente de uma seguradora grande, que hoje é um grande amigo, quis contratar dez eventos. Eu não tinha nem empresa, CNPJ…

Pensando em como fazer, vi que não dava pra ser tudo em barco a vela, porque as pessoas mareiam. Acabei me conectando com o Ricardo Natale, que já estava numa agência fazendo a parte de design. Fizemos um brainstorm e fechamos que faríamos uma experiência gourmet – o Ateliê Gourmet. 

Assim começou a Conectis, com um cliente. Ela escalou bem rápido, porque achou um filão. As pessoas que iam nos eventos – os clientes dos nossos clientes – nos chamavam para fazer [outros] eventos.

Foi totalmente ao acaso: surgiu a demanda, fui ver no que dava, e daí decidimos chamar aquilo de “marketing de experiência”, pra poder fazer balão, vela, culinária, futebol, golfe… Uma hora começamos a criar experiência para empresas como Banco do Brasil, Citroën, IBM. Aí uma coisa colou na outra… 

Porque o evento de experiência corporativo é sazonal – você começa as atividades em março e vai até final de novembro, e aí fica dezembro, janeiro e fevereiro com o taxímetro ligado, ou seja, as pessoas todas recebendo e, não necessariamente trabalhando em eventos –, você já começa o ano no negativo. Em março começa a correr atrás para chegar em junho “breakevado” e no final do ano ter o retorno. 

Pensei que deveria ter um jeito melhor de fazer aquilo. Aí, vimos o que o Grupo Doria estava fazendo lá no LIDE – Grupo de Líderes Empresariais e sugeri fazermos um clube só pra CEOs, no estilo member get member [um membro traz o outro]; não adiantaria só pagar, teria um critério. 

Esse era um business em que a gente controlava o calendário, contratava uma agência terceira – saímos de serviço para produto. No primeiro ano apanhamos, no segundo ano começou a caminhar, e daí em diante decolou bem 

Depois, demos sorte com a Conectis – um grupo de comunicação de São Paulo comprou a agência. Em 2011, eu saí do dia a dia do Experience Club, o Natale assumiu e continua firme e forte.

O que levou você a criar a Bossa Nova Investimentos em 2011 – que depois ganhou o reforço de João Kepler – e cujo foco são negócios early stage, para quem dão o primeiro cheque. O que lhe moveu nessa direção?
Quando o Experience Club escalou eu já estava com um pé na Bahia e ia para São Paulo toda segunda e voltava pra casa toda sexta-feira. Minha esposa queria ter filhos e eu decidi que queria ser o pai (risos), então eu ia precisar ficar mais tempo na Bahia. 

Fiz o acordo com o Natale de vender a minha participação pra ele. Fizemos uma transição de um ano, porque na época tínhamos patrocinadores e as coisas ainda eram muito personificadas em mim. 

Aliás, uma das coisas que aprendi foi: sempre fazer a marca forte e não me sobrepor a ela. Se você faz a marca, tem mais flexibilidade e autonomia como pessoa 

Em 2009, fiz alguns investimentos-anjo como Pessoa Física e, em 2011, montei a Bossa Nova – na época, sozinho. Tive alguns investidores, mas operacionalmente, eu estava sozinho. 

Em 2012, eu me tornei pai de gêmeos. Eu não tirei um sabático, mas fiz poucos investimentos – oito – entre 2012 e 2015. 

Paralelamente, o João já vinha fazendo os investimentos-anjo dele, ele viajava o Brasil dando palestras, e a gente “trocava figurinhas”. Existiu a vontade de somar esforços, fomos amadurecendo a ideia. Eu só não queria entrar no ritmo de ter de viajar toda semana de novo, pegar voo corrida de madrugada, porque os gêmeos eram pequenos. 

A tese da Bossa Nova sempre foi ter um portfólio grande. Em 2015, fui buscar no Vale do Silício inspiração no SVAngel e achei que dava pra fazer igual no Brasil – cheques menores e com escala. Propus ao João unirmos forças: ele lideraria toda a parte de marketing, captação de empresas, de recursos, e eu seria o investidor 

Esse foi o acordo, até porque na parte de marketing precisa estar em eventos, e eu sou mais introvertido – até faço isso, mas preferia me relacionar com os founders, dar a experiência que eu já tinha para agregar mais valor e criar a Rede Bossa. 

Juntamos o portfólio e em 2016 começamos a escalar o business, criamos os novos veículos de investimento. O primeiro veículo a gente imaginava que fosse captar em três meses. Captou em 12 dias e fizemos 76 investimentos em um semestre.

O time era composto por mim, trabalhando de casa; o João, viajando; e a Renata [Marinho], que continua na Bossa Nova fazendo todo o resto. O backoffice, o due diligence era terceirizado… tinha um alto grau de esticar a corda pra fazer o que a gente conseguiu fazer.

A partir daí geramos visibilidade e interesse da família Guimarães, do Banco BMG, e começaram a entrar os outros sócios da Bossa. 

Desde 2019, você está à frente da holding nuvini, cujo modelo é comprar startups maduras, com produtos testados, dando autonomia aos fundadores para continuarem a atuar no que sabem fazer melhor (produto, tecnologia etc.) e oferecer apoio de backoffice – finanças, governança e vendas. Como você chegou nesse modelo e o que ele tem de diferente e de parecido com a tese da Bossa Nova Investimentos?
Em fevereiro de 2019, eu caí de patinete, quebrei o fêmur e o quadril – tive de ficar um mês parado e depois mais quatro meses fazendo fisioterapia. 

Eu nunca tinha tido problema de saúde, fiquei meio reflexivo. Pensei: “Pô, na Bossa está legal, está bom, a minha relação – até hoje – com o João e demais sócios é super azeitada… Mas não é anormal eu querer fazer algo novo. Quero dar mais um sprint, tentar mais um negócio”.

E olhando o mercado de venture capital e de startups, vi como a gente teve – e está tendo – muitos “soluços”: ou o empreendedor quebra, ou ele capta, ou ele equilibra a operação

Por questões culturais, o americano quebra e fala: “Você investiu no risco, eu tomei risco, não deu certo, vamos pro próximo”. Para eles, não vale tentar fazer além de certo ponto. Nós, brasileiros, não. Podemos estar 200 pontos pra baixo, mas não desistimos

É uma questão psicológica e social daqui [do Brasil]. A Apple quase quebrou duas vezes; a Tesla quase quebrou várias outras; e outros empreendedores seriais quebraram. 

Aqui, a gente tem essa visão que criou um universo de startups rentáveis, que crescem e onde o fundador está. Mas depois de oito, nove anos, ele não tem novas perspectivas, fora tirar dividendo ou ter uma remuneração legal. Tipo, ele construiu um negócio legal, com potencial, atende uma dor, é líder de mercado, mas… falta o driver.

Os founders que temos aqui são muito focados em fazer uma solução que atenda o cliente, e o dinheiro vem como consequência. Então, temos um universo representativo de empresas que caminham, crescem… mas o founder não vai conseguir potencializar a liquidez dele, e os times que têm stock options também não tinham um horizonte claro pra isso. 

Então, comecei a pensar em montar um Search fund [veículo de investimento por meio do qual um empreendedor capta recursos de investidores para adquirir uma empresa na qual deseja assumir um papel de liderança ativo no dia a dia] para comprar uma empresa e aí depois, essa empresa potencialmente poderia comprar outras empresas.

Mas achei que o risco era muito alto, o ciclo seria muito longo, demoraria muito tempo pra levantar o fundo – e eu queria começar logo. Então, fui, de novo, buscar os modelos de mercado, vi o Constellation e falei: é isso 

A nuvini é diferente da Bossa Nova em uma série de coisas. O que a gente tem de igual é que investimos só em B2B, porque B2C demanda muito mais capital e na conjuntura de mercado atual é mais complexo de tirar do chão. Grande parte do portfólio da Bossa, 60% são de empresas SaaS. A nuvini só adquire empresas SaaS B2B, então aí tem uma similaridade.

A nuvini olha para empresas que faturam entre 10 milhões e 25 milhões de reais/ano, um estágio muito mais maduro, crescendo menos. 

Lá na Bossa, as empresas analisadas crescem quatro, cinco vezes ao ano. Aqui na nuvini, se ela crescer três vezes é muito arriscado pra gente, preferimos não comprar, porque tem um risco implícito nessa taxa de crescimento. Aqui compramos negócios que crescem em média 30% ao ano.

Está aí a nossa grande diferença para todo mundo do mercado – e que ano passado não fazia sentido, e este ano passou a fazer – nós temos empresas que dão lucro. 100% das nossas empresas geram EBITDA, porque parte do modelo da nuvini é, na linha do tempo, usar esse fluxo de caixa pra comprar mais negócios 

Então, no nosso business não fazemos turn around, não olhamos high growth, mas sim empresas que sejam consistentes e consigam gerar fluxo de caixa com bons produtos, bons posicionamentos, bons times. Gerar fluxo de caixa é fundamental pra gente continuar crescendo como holding.

A Constellation, por exemplo, nunca fez follow on, só fez IPO. Ela só usou o caixa dos negócios dela para adquirir os demais. 

O começo da nuvini veio com uma ambição de ter um grande portfólio, investir em dez empresas por ano, captar 400 milhões de reais para uma rodada de investimento em 2021, depois, fazer outras rodadas e, até 2025, abrir o capital. Isso permanece? Mesmo com os ajustes que o mercado vem sofrendo?
Como em toda startup, é importante escutar o mercado e se adaptar às mudanças, especialmente essas tão importantes que aconteceram nos últimos doze meses.

Essa rodada de 400 milhões foi parcialmente captada ano passado e reabrimos recentemente o saldo. Estamos evoluindo bem pra finalizar a captação antes do final deste ano.

E o que a gente entendeu nessas primeiras seis aquisições é que daria para fazer entre 10 e 15 aquisições/ano, mas isso teria um impacto grande no volume de captação, porque quanto mais eu acelero o crescimento orgânico, mais capital eu preciso no curto prazo. O que é meio óbvio, né? 

Com a mudança de mercado – começamos a sentir em setembro do ano passado que o vento ia virar –, voltamos no modelo e fizemos um ajuste pra ele ficar de pé 

Evoluímos o modelo para um objetivo de comprar quatro ou cinco empresas por ano com um switch port um pouco maior e trazer algo como 80, 100 milhões de receita inorgânica/ano, porque isso, por um lado, demanda bem menos capital e, por outro, se o fluxo de caixa com o crescimento orgânico das empresas é bom, reduzimos o tempo para começarmos a pagar novas aquisições com esse mesmo fluxo de caixa. 

Então, no plano de negócios da nuvini, ela ia chegar em 2025 faturando 1 bilhão de reais. Agora, ela vai chegar nisso em 2028, postergou um pouco. Ainda assim, é mais saudável e menos estressante seguir nesse ritmo. E vamos conseguir cumprir a meta de investir em quatro empresas neste ano.

Nas últimas semanas, você vem falando, no LinkedIn, sobre esses ajustes – notícias de startups demitindo e reduzindo operações; redução de 68% de investimentos late stage no primeiro semestre deste ano; Softbank com perdas de quase 50 bilhões de dólares em apenas seis meses, e um pedido de desculpas do CEO… O quanto essas mudanças – além de terem implicado no modelo da nuvini – impactaram você, Pierre, que está há tantos anos em venture capital?
Tenho sorte de ter a experiência que tenho para estar onde estou, como CEO da nuvini. Porque não me lembro de nada parecido. 

Em 2000, tinha muita fumaça, havia empresas que faturavam um milhão e valiam um bilhão! Agora, você tem empresas que estão dando lucro, crescendo – e valem menos da metade do que valiam dez meses atrás

Essa mudança por causa dos juros, do mundo pós-Covid, foi abrupta, inesperada, demandou muito jogo de cintura e agilidade para adaptarmos a nossa estrutura, nosso olhar de futuro e encontrar a oportunidade nessa mudança. 

Hoje, na nuvini, olhamos negócios com valuations mais baixos, por exemplo, e tem outras nuances que fizemos e nos deixaram mais fortes do que estávamos antes.  

Do ponto de vista pessoal, tendo a olhar as coisas num horizonte mais longo. Eu brinco com alguns amigos de empresas listadas [na bolsa de valores] que depois que a empresa lista, o time todo olha o preço da ação. 

E preço da ação não é o jogo: é o placar da aposta. Não tem a ver com o negócio. Tem negócio que cresce muito e dá EBITDA e mesmo assim a ação cai 50%. E tem negócio que não. 

Se a gente não conseguir trazer o time e todo mundo ao redor das empresas e não fizer um esforço grande para que olhem os negócios e que eles caminhem cada vez melhor, vamos ter uma distração gigante e uma volatilidade emocional que atrapalham todo o resto

Porque os nossos negócios, individualmente, não precisam de caixa. A gente precisa de dinheiro para comprar mais empresas, mas o negócio não precisa de caixa.

A vivência que eu tenho me dá serenidade, por exemplo, para não ter previsão. Se a nuvini fosse a minha primeira empresa, eu não sei se teria a estrutura emocional pra lidar com tantas mudanças, e tão rápidas.

Imagino que você converse com muitos investidores. Essa visão de se olhar com um pouco mais de “carinho” para startups que cresceram bootstrapping seria um movimento de reequilíbrio do ecossistema? Fala-se que o empreendedor que capta rodadas de investimento tem de ser bom executor, mas me parece que o ajuste agora é um pouco mais profundo…
É preciso lembrar que o mercado não é igual em todos os estágios. No very early stage, que são cheques pre seed, o mercado está voando, não teve redução de valuation. 

As pessoas estão tomando mais tempo pra decidir porque a renda fixa subiu, mas venture capital não está no mesmo bolo da renda fixa, e costuma ser só uma pontinha do portfólio.

Hoje, tem mais gente que entende que, no modelo financeiro, as startups podem dar resultado. Tem muitos investidores entrando e empreendedores criando soluções muito verticais, muito nichadas. E isso é necessário! 

Por mais que o mercado seja criterioso, vai ter muito risco aqui… e sempre vai ter dinheiro pra investir nesse risco, senão não se consegue ir pro próximo estágio. 

A partir de uma série A, falando de growth, a gente teve no Brasil um movimento que não havia antes, porque não tinha capital – que é o do B2C como iFood e QuintoAndar, que estão voltados para o consumidor e demandam muito mais capital do que o B2B, e tem churn e outros pontos bem complexos. 

Historicamente, a gente nunca tinha conseguido fazer isso no Brasil. As empresas morriam, não conseguiam chegar lá. 

Esse movimento já está sofrendo bastante. Conquistar mercado a qualquer custo não é mais algo que você consegue vender tão facilmente para os investidores.

E mais pra frente, série B em diante, onde antes tinha uma oportunidade maior com Softbank, Tiger Global e um monte de gente pousando aqui de helicóptero fazendo investimento, o investidor está se perguntando qual será a probabilidade desse negócio efetivamente escalar. 

Ninguém pensava muito nisso. Estava dado que se você executasse e crescesse, ia ter grana pra próxima rodada. Agora não é mais fato, é uma possibilidade… o que muda muita coisa

O risco subiu muito para o investidor, porque ele não está mais sendo a ponte entre uma série e outra de captação. Pode ser que esse business precise de grana, porque andou tão bem, que ele tenha que botar mais grana. Então, isso ajusta o mindset de investidor. 

Você se assume inquieto, um empreendedor serial. Em algum momento de sua vida essa inquietude atrapalhou no âmbito profissional? Quando e por quê?
Quando eu tinha 5, 6 anos, meus pais me perguntaram: o que eu queria ser? Eu dizia que queria ser uma vaca pra ficar lá no pasto, comendo grama o dia inteiro, enquanto o pessoal tira leite, sem nem precisar sair do lugar.

Minha mãe conta essa história e as pessoas falam: “Não pode ser! Alguma coisa mudou muito esse cara!”

Quando comecei minha carreira, eu não era tão inquieto. Eu me tornei inquieto quando comecei a empreender, ao fundar o Zeek! e passei a ter esse drive, essa aceleração. 

Acho que, sim, houve esses momentos [em que a inquietude atrapalhou]. Hoje, eu me calibro muito mais pra tentar entender com quem estou falando, o quanto de drive eu posso ou não ter em cada momento, em cada interação

Provavelmente, o momento mais complexo pra mim foi quando vendi o Zeek! e fui trabalhar na StarMedia. 

Uma coisa é começar como corretor no primeiro emprego. Outra é vender a minha empresa e ir trabalhar numa companhia que estava com 70 pessoas e, um ano depois, já tinha 800, era uma corporação com processos pra absolutamente tudo. No começo você ia lá e fazia o deal, tinha mais autonomia, que depois foi reduzida. 

Aí, tive alguns estresses com meus chefes na StarMedia, porque queria ir numa velocidade e quando a empresa ficou maior, deixou de ser “vamos fazer” e passou a ser “calma, vamos planejar, vamos abrir o capital e temos que ter passos mais firmes”

E eles estavam totalmente certos. Antes [a empresa] era uma lancha rápida; [depois] tinha virado um transatlântico.

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