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Além de quase infartar, ele levou uns anos para ver que podia mudar. Até que decolou com a Major Tone

Paulo Noviello - 19 abr 2017 Em sua oficina, que é em casa, Renato Beolchi conta como construiu uma nova vida após literalmente quase morrer de trabalhar.
Em sua oficina, Renato Beolchi conta como mudou a vida após quase morrer de trabalhar (foto: Ricardo Toscani).
Paulo Noviello - 19 abr 2017
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Em outubro de 2010, Renato Beolchi “Moikano” (hoje com 39 anos) era editor-executivo do portal Terra. Em um fim de semana, começou a ter uma febre intermitente e mal estar. Faltou ao trabalho na segunda-feira. Na terça, se sentindo um pouco melhor, foi trabalhar. A febre voltou, ele foi ao hospital, mas, sem outros sintomas, foi orientado a repousar e esperar. Na sexta, começou a sentir dor no peito e nas juntas. “Percebi que tinha algo errado e voltei ao hospital”, conta, na cozinha do apartamento onde mora, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. O médico pediu todos os exames possíveis. Em seguida, Renato foi imediatamente para a UTI — com suspeita de infarto.

Era uma miocardite viral, provocada por uma virose forte. “O vírus encontrou um campo aberto ali. Comendo mal, trabalhando muito, dormindo pouco, fumando, estressado.” Quando saiu da UTI, Renato começou a se questionar se aquela era a vida que, aos 32 anos, queria para si.

Você pode estar imaginando que ali ele teve a grande epifania, a ideia que mudaria completamente sua vida. Mas as coisas nem sempre funcionam assim. Renato sabia que precisava mudar seu estilo de vida, mas ao receber alta voltou normalmente ao trabalho. Aquela fagulha ficou queimando silenciosamente por mais três anos até acender de vez e resultar na sua atual vida de luthier na Major Tone Guitars, que fabrica guitarras e baixos elétricos artesanais, além de restaurar e customizar instrumentos.

ROCK E JORNALISMO DESDE CEDO

Nos anos 1980, um dos irmãos apresentou a ele o primeiro vinil do Iron Maiden. Renato foi, então, conquistado definitivamente pelo rock pesado e seu símbolo máximo: a guitarra elétrica. “Já nos anos 1990, um amigo da rua comprou uma e em uma semana estava tirando música. Vi que não era tão difícil e fui aprendendo sozinho também”. O ofício da luthieria entrou na vida dele logo em seguida, por pura necessidade. “A primeira guitarra que eu comprei era tão vagabunda que tive que aprender a mexer nela para poder tocar aquela porcaria”, lembra.

Uma palestra do jornalista esportivo Mauro Beting o fez optar pela profissão. Formou-se em 2001 na Universidade Metodista e dois anos depois começou a trabalhar no Terra. De volta a São Paulo após uma temporada na sucursal de Porto Alegre, e com o fim de um relacionamento, entrou numa fase “a guitarra é minha confidente”, enquanto encarava o maior desafio da carreira, assumindo o cargo de editor-executivo na cobertura das eleições de 2010. “O Bob Fernandes liderava a cobertura e tinha umas 100 pessoas envolvidas. Éramos quatro editores-executivos, todos bem mais experientes que eu. Aí, no segundo turno das eleições, eu estava internado. Foi bizarro”, conta.

Como foi o processo de sair de um burn out e aos poucos se transmutar em empreendedor numa nova carreira? Bem lento. “Lá por 2012, 2013, comecei a ler sobre construção de guitarras, a ver vídeos no YouTube. Me interessei pela Cigar Box, uma guitarra primitiva feita a partir de uma caixa de charutos, bem associada ao blues. Tentei fazer uma, desmontando uma guitarra velha e adaptando numa caixa de charutos. Quando terminei pensei: ‘Estraguei a caixa de charutos e a guitarra, não tem a menor chance disso funcionar’. Mas não só funcionou como o som ficou  excelente”, conta. Ele continuava pensando na luthieria como um hobby:

“Ver que eu era capaz de fazer algo que funcionava, com minhas próprias mãos, usando tempo, paciência e minha habilidade foi uma descoberta”

Em agosto de 2014, a crise se abate sobre o Terra e a demissão mais de 100 jornalistas acaba com o que era, então, uma das maiores redações do país. Renato estava entre os demitidos. Com 11 anos de casa, o valor da rescisão seria razoável, e ele decidiu “se dar de presente” férias prolongadas pelo menos até o fim daquele ano. “Duas empresas me procuraram e eu neguei”, conta. Ao negar o que não queria, ele acabou abrindo espaço para o que poderia querer.

AOS POUCOS, OS SINAIS DE UMA NOVA VIDA

“Um dia meu pai perguntou se eu não pensava em ter meu próprio negócio. Não consegui responder na hora, mas aquela vozinha interna deu uma amplificada. As peças vão se juntando, o interesse musical, por instrumento de corda principalmente, essa questão toda de saúde em 2010”, diz.

Em fevereiro de 2015, após investir 30 mil reais para equipar uma pequena oficina, num cômodo de sua própria casa, Renato, que “nunca tinha pensado em não trabalhar com jornalismo”, viu-se como empreendedor. Ele se inspirou na música Space Oddity e em David Bowie tanto para nomear a empresa como para tomar coragem de partir para a nova vida. “A letra diz, literalmente, sair da sua nuvem e se jogar no espaço”, conta. Ele pensou em usar o nome Major Tom (citado várias vezes na letra) mas preferiu mudar para Major Tone, “pelo trocadilho com tom maior e para trazer a musicalidade”.

A guitarra "Cigar Box" de Renato, nas mãos de Duca Bellintani: sucesso com influenciadores deste nicho.

A guitarra “Cigar Box” de Renato, nas mãos de Duca Bellintani: sucesso com influenciadores deste nicho.

No início, sua ideia era fabricar as tais Cigar Box, as guitarras feitas com caixas de charuto. A primeira acabou ficando famosa e serviu de chamariz para o recém-assumido luthier. Ela passou para as mãos do bluesman Duca Bellintani, talvez o músico brasileiro mais associado à Cigar Box. Duca levou a guitarra da Major Tone ao programa Metropolis da TV Cultura e ao Jornal da Record News, entre outros. “Muita gente entrou em contato comigo, então ela acabou sendo um canal para o cara chegar aqui e fazer uma manutenção, uma customização”, diz Renato.

Ele conta que fazer manutenção de instrumentos vale mais a pena, pelo tempo empregado (algumas horas de serviço) e pela liquidez, do que construi-los do zero. Além disso, segundo Renato, ao contrário dos violões acústicos, ainda há uma resistência do consumidor brasileiro a querer uma guitarra ou baixo feitos artesanalmente, por luthiers como ele. “Aqui no Brasil, o termo artesanal é associado a algo rudimentar, mas falando de guitarra é o contrário. Sei que o baixo que eu fiz tem um braço melhor do que um Fender, porque fiz à mão, com as medidas do corpo e da mão do meu cliente. Entrevistei, perguntei como ele gosta de tocar, o que era confortável ou incômodo no baixo anterior. Na Fender, para ter isso só pagando uma grana violenta sendo patrocinado por eles.”

REDES SOCIAIS, FEIRAS DO SETOR, SAPATOS GASTOS

Para atrair clientes, Renato conta que investiu em trazer influenciadores e em um trabalho básico de divulgação nas redes sociais. Conseguiu, dessa forma, acordos interessantes, como o convênio com uma rede de escolas de música. “Faço a manutenção dos instrumentos e eles me indicam pros alunos, às vezes dou workshops sobre manutenção e conservação, onde falo pra 50 pessoas que tocam guitarra das vantagens de um instrumento handmade“, diz.

Para tornar a Major Tones conhecida, Renato frequenta feiras, faz parcerias e gasta sola de sapato apresentando seu trabalho.

Para tornar a Major Tones conhecida, Renato frequenta feiras, faz parcerias e gasta sola de sapato apresentando seu trabalho.

Além disso, passou a frequentar feiras do setor. Lá, conseguiu, por exemplo, parceria com uma empresa líder em cabos. “Eles me dão peças para a manutenção de parte elétrica e eu presto consultoria nos canais de comunicação deles”, conta. Mas ficar sentando não resolve tudo e Renato gastou muita sola de sapato. Ele mora no bairro de Pinheiros, perto da rua Teodoro Sampaio, que concentra lojas de música, e isso lhe deu uma vantagem: “Frequento muito os estúdios da vizinhança, deixo flyer, tenho convênio com um, eles trazem os instrumentos do estúdio para eu regular e eles me indicam”.

Os serviços da Major Tone partem desde reparos simples, que custam 100 ou 150 reais, até encomendas específicas, que podem sair 5 mil reais, ou mais. Quando começou a empreender, Renato sabia que navegaria por “mares desconhecidos”, e que teria pela frente o desafio de ser gestor de si mesmo e da nova empresa:

“Sempre fui funcionário, meus pais, irmãos, sempre foram assalariados. Não tenho nenhum modelo de empreendedor. Fui estudar para aprender algo”

Ele já fez cinco cursos de planejamento e gestão de pequenas empresas no Sebrae-SP e conta como isso o ajudou. “No começo, eu focava muito na execução, no serviço em si, e pecava no planejamento financeiro, marketing, estratégia de divulgação. Eu não tinha preparo. Lá aprendi, por exemplo, que se minha oficina estiver bagunçada não consigo trabalhar direito”, conta, e prossegue, descrevendo aquele lado do empreendedor que muitas vezes é negligenciado por quem está encantado com a possibilidade de realizar um sonho profissional. “Tenho que ser o CEO, o VP de Marketing, o cara do Financeiro, e ainda fazer o café e a faxina”, diz.

O NICHO NEM SEMPRE É UM MERCADO FÁCIL

Renato afirma que boa parte dos clientes da Major Tone são colecionadores que têm a música como hobby, muitas vezes consumidores de alto poder aquisitivo para quem “a música é uma paixão, não o meio de vida”, diz. Sem dúvida é um mercado de nicho, principalmente no Brasil, mas o empreendedor acredita que há pessoas em número suficiente para manter a viabilidade do seu negócio. E também aposta no crescimento do mercado maker e no apelo de produtos feitos à mão: “Quando comecei a trabalhar com isso, percebi que ficamos tão tecnológicos que agora queremos nos reconectar com coisas feitas com as próprias mãos”

A principal aposta dele para cativar os clientes da oficina é o atendimento exclusivo e personalizado. “Mantendo tudo pequeno, consigo ter maior controle. Meu diferencial é o atendimento exclusivo. Faço a regulagem de um instrumento, chamo o cara para tocar na minha frente e faço a sintonia fina. Quando você chega no diferencial, isso é sagrado. Uma ou outra coisa pode mudar no serviço, mas de forma que isso permaneça ou melhore”, afirma.

UM MODELO DE NEGÓCIO QUE INCLUI A QUALIDADE DE VIDA

Desde que abriu a Major Tones, ele já fabricou, do zero, quatro guitarras Cigar Box, uma convencional e um baixo. Trabalhando em casa, Renato não só pode atender de forma mais personalizada, como também economiza no aluguel de um ponto comercial e não precisa repassar esse valor aos clientes. Mas não só. Tem a questão de prazer pessoal:

“Trabalho em casa com meus cachorros, parei de fumar, bebo menos, pratico esporte, emagreci 15 quilos. Minha vida é um zilhão de vezes mais saudável”

Se antes ele almoçava no “quilão”, jantava delivery no escritório e ainda assaltava a geladeira cheia de guloseimas calóricas, hoje faz questão de cozinhar e almoçar todo dia em casa. “O fim de semana para mim não tem o mesmo valor de quando eu trabalhava fora. A coisa mais comum é domingo eu chegar para a minha namorada e falar: ‘vou preparar comida pra semana’. Estou vendo que nasci pra ser dono de casa…”

Renato se encontrou juntando uma paixão antiga, a música e instrumentos musicais, o gosto e habilidade pelo trabalho manual, num caminho que, para quem nunca tinha pensado em empreender, foi tortuoso e de muito aprendizado, e acabou com uma vida mais equilibrada e saudável, após o alerta da suspeita de infarto de 2010. A história dele mostra que essa reinvenção não precisa acontecer num piscar de olhos, quando a lâmpada da ideia perfeita aparece, mas num processo que pode demorar anos, mas que feito passo a passo, sem pressa, tem mais chances de dar certo. Coisa de luthier.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Major Tone Guitars
  • O que faz: Fabrica, customiza e faz manutenção de guitarras e baixos
  • Sócio(s): Renato Beolchi
  • Funcionários: 1 (Renato)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: fevereiro de 2015
  • Investimento inicial: R$ 30.000
  • Contato: [email protected]
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