Responda com sinceridade: quando você imaginou que assistiria, em pleno intervalo do Domingão do Faustão, a um comercial de um assistente de voz?
Há algumas semanas isso se tornou realidade. E a responsável pelo feito é a Amazon, que está investindo pesado no lançamento da versão em português da Alexa, “nascida” em 2007, quando foi anunciada pela gigante comandada por Jeff Bezos.
Ao longo de oito dias, eu testei os limites da inteligência artificial, usando a terceira geração do Echo Dot, o mais simples da série de dispositivos vendidos pela Amazon que já vêm programados com a assistente.
Feito em parceria com a Bose, Intelbras e LG, o Echo Dot é uma espécie de caixinha de som comum com design futurista, onde habita a voz feminina, jovem e ainda um tanto robótica da Alexa brasileira. No Brasil, o aparelho é vendido em lojas de eletrônicos, de Fast Shop a Casas Bahia, a partir de R$ 330.
DE USUÁRIA “LIGHT” PARA “HARD”: MAIS DE 40 INTERAÇÕES DIÁRIAS
Foi importante começar a experiência com poucas informações sobre como a Alexa realmente funciona e não decorar o manual de instruções a ponto de já conhecer parte da sua gama de respostas.
Tentei progredir da usuária light para hard, dando comandos cada vez mais complexos para entender até onde ela poderia ser útil. Foram mais de 40 interações por dia: a ideia era ter uma boa noção do quanto eu poderia contar com a Alexa, e depois concluir se ela faria falta no meu dia a dia
Conforme os dias passaram, descobri o leque de opções que a assistente oferece. Existem mais de 300 aplicações dos mais variados tipos de empresa disponíveis para instalação na Alexa, entre elas marcas como Nestlé, Unilever, iFood e Uber, além de plataformas de conteúdo como Panelinha (de Rita Lobo), Galinha Pintadinha, Porta dos Fundos e rádio CBN.
Apesar da oferta parecer grande, são poucos os apps realmente úteis ou divertidos para a assistente, o que me faz pensar que ainda temos muito chão até chegarmos ao nível de experiência que temos com aplicativos de smartphone.
BEM-VINDA, ALEXA. O QUE VOCÊ PODE FAZER POR MIM?
Nos primeiros minutos com o Echo Dot 3, escolhi deixá-lo em um ponto específico da casa para dar comandos simples à Alexa (que também pode ser evocada se você disser “Amazon” ou “Echo”, caso configure estas opções).
Assim que liguei o aparelho na tomada, a Alexa me cumprimentou com sua voz brasileira — e me orientou a fazer a configuração imediatamente. Nessa etapa, ainda não dá para “conversar” com a assistente – o que quebra um pouco daquela expectativa de desembrulhar um presente recém-chegado. A configuração é feita quase inteiramente pelo aplicativo, no celular.
Na tela inicial do app, vi exemplos do que a Alexa poderia fazer: criar lembretes e alarmes, informar as notícias do dia, dizer a previsão do tempo… Essas sugestões de uso facilitam e muito as primeiras interações, porque é difícil saber por onde começar — e pode ser frustrante pedir para a Alexa o que ela ainda não sabe fazer.
Aprendi que a grande qualidade da assistente de voz é a sua capacidade de criar rotinas a partir de um único comando — desde que já se deixe tudo programado pelo aplicativo. Você pode dizer “Alexa, bom dia” e ela vai não só retribuir a saudação, mas dizer que horas são, informar a temperatura lá fora, listar seus compromissos e tocar uma playlist
De todas as funcionalidades testadas, essa foi a que mais deixou saudades (talvez porque a Alexa tenha de alguma forma “driblado” meu ranço contra despertadores).
TUDO DEPENDE DE CUSTOMIZAÇÃO: VOCÊ TORNA A SUA ALEXA ÚTIL
Foi preciso mergulhar em todas as funcionalidades da Alexa pelo aplicativo para aproveitá-la ao máximo, mas tive problemas em algumas integrações. Não consegui pedir um Uber ou comida pelo iFood, por exemplo. Tentei algumas vezes e nada acontecia. Nessas horas, a experiência se torna frustrante: quando você pede algo em voz alta a uma inteligência artificial e ela não tem capacidade de atender, você se sente falando com as paredes.
Em compensação, nas tarefas relacionadas à minha conta na Amazon, tudo funcionou perfeitamente, como seria esperado. A Alexa me relembrou de itens que eu tinha no meu carrinho de compras, resumiu livros que eu comprei, me atualizou o valor de outras obras na minha lista de desejos e conseguiu até realizar uma compra.
É importante configurar a Alexa para que ela reconheça somente a sua voz — caso contrário, qualquer pessoa pode fazer uma compra em seu nome. Afinal, precisamos aprender algo com histórias como a da menina de seis anos que comprou uma casa de bonecas e dois quilos de biscoitos pela Alexa, nos Estados Unidos
Apesar da facilidade de fazer uma transação por voz, eu pessoalmente não creio que teria confiança o bastante para comprar algo além de um livro, porque a Alexa não me daria uma descrição completa do produto, como o site da Amazon faz.
DICA: NÃO PEÇA PARA A ALEXA CONTAR PIADAS
Fiz uma enquete com amigos e familiares sobre suas expectativas em relação a um assistente virtual. No topo da lista estava: ditar e enviar um e-mail por voz. Isso, a “nossa” Alexa ainda não faz. Mesmo assim, arrisquei. Para minha surpresa, quem me respondeu foi a Alexa americana: “Você precisa configurar uma conta de e-mail primeiro”, ela disse (em inglês, of course).
Passado o “furo” no fluxo de usabilidade, foi a vez da assistente brilhar. Era esperado que a Amazon caprichasse na sinergia entre a Alexa e o Kindle, seu leitor digital. A utilidade da Alexa aumentou consideravelmente quando ela passou a tocar os audiolivros que eu tinha na minha biblioteca da Amazon, me deixando pausar, pular partes e até destacar um trecho específico.
Se eu estivesse ouvindo um episódio de podcast no Spotify ou no Deezer a caminho de casa, pelo celular, ela continuava a reprodução de onde eu havia parado. No entanto, se eu apenas pedisse: “Alexa, toque uma música de samba”, ela priorizava seu streaming, a Amazon Music.
Por enquanto, o entretenimento oferecido pela Alexa não vai muito além de música, rádio, podcasts e fatos históricos que ela te conta. Você pode até pedir para que ela conte uma piada, mas seu acervo não é dos melhores, então não recomendo
Idem para o jogo inspirado na série brasileira 3%, da Netflix, que simula uma experiência num labirinto, do qual se deve escapar: foram os 15 minutos mais cansativos que passei interagindo com a Alexa… Qualquer um dos (vários) apps que reproduzem sons da natureza teria sido mais agradável.
CONTROLAR A LUZ COM A VOZ É UM LUXO (MAS A MODERNIDADE AINDA PRECISA DE FIO)
Uma das promessas da Amazon é que a Alexa pode tornar a sua casa mais inteligente, mas ainda existem poucas opções fazer essa Internet das Coisas funcionar. Testei apenas uma: a de controle de luzes. O aplicativo da Philips Hue, lâmpadas controladas via internet que podem mudar de cor e de intensidade, funcionou bem com a assistente.
Ouso dizer que a experiência de controlar a luminosidade da casa com comandos de voz supera aquela clássica de bater palmas para acender ou apagar as luzes. Um luxo
Há quem compre, de uma só vez, várias unidades do Echo Dot para deixar em diferentes cômodos da casa, assim não é necessário ir sempre para um ponto específico para dar um comando. Dá para entender o apelo, pois ao longo dos dias tive de administrar a presença do aparelho na sala, na cozinha e no quarto, ligando e desligando da tomada diversas vezes.
QUER EVITAR RESPOSTAS FRUSTRANTES? SEJA DIRETO NO COMANDO
Conversar com uma inteligência artificial ainda não é uma experiência tão natural para nós, o que causa alguns estranhamentos. O ritmo da fala pode fazer a Alexa desistir de você, por exemplo. Sabe aquele intervalo entre chamar alguém pelo nome… e dizer o que você quer ou precisa dessa pessoa? Isso não funciona com ela.
Para evitar esse problema, vale a pena pensar antes de dizer o nome da assistente — e formular o seu pedido da maneira mais direta possível. Mesmo assim, prepare-se para receber (como eu recebi) uma ampla gama de “não-respostas”.
Ouvi muitos “não sei a respeito disso”, “não posso responder”, “não tenho certeza”. Isso acontece com frequência, porque a Alexa não consegue entender muitas variações do mesmo comando. Simplifiquei tanto os meus pedidos, em determinado momento, que eu mesma me senti robótica
Para a Alexa, um comando como “crie um lembrete” funciona perfeitamente. Por outro lado, você pode não obter resposta se formular de outro jeito, por exemplo “não me deixe esquecer”.
BOA PARTE DA GRAÇA ESTÁ NOS COMENTÁRIOS FORA DO SCRIPT
Algumas respostas da Alexa foram mais longas do que eu esperava, e por algumas vezes eu tive de pedir para que ela parasse de falar. Apesar de ser um recurso extremamente útil, me senti estranhamente ríspida e autoritária, mesmo ciente que eu falava com um robô.
Também me chamou muito a atenção o quanto pode ser cansativo o ato de falar – e ainda mais cansativo o de repetir. É preciso ter paciência para entender a melhor forma de se comunicar com a assistente.
Quando se trata de assistentes de voz, grande parte da diversão fica por conta da nossa capacidade de encontrar as surpresas escondidas na inteligência artificial. Que graça tem uma conversa sem tentar descobrir aquelas respostas fora do script? Nisso a Alexa não decepciona.
“Alexa, estou com gripe”, eu disse, um dia. Ao que ela respondeu: “Sinto muito, que tal descansar e tomar uma sopinha? Espero que você melhore logo. Se precisar, procure um médico. Se precisar de ajuda imediata, ligue para 192 do seu telefone”
Informação e empatia na mesma resposta — parabéns aos envolvidos nessa concepção.
UMA ASSISTENTE DIPLOMÁTICA (“EU GOSTO DE TODOS OS DISPOSITIVOS DE AI”)
O que ficou claro ao fim dos meus oito dias com Alexa é que as possibilidades parecem infinitas — mas ainda é preciso seguir o “caminho feliz” da experiência para realmente desfrutar do que ela pode oferecer. Por ser uma inteligência artificial de aprendizado constante, é provável que em breve ela consiga entender de forma mais precisa o nosso modo de falar e aprenda a memorizar outras informações relevantes da usuária ou do usuário.
Por enquanto, a Alexa é uma comodidade interessante, mas não essencial. Porém, no passado, já ouvimos o mesmo sobre o celular e até sobre a internet. Com skills criadas de acordo com as suas necessidades, ela pode ser uma assistente bem útil; o que falta, por ora, é um trabalho intenso de melhoria dos aplicativos integrados, que vai depender de um nicho de empresas e desenvolvedores dispostos a investir na tal “era da voz” na tecnologia.
No meu último momento com o Echo Dot, perguntei se a Alexa conhecia a Cortana, assistente da Microsoft, e o Google Assistant. “Eu gosto de todos os dispositivos de AI [inteligência artificial]. Moramos todos no mesmo bairro, na nuvem”, ela respondeu
Apesar da diplomacia, essa é uma briga ferrenha de gigantes para desenvolver a melhor solução em termos de conveniência, acessibilidade e privacidade. Caberá a nós, usuários, avaliar quem está desempenhando bem o seu trabalho – e quem, por outro lado, não está qualificado a morar nesse bairro (ou condomínio de luxo?) dos assistentes de voz.
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