À primeira vista, André Szajman, 50, teria tudo para ser tachado de elite tradicional. Só que quase nada sob o guarda-chuva do “tradicional” bate com a realidade dele.
Aos 21, André convenceu o pai, Abram Szajman, a promovê-lo a co-vice-presidente da VR Benefícios – empresa de soluções para benefícios em alimentação, saúde, transporte e cultura –, junto com Cláudio, seu irmão mais velho. A dupla fez uma guinada tecnológica na companhia; entre outras iniciativas, aquela gestão acabou com os vales em papel e produziu os primeiros cartões de benefícios do país e as respectivas maquininhas POS.
Seis anos depois, André se uniu a João Marcello Bôscoli, seu amigo de infância, e fundou a Trama. A gravadora trouxe à cena brasileira a música eletrônica e tentou o modelo de download remunerado, quando o iTunes da Apple ainda engatinhava e o Spotify nem sonhava existir. Em 1999, André afastou-se da VR Benefícios para focar no mundo musical.
A partir de 2009, aventurou-se também no mundo do venture capital, com a 1188 Investimentos. O foco aqui é aportar em empresas de tecnologia no estágio de crescimento, que usem as novas mídias para melhorar a comunicação e a geração de negócios dos seus clientes.
Ele tomou gosto pela área, e enquanto vivia fora do Brasil (entre 2012 e 2019), estruturou a plataforma de investimento internacional da VR Benefícios para participar de rodadas em startups americanas, europeias e israelenses que pudessem fazer parte do ecossistema corporativo da empresa de sua família.
Mas foi em 2019 que o mundo de André virou… foi quando ele achou um novo propósito: fazer investimento de impacto em empreendedores das favelas e periferias do Brasil.
Ele começou aproximando-se de Celso Athayde e tornou-se conselheiro da CUFA – Central Única das Favelas. Depois, em 2021, fez um investimento-anjo nas startups pernambucanas Nossa!Cozinhas – hub de alimentação que funciona com dark kitchens – e o delivery coligado Silva (os dois negócios surgiram a partir da reestruturação do antigo Saladorama, que apareceu no Draft aqui e aqui).
Atualmente, André estrutura um fundo de 50 milhões de reais para lançar no mercado com o escopo específico de construir startups que gerem renda local nas zonas de periferia e favelas e tenham escalabilidade.
Confira a seguir a conversa de André Szajman com o Draft:
Você começou como estagiário na VR, empresa fundada por seu pai, e chegou a vice-presidente em 1992. Como foi aquele início de trajetória?
Entrei em 1989 e fiquei os primeiros anos passando pela empresa toda. Aí quando tinha 21 anos, eu e meu irmão [Cláudio Szajman], 23, achávamos que a gente entendia do negócio…
Na empresa tinham aqueles diretores que trabalhavam ali praticamente desde a fundação e propusemos pro meu pai a criação de duas vice-presidências. Ele topou. Trocamos todos os executivos e assumimos o negócio.
Naquela época, como se dividiam, em termos de liderança?
Fiquei mais com administrativo, financeiro, operação e tecnologia. Meu irmão ficou mais focado no comercial e marketing. Mas a gente tomava decisões conjuntas.
Em 1994, nós dois e um outro executivo, do marketing da VR, fomos para Boston no The Forrester Event Experience [pioneira conferência mundial sobre o potencial da World Wide Web]. Só havia nós três de brasileiros, foi marcante.
Naquele dia, vi o Bill Gates, o último palestrantes do evento, sentado numa mesa com o Marc Andreessen – que na época era da Netscape, o browser dominante –, dizer em tom de brincadeira: “em dois anos, a gente vai acabar com a tua empresa”
Viemos embora pro Brasil com aquele clima, pegando a experiência de 3 mil pessoas no evento, daquelas mesas de almoço, enfim, fazendo os contatos. E aí resolvemos trazer a internet pra dentro do negócio.
Durante os anos em que você esteve na coliderança da VR, dois momentos de inovação tecnológica se destacam: a criação da Smart.net, que produzia o cartão com chip, pioneiro no mundo, em 1999; e o lançamento do e-commerce portalvr.com, em 2005. Pode falar sobre os bastidores dessas iniciativas?
Na época, o portalvr.com foi o maior de B2B no Brasil, para relacionamento com os clientes. Imagine que os pedidos, antes feitos por telex ou fax, as empresas começaram a fazer pela internet discada – a gente já era omnichannel (risada irônica)!
Junto disso, implementamos uma mudança na parte de filiais. Tínhamos cerca de 20 e com o uso da internet, formamos três regionais, simplificamos muito o processo. Foi o sangue novo entrando, trazendo novas tecnologias.
Em 1998, enfrentávamos muitos problemas de roubo, falsificação, porque os vales-benefícios VR eram em papel. Fomos a uma feira europeia em busca de uma tecnologia que substituísse o papel – o que parecia meio loucura na época. Achamos o Smartcard, que era o cartão com o chip, e em 1999 fundamos a Smart.net, uma rede de adquirência e de processamento criada separada da empresa, para servir o mercado todo.
Tentamos vender a tecnologia como sociedade para Ticket e Sodexo, o que faria todo sentido, mas eles não quiseram. Então, implementamos na própria empresa. Trazíamos insumos do mundo inteiro e fabricávamos as maquininhas — fomos os primeiros a fazer as maquininhas que, hoje, são tão comuns
Na época, a nossa maquininha era totalmente offline, ou M2M, machine-to-machine – o chip do cartão do estabelecimento falando com o chip do cartão. A transação acontece e, no final do dia, o estabelecimento manda todas as transações para uma central. Na hora do almoço, quem usava um cartão de crédito como Visa, a transação demorava 4 segundos, enquanto a nossa era em menos de 1 segundo. A pessoa punha o cartão, já retirava e estava feito.
Em 2005, acabamos com o uso do [vale alimentação em] papel na empresa, nossa decisão era ser 100% digital. E deu muito certo, a empresa viveu seus melhores anos.
Em 2003, os bancos entraram no mercado através da Visa Vale [constituída pelos bancos ABN-Amro Real, Bradesco, BB Banco de Investimentos e Visa], que hoje é a Alelo, e vinha crescendo. Havia a Ticket, nós, a Sodexo e a Visa Vale, e começamos a sentir a pressão nas negociações com os clientes. Pensamos: “Poxa, os bancos estão entrando – estamos falando de Bradesco e Banco do Brasil –, temos de olhar o mercado!”
Estávamos no melhor ano, melhor resultado, EBITDA, lucro… crescimento exponencial. Tínhamos feito uma ação bem sucedida de comprar a organização do campeonato paulista de futebol – desde a venda de placas em estádios até a bilheteria em si – e a marca VR aparecia direto nos gols do Fantástico
Apesar de ser uma ação regional, ficamos muito conhecidos nacionalmente também. O que não vendia de bilheteria, a gente oferecia pros nossos clientes – enfim, era só estádio cheio, porque também dávamos os ingressos de graça, muitas vezes.
Sob o ponto de vista de marketing, foi maravilhoso. Fizemos a mesma coisa de compra de bilheteria do Carnaval de São Paulo, em 1998.
Voltando um pouco atrás: a sua formação e a de seus irmãos, Cláudio e Carla, foi direcionada para se tornarem empresários, a exemplo de seu pai, Abram Szajman? O que a vivência de vocês teve de diferente e que pode ter sido uma vantagem em relação à trajetória de alguém que se descobre gestor e líder só depois da faculdade?
Se você me permite voltar um pouquinho atrás, às origens: o meu avô veio da Polônia, fugindo da II Guerra Mundial, e se estabeleceu no Brasil. Meu pai, Abram Szajman, nasceu no Bom Retiro, em um contexto de dividir banheiro com duas famílias; começou a trabalhar com 13, fez a trajetória dele. Nossa origem é humilde, de fugitivos de guerra.
Eu me lembro de fatos que conto aos meus filhos. O meu pai não deixava moedas soltas em cima da mesa: catava as moedas e punha no bolso dele, porque aquilo era dinheiro. E quando a gente deixava as luzes acesas, ele dizia para apagar porque não era “sócio da Light” [antiga companhia de energia]. A nossa educação foi rígida, no sentido de valorizar cada conquista.
Sempre tivemos admiração pelo que nosso pai construiu. Nunca teve uma conversa do tipo “vocês têm que vir trabalhar comigo”. Foi natural. Quando meu irmão começou a trabalhar na empresa, eu tinha 15, estava acabando o colegial. Eu via ele saindo de terno com meu pai – porque ele foi estudar à noite –, e pensava que também queria aquilo.
Foi maravilhoso o meu pai dar a chance – que poucos na vida têm – de assumirmos tão jovens um negócio que já era grande. Isso foi transformador. A gente brinca que ele foi “louco” porque não tínhamos experiência. Éramos dois recém-formados – eu [ainda] estava acabando o Mackenzie
Em paralelo, meu pai entrou para a FecomercioSP [entidade sindical paulista], responsável por administrar o SESC e o SENAC. Aos 9 anos eu ia lá no SESC de Interlagos e convivia naturalmente nesse espaço muito rico cultural e socialmente, dito “de pessoas mais simples”, com menos poder aquisitivo.
Minha mãe [Cecilia Zaclis Szajman] sempre foi amante das artes. Ela era amiga do Burle Marx, da Hebe Camargo, amiga de pintores. E ouvia muita música brasileira, foi uma referência [pessoal] importante na questão musical, principalmente MPB.
Aliás, foi isso que me uniu, na época do colégio, ao João Marcello Bôscoli, meu sócio na Trama. Quando a Elis [a cantora Elis Regina, mãe de João Marcello] morreu, ele tinha lá seus 12 anos; quando eu o vi chegando na escola, fiquei com pena. Nos cruzamos um ano depois, quando ele teve um acidente em uma viagem e, a partir daí, a gente se conectou.
Em 1998, você cofundou a Trama, que fomentou a cena musical independente, investiu na música eletrônica e foi pioneira – com os projetos Trama Virtual, Álbum Virtual e Download Remunerado – na criação de soluções para o impasse dos downloads ilegais de música. Como você enxergou que fundar uma gravadora poderia ser um bom negócio?
Eu e meu irmão tínhamos o pensamento de colocar em prática o “VR com você no trabalho e no lazer”. No trabalho eram os vales-benefício [cartões de serviço de alimentação, refeição, combustíveis e vale-transporte]. No lazer, futebol, Carnaval.
E o movimento da música vem como uma visão estratégica, junto com uma insatisfação — tudo nasce da insatisfação!
Na época, a cena musical era unicamente sertanejo. Eu não tenho julgamento de valor; o que eu sentia era que não tinha diversidade. E como eu andava com o João, que tinha uma banda, eu vivia nesse ambiente da música com ele
Eu via shows de um monte de gente talentosa, mas essas pessoas não tocavam no rádio e nem estavam na TV – as principais mídias. E aí, a Trama nasce de uma visão estratégica do lazer.
Você falou da música eletrônica: fomos uns dos precursores. Junto disso vem a diversidade, porque lançamos um monte de artistas de rap, chegamos com vários de MPB, fizemos o resgate de nomes mais antigos – Noite Ilustrada, Jair Rodrigues, Baden Powell.
Vivemos lá momentos maravilhosos. Viramos a maior gravadora independente e a maior distribuidora independente de CDs do Brasil. Na época, a gente dava acesso às pessoas porque a nossa distribuição chegava no varejo. Tínhamos o selo e a distribuidora, com a visão de fortalecer o mercado todo
E vivemos a transformação do digital, com a popularização do MP3 via Napster, em 2002. As pessoas param de comprar CD, porque todo mundo baixava pirata. Vimos a queda das vendas dos CDs, que eram a principal fonte de receita da empresa. E começamos a pensar em fontes alternativas de receita.
Foi daí que nasceu o Trama Universitário, projeto que fizemos durante quatro anos [lançado em 2004 e com foco no público universitário, tinha patrocínio de HSBC, Philips e Volkswagen]. Depois fizemos muitos programas de TV, entre eles o Música Brasileira para o Multishow. Sempre tivemos a mentalidade de que a imagem e o som andam juntos.
Chegou um momento que não dava mais, porque o negócio da Trama cresceu e o negócio da VR também. Então no início de 2000, eu me desliguei da VR para me dedicar 100% à Trama
Em 2007, a gente fez a venda da carteira de clientes… Nunca vendemos a empresa, nem a marca para a Sodexo, a gente vendeu os contratos. Ficamos só com a empresa de tecnologia Smart.net, rodando inclusive com a Sodexo por cinco anos e com a nossa marca como bandeira.
Qual é o momento atual da Trama? Você continua envolvido?
Estamos começando a digitalizar o acervo da Trama, que tem 50 mil mídias. A Trama sempre gravou tudo, então temos muito conteúdo audiovisual guardado.
Como eu fui morar fora do Brasil, teve um hiato meu de sete anos. O João continuou fazendo as coisas. E agora, com a minha volta, decidimos pegar esse acervo, digitalizar e transformar em conteúdo que, consequentemente, vira receita.
Quando voltei pro Brasil, no final de 2019, me deu vontade de dar uma agitada na parte musical ligada a MPB. Participei de conversas no estúdio e conheci a geração brilhante de hoje – há muitos músicos jovens bons pra caramba e também cantores, cantoras.
Nas últimas duas, três semanas, definimos o casting pra iniciar um trabalho. Vamos voltar em breve… em setembro, você vai voltar a ouvir mais sobre a Trama. E será em um modelo novo. A gente não pretende mais fazer contratos individuais com artistas. A ideia é produzir faixas e usar a nossa capacidade de dar visibilidade a essas pessoas.
Nessas audições, muitas vezes você vê pessoas geniais. Independente da questão mais técnica do cara ser um gênio, você sente o arrepio e a emoção quando ele começa a tocar. Aí você vai ver quantas visualizações a pessoa tem nos seus vídeos e é coisa de [apenas] 400 views
É a mesma coisa que a gente viu lá atrás – o talento está aí, o que falta é dar uma luz, direcionamentos, ajudar na divulgação… é fazer a conexão.
Estamos discutindo como fazer isso hoje. Lá atrás, fizemos o Trama Virtual, porque a gente recebia milhares de CDs e guardava, porque não dava nem para o [produtor musical] Carlos Eduardo Miranda – que já faleceu – ouvir todos, tal era a quantidade. Aí tivemos a ideia do Trama Virtual [de 2002 a 2013, o site divulgava gratuitamente artistas e bandas independentes que não conseguiam contrato com a Trama], basicamente uma vitrine para download remunerado.
O que trouxemos de inovação foi ter as marcas – cada vez que alguém baixava o arquivo da música, a Volkswagen pagava um dinheirinho e a gente fazia a distribuição para os artistas. Fizemos isso antes do MySpace [fundado em 2003]!
Depois, a gente fez o álbum virtual, antes do iTunes vender os álbuns mesmo. Era uma loucura… era antes do tempo.
Por outro lado, a gente poderia ter virado o Spotify, mas não virou. Viramos o MySpace, mas não conseguimos vender por 600 milhões de dólares. O [Rupert] Murdoch [fundador da News Corporation, à época a maior companhia de mídia do planeta] pagou 580 milhões [de dólares] pelo MySpace em 2005, que virou pó, porque eles não conseguiram transformar aquilo num negócio como o Spotify.
Desde 2009, você é sócio da 1188 Investimentos, empresa de venture capital. Na época, nem se falava por aqui em startups. Como foi se tornar investidor depois de ter estado à frente de empresas como a VR e a Trama?
Vejo como a evolução natural. Pegamos o negócio da família, a VR; aí, criamos outra empresa do zero, a Smart.net. Fizemos a junção dela com o negócio tradicional e acabamos vendendo em 2007.
Quando teve o evento de liquidez pra família, pensei em dar uma desopilada… Mas a gente tem a veia empreendedora. Conversando com meu irmão, disse que estava na onda de pegar minha experiência como executivo e empreendedor e levar isso para outros empreendedores. E aí decidimos fazer um fundo – metade do dinheiro era meu, metade era da família.
Era um negócio interno, mas a gente já via como um embrião para algo que viria ser a nossa nova fase – atuar muito mais como investidor do que como executivos e executores
E fomos testar isso, porque você sai de um contexto em que tem a sua própria empresa, é sócio da outra, e você que manda. Aí, vai para um modelo, principalmente sob a minha liderança, de buscar participações minoritárias em empresas.
Tinha uma tese de investimento muito ligada à minha história. Sempre busquei B2B, nunca me metia a fazer B2C, porque a minha praia é B2B2C. Minha ideia era investir em startups, em empresas que estivessem operando, e não na ideia.
Com a minha experiência de VR, fui percebendo que era cada vez mais difícil de se comunicar com as pessoas por causa das novas mídias. Então, montei um fundo vocacionado para buscar empresas brasileiras que ajudassem companhias a se comunicar e atender melhor o usuário no digital, porque percebi que com as redes sociais, o usuário passaria a ter uma força que ele nunca teve.
Lá atrás, investi na Fbiz, que era a segunda maior agência digital do país. Depois, investi na [plataforma de relacionamento com o consumidor] Direct Talk. Dentro dela nasceu outra empresa de social listening – pra ouvir o que as pessoas falavam das marcas nas redes sociais. Fomos uma das primeiras do mundo a ter um robô que fazia isso
Ela começou a ir bem até que uma empresa gringa, a Seekr, que fazia a mesma coisa para clientes maiores – a gente atendia mais clientes de médio porte – comprou 70% em 2017 e viramos Hi Platform. Os outros 30%, eles deram ações, então até hoje tenho participação na Hi Platform, o evento de liquidez será no final do ano. A empresa vai muito bem, foi pra IPO e tal.
É um software de atendimento, quer dizer, um atendente consegue ter a jornada inteira do consumidor, desde o momento em que ele reclamou nas redes sociais até o atendimento no robô, no bot.
Depois tive uma passagem pelo live entertainment, algo em que eu acreditava muito. Fiz um investimento na Mondo que trazia shows, fez a abertura do Pan-americano [os Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007] e o grupo ABC do Nizan Guanaes comprou em 2008, virou a XYZ Live. Mas eles erraram a estratégia, não deu certo.
Teve duas [empresas investidas] que não deram certo: um smartcard para um clube de fidelização do varejo e um negócio de analytics para entender como transformar dados capturados em inteligência.
Como se deu a criação da e.Bricks Ventures em 2011, cujos sócios eram Pedro e Duda Melzer, você e Cláudio Szajman?
Um dia conheci uma empresa chamada iFood. Fui até a Warehouse Investimento, que foi o primeiro investidor do iFood, pra conversar e lá conheci o Pedro Sirotsky Melzer, irmão do Duda [Eduardo Sirotsky Melzer].
Eu já estava com a 1188 e o Pedro, com a Warehouse, então depois nos cruzamos em outro deal. Começamos a disputar deals, sendo que éramos uns dos únicos que faziam venture capital na época. Aí, decidimos juntar forças.
Desde a época da VR, meu irmão já tinha um namoro com a RBS [afiliada da Rede Globo na qual Duda Melzer trabalhou como executivo por 16 anos] que não tinha andado, então o Cláudio achou perfeito. Aí nasceu a e-bricks ventures [em 2020, ao unir-se com a Joá, passou a se chamar Igah Ventures].
Na e.bricks também foi uma jornada com startups – desde empresas que saíram do zero e foram até o IPO como a Infracommerce, na qual fomos o primeiro investidor.
Lá foram 32 empresas investidas, foi uma jornada bacana, de admiração recíproca e de resultados. O fundo vai dar cerca de quatro vezes o retorno do valor investido… ainda tem empresas nos fundos I e II.
Resolvemos não avançar no fundo III com eles, porque teve a volta da VR Benefícios pro mercado, em 2013 [sob a liderança de Cláudio Szajman]. Sob o ponto de vista da família, a gente resolve direcionar os nossos esforços pra VR, e passamos a fazer corporate venture capital: aquisições de empresas que tenham a ver com o ecossistema da VR Benefícios.
(A VR Benefícios já fez aportes em três startups: PontoMais, de controle de ponto online; Audaz Tecnologia, especialista em gestão de mobilidade corporativa; e Global Points, que atua no desenvolvimento de marketplaces e programas de fidelidade.)
Então, não fazia mais sentido ter um braço isolado de venture capital. Eu e meu irmão decidimos que nosso braço de investimentos seria proprietário, quer dizer, a gente resolveu não abrir [captação no mercado].
Você viveu fora do Brasil entre 2012 e 2019. Foi, em termos profissionais, um período de aperfeiçoamento do André investidor?
Resolvi morar fora porque depois de trabalhar tantos anos e ver amigos lá fora, quis experimentar. Eu já tinha casado. Passei dois anos em Nova York, depois cinco anos em Miami. Nesse ínterim, tive quatro filhos: três meninas e um menino.
Em Miami, você tem qualidade de vida ótima, é maravilhoso para criar os filhos, pode andar até a escola. Mas o lado empresarial… eu não mexo com mercado imobiliário, com mercado financeiro e nem com turismo. Aí, propus ao meu irmão criarmos uma plataforma de investimentos de venture capital para fora [do Brasil], como a gente já tinha feito aqui.
Estruturei isso e montamos a VR Investimentos, uma plataforma de investimentos nos Estados Unidos através de uma estratégia de fundo de fundos – são cerca de 80 fundos. E montamos acordos com Europa, Israel e um pouquinho de Ásia, que fazemos mais indiretamente.
Fizemos isso para estar perto da inovação não só no Brasil. Montamos essa estrutura para dar retorno sobre o nosso capital e para estarmos próximos da inteligência e do que está acontecendo de inovação no mundo. Porque ler relatório não adiantava mais: a gente precisava estar junto desses players que estão fazendo essas transformações
Hoje, temos uma tese bem estruturada, uma matriz de investimentos; olhamos muito, já há algum tempo, o mercado de energias renováveis novas, o ecossistema de energia limpa, enfim, as teses misturam o que hoje se chama de impacto ou ESG. Mas sempre fizemos investimento para impactar vidas e trazer melhorias para a sociedade.
Hoje, você está montando um fundo para investir em startups da periferia. Em outra ocasião, você já disse que, na volta ao Brasil, levou um “choque de realidade” ao participar de um evento, no Insper, com empreendedores periféricos. Porém, há muita gente que, mesmo indignada, não se move. O que fez você agir em direção ao investimento de impacto?
Voltei pro Brasil porque eu já estava insatisfeito lá [nos EUA]. Queria fazer mais como empresário e empreendedor. Comecei a falar com algumas pessoas, entre elas o Eduardo Mufarej, que já era parceiro nosso, meu irmão foi um dos cofundadores do RenovaBR.
Conversei com o Edu, disse que queria ser mais transformador e ele contou do projeto do app Tem Meu Voto, criado em 2018 que pretendia ser o Tinder do voto – juntar candidatos com eleitores a partir de preferências, de semelhanças de interesse.
Achei aquilo bem legal, estava vindo a eleição de 2020 [para prefeitos e vereadores] e retomamos. Refizemos a parte de tecnologia e, no fim, 7 milhões de pessoas usaram a ferramenta, que está guardadinha e vai voltar este ano. Eu não estou tão envolvido agora, mas sei que vai voltar.
E as coisas são conectadas… o Leandro Machado, um dos fundadores do Tem Meu Voto com o Edu, me liga e convida para um evento para 100 lideranças de favelas e periféricas com pessoal de pesquisa, secretário de cultura, secretário de educação e empreendedores.
Nesse evento, o Luciano Huck estava conduzindo e pediu para eu me apresentar. Falei da minha família, dos negócios – e quando falei da Trama, cada um começou a contar de um show que viu… Aquilo me tocou profundamente, até chorei. Fiquei arrepiado, porque tive a percepção de que aquele negócio tinha dado chance para artistas de periferia
A gente aparecia muito nos cadernos de cultura Brasil afora, que pessoas mais elitizadas liam. Só que a gente [também] fazia projetos como o Música na Rua, que parava um caminhão e tocava. Naquele dia, percebi que aquilo não tinha sido simplesmente um movimento dos cadernos de cultura. Foi algo pra periferia, que impactou aquelas pessoas.
O evento durou um dia, foram 10 horas de coisas positivas. Teve sim, um momento que me gerou a insatisfação maior, quando o Renato Meirelles mostrou uma pesquisa do Instituto Locomotiva e do DataFavela dizendo que nós “do asfalto” quando pensamos em favela, a ligamos a pobreza, violência e tráfico de drogas. E as pessoas da favela a enxergam ligada a família, alegria e amizade.
O nosso olhar [negativo] é totalmente equivocado. Já saí do evento com aquela energia máxima e, no mesmo momento, decidi que era com isso que eu ia trabalhar. No dia seguinte, liguei pro Renato, ele me apresentou pro Celso Athayde da CUFA e a gente começou a falar. Em janeiro de 2020, falávamos em fazer um fundo de investimento – mas veio a pandemia e tudo parou.
Fiquei muito próximo da CUFA, foi uma coisa mágica. Era um momento terrível da humanidade e a gente estava lá fazendo um negócio que alimentava a alma. Criei com o Celso a campanha Mães da Favela, por telefone
Em novembro de 2019, eu já tinha contratado o Danilo Lima, um pensador da nova juventude, que começou na EDUCAFRO como aluno e foi CEO, participou da elaboração de políticas públicas. Disse ao Danilo que queria conhecer o ecossistema de empreendedorismo nas favelas. Então, faz dois anos que estou estruturando meu pensamento, conhecendo as pessoas que fazem aceleração, as escolas de empreendedorismo, e identificando parceiros.
O Celso Athayde acelerou demais. Ele achou os parceiros, produziu a Expo Favela e saiu fazendo o fundo dele. Do meu lado, eu tentava entender o ambiente, a situação. Disse ao Celso para ele seguir em frente. Somos parceiros, falamos direto.
Continuei estudando o negócio, outras pessoas chegaram pro time. Agora, isso está culminando na estruturação de um fundo regulado, com CVM e tudo direitinho. Acredito que em 60, no máximo 90 dias, dependendo dos trâmites legais, a gente esteja com o fundo pronto.
Qual será o valor e nome desse fundo?
Ainda não posso divulgar o nome, mas pra começar o primeiro movimento, a gente está pensando em 50 milhões de reais. Ao longo dessa jornada, estou vendo se tem fluxo de deals.
Não adianta você captar 100 milhões de reais – o que são 20 milhões de dólares e, sob o ponto de vista de quem trabalha com investimento, não é tanto dinheiro assim –, se não tivermos os negócios nas características que a gente já definiu: já estar operante, já ter um produto e, eventualmente, de já ter até determinado valor de receita
Agora, o filtro principal que nós buscaremos é: a geração de renda local nas zonas de periferia e favelas e escalabilidade. Quero olhar um negócio parecido com o que já me envolvi, o Nossa!Cozinhas.
Por que você decidiu investir capital anjo no Nossa!Cozinhas, em 2021?
Achei interessante porque vi que durante a pandemia os negócios de alimentação que sobreviveram foram os que implementaram seus deliveries e tiveram resiliência. Eles estavam abertos, operando, enquanto a gente teve que fechar as empresas, os varejos. Isso acendeu minha luz.
Eu e os empreendedores Isabela Ribeiro e Hamilton Silva [fundadores do Nossa!Cozinhas e do Silva Delivery] nos demos muito bem. Vi naqueles empreendedores um alto potencial de “esponja”, de estarem muito abertos a absorver. Porque às vezes você sente que há pessoas mais reticentes em receber.
E a gente está aberto a receber pra caramba, também! Não adianta achar que fazer investimento lá vai ser do mesmo jeito que fazer investimento na Faria Lima. O empreendedor não tem nem faculdade, está fazendo agora… Ele não vem de Harvard ou de Stanford, é outra jornada. Uma jornada mais calma, mais longa, e realmente transformadora
Enquanto estávamos conhecendo o ecossistema e os players, acabamos investindo na Nossa!Cozinhas, que estava alugando posições, e junto no Silva, que são os entregadores do last mile. Até estamos estruturando pra ser um business separado mesmo, que chega aonde os outros não chegam.
O nosso entregador põe a bicicleta debaixo do braço, sobe as escadas, vai uma casa lá em cima do morro e entrega a refeição para aquela senhora que pediu e está tendo a oportunidade de ter o mesmo serviço que temos aqui no centro.
Esse negócio tem potencial de virar uma franquia. Digo que ficaria feliz se visse uma franquia do Nossa!Cozinhas na [Avenida] Paulista, mas não é esse o objetivo! Nosso objetivo é levar o Nossa!Cozinhas pra onde não tem esse tipo de serviço.
Esse investimento-anjo foi uma forma de entender melhor essas pessoas e como você poderia se aproximar delas?
Totalmente. Uma coisa é treinar, outra coisa é jogar. Então, a gente está jogando.
Muita gente me pergunta se já tivemos problema com criminalidade no negócio, porque tem esse olhar preconceituoso. Na verdade, o percentual de pessoas do mal é mínimo! A maioria são pessoas trabalhadoras, que movem o país…
No final das contas, não sabemos se a cozinheira que está com a gente – hoje são 100 cozinheiras e cozinheiros, começamos com cinco – é mãe, tia ou avó do traficante. E que seja, porque daí ele não vem falar, porque vê que a gente está fazendo uma coisa boa para geração de renda local
O próprio entregador, será que ele é filho do traficante? Eu não sei. Não estamos preocupados com isso. E não podemos ficar com essa percepção de que “não dá pra fazer”, porque no final você mantém o status quo – que é o que a gente quer mudar. Queremos ser agentes da transformação.
Outro dia, eu estava numa reunião com o cara que está fazendo a consultoria de franquia pra gente, e ele fala: “…teve aquele cara [João Alberto Freitas] que morreu lá no Carrefour…” Passou a reunião e eu fui falar com ele: “O cara não ‘morreu’, bicho! Ele foi assassinado. Foi igual ao caso do George Floyd.”
Hoje, em cada momento que percebo uma barreira de racismo, eu tento me movimentar. Porque é uma escolha não aceitar. A gente chegou nessa situação e eu faço parte. Só que eu quero mudar daqui pra frente.
Se tudo que a gente está planejando para a Nossa!Cozinhas der certo, tem potencial de girar 3 milhões de reais em vendas de comida. Quando entramos no negócio, ele faturava cerca de 200 mil reais no ano, o que já não era pouco.
Aí entra a visão de potência, a insatisfação pessoal para transformar. Toda hora tem gente falando disso…, mas eu quero ser um dos caras que, além de falar, vão fazer alguma coisa transformadora.
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