Estamos sempre fazendo coisas diferentes. Tem dias que trabalhamos e outros que descansamos. Às vezes lavamos louça e às vezes acumulamos pratos na pia. Comer, porém, é algo que fazemos todos os dias – mas são poucas as vezes em que refletimos de verdade sobre os alimentos que consumimos.
Tomás Abrahão, 31, conta que sempre se interessou pela origem da própria comida:
“Minha mãe nos instigou a pensar sobre o que comemos: quem plantou, quem trabalhou para a comida chegar na nossa mesa, o que foi utilizado para produzir”
O ensinamento transformou sua relação com os alimentos e foi a base para a criação da Raízs, foodtech que conecta pequenos produtores de orgânicos diretamente aos consumidores.
Fundada em maio de 2016, a empresa (que saiu aqui no Draft em outubro daquele ano) cresceu de forma constante até a pandemia da Covid-19 – quando viu o seu faturamento aumentar 200%.
“Ao ficar mais em casa as pessoas começaram a olhar para a comida de uma forma diferente”, diz Tomás.
A partir dessa reflexão, o empreendedor enxergou, na mudança de postura provocada pela pandemia, uma oportunidade para ampliar o acesso a alimentos de qualidade a um público ainda mais amplo.
O primeiro passo aconteceu após a foodtech fechar uma parceria com a Prefeitura de São Paulo que consistia na distribuição de cestas de alimentos orgânicos para famílias em situação de vulnerabilidade em todo o município.
Foram mais de 25 mil cestas ao longo de seis meses. A experiência, diz Tomás, foi fundamental para pensar em formas de alcançar um público maior e mais diverso.
Hoje, a área de entrega da Raízs abrange a capital paulista, parte da Grande São Paulo (as cidades do ABC, mais Osasco), Campinas e São José dos Campos, além de todo o litoral norte do estado.
“Estamos chegando em espaços menos elitizados. Continuamos com uma maioria de clientes de classe A e B, mas começamos a ver umas regiões no nosso mapa de calor de classe C”
Outra proposta para democratizar o acesso foi a venda de alimentos sustentáveis, que são produtos sem certificação oficial. Muitos produtores, explica Tomás, não conseguem se certificar porque isso demanda tempo e dinheiro.
“Começamos a trabalhar com esses produtores em um galpão separado e a vender os sustentáveis para uma população que não tem dinheiro para pagar o orgânico, principalmente em frutas e legumes.”
O cuidado com a saúde e com a qualidade dos alimentos fez a procura por orgânicos crescer na pandemia – e a foodtech só conseguiu dar conta do recado por já ter uma estrutura preparada para o aumento da demanda.
No início da trajetória da empresa, cada entrega demorava cerca de três a quatro dias. Com o aperfeiçoamento da tecnologia e da logística, foi possível fazer entregas com menos de 24 horas.
“Chegam muitos carros todos os dias e é por isso que o alimento chega tão fresco para o consumidor”, explica Tomás
O empreendedor compara o frescor dos produtos vendidos pela Raízs e a oferta disponível nas grandes redes de supermercados:
“O que a gente compra no supermercado não é vivo. Se você for olhar para a cadeia supermercadista você vai ver que o melão normalmente fica dois meses em uma câmara fria. Já o nosso produto não fica nem uma semana”
A rapidez na entrega é importante quando se trata de orgânicos, e se tornou possível a partir do corte de intermediários.
“Um alimento normalmente passa na mão do produtor, de três distribuidores e de um distribuidor supermercadista para chegar ao consumidor”, diz Tomás. “Isso gera muito desperdício.”
Esse corte também possibilita um preço mais acessível: o valor das frutas, legumes e verduras vendidas pela Raízs é em média 20% menor que em orgânicos em outros lugares.
Rapidez, qualidade e bom preço garantem um cliente satisfeito: o NPS [Net Promoter Score, métrica de satisfação dos consumidores] da Raízs é de 80, enquanto o setor supermercadista, segundo Tomás, tem uma média de 40.
“O nosso cliente quer mais qualidade, quer entender de onde vem o que ele come. Comprar também é um ato político.”
Lá atrás, em 2016, quando estava tirando a Raízs do papel, Tomás visitou dezenas de pequenos produtores do interior paulista para conhecer a realidade e as necessidades desses profissionais e montar uma rede de fornecedores.
Em seguida, trabalhou no desenvolvimento de uma tecnologia que pudesse dar maior previsibilidade no trabalho.
“A gente usa nossa inteligência de dados para ajudar o produtor a planejar sua produção. Desenvolvemos essa tecnologia para entender o quanto de banana vamos precisar daqui duas semanas, um ano ou dezoito meses”
Essa organização foi fundamental para estabelecer uma relação de confiança com os agricultores. “Parte do nosso trabalho é dar segurança financeira para esse profissional saber o que produzir”, diz Tomás.
Com essas informações em mãos, foi possível reduzir outro problema da cadeia: o desperdício. Segundo o Índice Global do Desperdício de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU), 17% de todos os produtos disponíveis para consumo vão para o lixo. Na Raízs, o desperdício ao longo do processo varia de 2% a 3%.
Para Tomás, o trabalho com tecnologia de dados e a eficiência gerada em toda a cadeia a partir dessas informações é o que tornam a Raízs uma empresa inovadora no mercado de alimentos orgânicos.
A estrutura permite diminuir o desperdício, reduzir o preço final para o consumidor e engrossar o faturamento de quem produz: desde 2016, quando a Raízs surgiu, diz Tomás, a renda média dos produtores que fornecem para a empresa cresceu 23%.
A Raízs funciona majoritariamente no modelo D2C, direct-to-consumer. A maior parte dos funcionários atua nas áreas de operações e logística, mas a empresa conta também com as áreas de marketing, branding, comercial, financeiro, tecnologia e relação com os produtores.
Além dos 180 funcionários, a foodtech trabalha com cerca de mil agricultores da América do Sul e conta com mais de 60 mil clientes.
“Queremos expandir nosso território de atuação e ampliar nosso portfólio de produtos, mas sempre com uma curadoria muito forte, respeitando a nossa lista de produtos e substâncias que não podem entrar”
Um dos passos nesse sentido aconteceu no começo deste ano, com a inclusão de artigos em cobranding com alguns produtores. Entre os itens estão queijos artesanais, sopa, pão e outros alimentos do dia a dia.
Para Tomás, o crescimento precisa estar aliado à melhoria das condições de trabalho dos produtores. Entre suas apostas estão iniciativas como o Fundo do Pequeno Produtor, para o qual é direcionado 10% do resultado financeiro da foodtech.
No final de cada ano, produtores que já estão há mais de dois anos na Raízs decidem como usar o dinheiro. Compra de insumos e aquisição de estufas para produção já foram algumas das ideias colocadas em prática.
O empreendedor acredita na importância de estimular a autonomia.
“Eu pretendo ser um cara importante para a Raízs crescer, mas desnecessário para ela sobreviver. Temos que trabalhar para a empresa não ter dependência da gente.”
Aromática, sensível e difícil de polinizar, a baunilha é cobiçada por chefs de cozinha, mas o quilo pode custar até 6 mil reais. Com capacitação e repasse de parte do lucro aos produtores, a Bauni quer promover o comércio justo da especiaria.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.
O Brasil vive uma explosão do mercado de alimentos plant-based. Gustavo Guadagnini e Amanda Leitolis, do The Good Food Institute, falam sobre os novos avanços dessa indústria e seu papel crucial para ajudar a frear as mudanças climáticas.