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Ao provar o gosto amargo de uma ideia insustentável, a Foodpass foi além do design de experiência gastronômica

Maisa Infante - 23 ago 2018
Priscila Sabará fala como a plataforma — e ela mesma — precisaram se transformar e se fortalecer para conseguir crescer e se tornar um negócio de verdade.
Maisa Infante - 23 ago 2018
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Quatro anos depois, ao reler a reportagem do Draft, de setembro de 2014, que conta a história do começo da Foodpass, Priscila Sabará, 33, diz que ficou surpresa como, naquele momento, estava confusa quanto ao que tinha criado. “Estava muito crua quanto às minhas ideias e vejo que a Foodpass era um projeto, mas estava longe de ser um negócio”, diz. Com um olhar mais prático e objetivo, adquirido com os tombos e sucessos da experiência, ela conta que deixou de ser uma “menina mimada” para, de fato, tornar-se empreendedora.

A história da Foodpass foi contada pela primeira vez no Draft em setembro de 2014. Clique na foto acima para ler.

Em 2014, a Foodpass se posicionava como uma empresa de e-commerce que vendia design de experiências de comida para o mercado A e B, o que, segundo ela, se provou uma ideia insustentável.

Hoje, o negócio é uma plataforma que atua em três frentes: marketplace, conteúdo e mídia e projetos especiais. “Muita gente já me questionou sobre esse modelo, dizendo que ele não tem foco, não funciona e não é escalável. Mas sempre olhei para isso do ponto de vista da sustentabilidade. Consegui manter a operação porque estou vendendo outros serviços”, diz. E completa:

“Nossos projetos podem até não ser escaláveis, mas é uma forma estratégica de relacionamento com o mercado, com as marcas e de captação de recursos”

No início, o que a Foodpass fazia era vender tickets para experiências gastronômicas diferentes e exclusivas, algumas criadas pela própria empresa e outras desenvolvidas por parceiros. Hoje, além de tocar projetos especiais, o negócio vende tickets para eventos exclusivos de clientes.  “Comecei como um e-commerce, mas entendi que não queria administrar a lojinha e, sim, conectar outras lojinhas com as pessoas.”

Entre os serviços realizados atualmente pela Foodpass está a curadoria de eventos gastronômicos.

Essa percepção trouxe a necessidade de mudanças na plataforma, que se concretizaram entre o final de 2017 e começo de 2018. Sem uma equipe de TI interna, Priscila foi atrás de uma parceria no sistema White Label com a Ingresse, empresa de venda de tickets para eventos.

Nesse modelo, toda a experiência do usuário é feita no site da Foodpass, mas a tecnologia por trás da operação a partir do momento do clique no botão ‘comprar’ é desenvolvida pela parceira, que já tem expertise na área. “Além de economizar porque não precisei investir em desenvolvimento, tirei essa responsabilidade de cima de mim porque é muito difícil gerir um assunto que você não conhece.” Com isso, a empreendedora fica mais livre para lidar com os projetos especiais e com a curadoria dos eventos que também fazem parte da plataforma.

O ticket médio das experiências gira em torno de 220 reais, mas o preço varia de acordo com o evento. Hoje, na plataforma, há valores entre 120 e 900 reais. Um curso de queijos brasileiros para o Instituto Brasil a Gosto, por exemplo, tem preços que variam de 220 a 693 reais. No caso dos projetos, o preço depende de muitos fatores. Até hoje, a Foodpass já executou trabalhos que custaram entre 60 mil e 600 mil reais.

Lá em 2014, a FoodPass cobrava do parceiro de e-commerce 16% e divulgava os eventos pelos canais próprios. “Logo descobri que isso era insustentável. Se a única forma que tenho de ganhar é sobre o faturamento do outro, estou gastando sem garantir. E se ele não vender nada daquele evento? Hoje, não temos taxa de adesão”, fala. E complementa: “O parceiro entra com zero custo e a gente fica com 8% do que ele vende, mais 3% da taxa de cartão e cobra de 5% a 10% do cliente final. Também vendemos pacotes de mídia para esse cliente impulsionar o negócio dentro da nossa comunidade”.

O que aconteceu, de acordo com Priscila, é que a Foodpass se tornou um mercado que impulsiona a gastronomia do Brasil e já formou uma comunidade interessada nisso. “É muito mais barato e inteligente estar dentro de um marketplace do que sozinho querer gerar lead.” Por isso, o espaço de conteúdo é relevante. Hoje, o site tem um blog e a Foodpass TV. “Desde o início, quando fixei este lugar de conteúdo e mídia na Foodpass, criei uma estratégia para gerar lead para o marketplace. E os projetos sempre foram o lugar de financiamento, porque vender a nossa inteligência para as marcas é uma forma de injetar dinheiro no negócio”, diz.

Na área de conteúdo, a Foodpass acaba de lançar a websérie Talentos da Gastronomia para a marca de café Nespresso.

Neste segmento, a empresa atua em quatro áreas: ativação de marca, conteúdo, consultoria e projetos especiais. O trabalho mais recente é a websérie Talentos da Gastronomia, da Nespresso, que teve curadoria da Foodpass e faz parte da estratégia da marca de cafés de se conectar com o público do mercado A e B. Também trabalhou com a Ypióca, a Coca-Cola, a Turismo de Portugal, entre outras.

OS PRAZERES E AS DORES DE EMPEENDER

A jornada da Foodpass ensinou para Priscila que ser empreendedora exige dedicação, renúncia e um constante aperfeiçoamento. No ano passado, quando decidiu construir a nova plataforma do zero, ela pensou em desistir, mas não o fez porque acredita no poder de transformação do alimento. “Carlo Petrini, do Slow Food, diz que as pessoas não são consumidoras, são coprodutoras. E a FoodPass é isso. No momento em que alguém compra o ticket antecipado, está ajudando quem vai fazer a sua comida a se planejar, diminuir o desperdício.”

Porém, entre ter um projeto e ele se transformar em um negócio, o caminho foi árduo e exigiu mais do que paixão. Foi preciso abrir mão de prazeres como viagens, consumo, encontros, finais de semana de descanso e aprender que empreender é sair de uma ideia e construir um negócio rentável. “Se não for dar resultado, é melhor guardar o projeto na gaveta.” Nesse momento, Priscila diz que perdeu a ingenuidade e ganhou maturidade, como fala:

“Minha vida, meu negócio e minha profissão estão em jogo. Aprendi que não posso achar que o dinheiro é só uma consequência. Essa é a diferença entre projeto e negócio”

Claro que isso não significa fazer algo que não se gosta ou acredita, no entanto, entender que, no pacote do empreendimento, vem uma cota de realização, mas também muitas coisas chatas e até incômodas. “Amo muito o objetivo principal do meu negócio, mas tem uma porção de coisas que não tenho prazer nenhum em fazer. Houve aí uma maturidade de parar de ser mimada e buscar só prazer e felicidade na vida”.

O PRIMEIRO APORTE FOI FAMILIAR. AGORA ELA PENSA EM IR MAIS LONGE

O investimento para colocar a nova plataforma no ar foi possível com um empréstimo de 120 mil que ela pegou com o pai, que é um empresário bem sucedido. Se por um lado esse dinheiro a ajudou a construir o negócio, trouxe ainda mais responsabilidade e cobrança pessoal. “Este ano fui muito rígida e durona comigo porque peguei mais dinheiro da família, então tinha que funcionar. Comecei 2018 muito determinada e, no primeiro trimestre, trabalhei todos os dias, sem folga. O primeiro final de semana em que não trabalhei foi em junho”, conta.

A projeção para este ano é faturamento cerca de 4 milhões de reais. Em 2017, o faturamento foi de 3,5 milhões de reais. A resiliência aprendida nos tempos de jogadora de vôlei profissional cresceu com a jornada empreendedora. Trabalhando com uma equipe de seis pessoas, Priscila se sente ainda mais responsável em manter a empresa financeiramente saudável, honrar os compromissos com os funcionários e ser uma entusiasta do negócio, apesar do cansaço que vem com a opção de fazer tudo sozinha, como diz:

“Há um peso em empreender, não ter sócio, carregar todos os bônus e ônus no seu CPF. Somos seis pessoas ganhando pouco, trabalhando muito e correndo grandes riscos”

Hoje em um “vácuo gostoso”, como ela diz, com o site funcionando como ela queria, Priscila começa a pensar em ter um sócio estratégico, talvez da área de TI ou gestão. “Já descobri que nenhum investidor vai colocar dinheiro no negócio se eu não tiver um sócio, porque o mercado não acredita que isso é possível.” E se até agora ela não pensou em ter um investidor, parece que chegou o momento. Neste mês, começa um processo de mentoria no Programa Itaú Mulher Empreendedora, no qual pretende validar seu modelo de negócios, ouvir o que nomes experientes do mercado têm a dizer, aprender, perguntar e, no final, quem sabe, conseguir um aporte.

Este passo não vem sem o medo de tomar alguma decisão errada. “Vários amigos de startups foram deglutidos porque o investidor vem com uma visão totalmente de cima para baixo. E o que a gente tem tentado fazer é construir as relações da forma que acreditamos, com flexibilidade, horizontalidade e autonomia. Mas o quanto os investidores estão preparados para construir novas empresas?”

Existe uma grande vontade de Priscila de levar a FoodPass para outro país. Na verdade, é até mais do que uma vontade, quase um objetivo. Há, inclusive, uma conversa com um investidor de Portugal. “Acho que manter a operação aqui é importante porque já nos provamos relevante no mercado A e B, mas acredito que temos uma potência para ir para fora.”

Sem conseguir se ver em outro lugar a não ser o de empreendedora, Priscila diz que a cadeia do alimento é uma porta para novos negócios no Brasil e que percebeu isso por causa do caminho que a Foodpass trilhou e pelos lugares em que pode ir depois de construir o negócio. “No ano passado, desenvolvemos um projeto para a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) e fui convidada para participar do Fórum para o Futuro da Agricultura, em Bruxelas. Ali, entendi que a grande potência do Brasil é a produção de alimentos e que existem inúmeros desafios e oportunidades nesse meio.” O plano, mais para frente, é criar um modelo de incubadora, aceleradora e fundo para negócios da cadeia do alimento. “Esse seria um projeto do coração”, diz.

COMO RESGATAR O LUGAR FEMININO NO EMPREENDEDORISMO?

Construir uma empresa do zero, mudar o rumo do negócio no momento em que as coisas não iam bem e insistir em continuar são tarefas árduas. Fazer isso sendo mulher na faixa dos 30 anos e negra fez com que Priscila se “masculinizasse”, como ela mesma afirma. “Hoje, na minha terapia, o principal tema em discussão é o feminino.”

Ela conta que na vida de empreendedora já viveu situações de assédio, abuso e, até por proteção, foi se fechando em uma posição considerada mais masculina.

“Para me impor como empreendedora, assumi uma postura mais dura. Não me arrependo de nada, mas agora estou buscando retomar esse lugar do feminino”

As experiências com diretores, empresários e homens que usam do assédio e do machismo para se colocarem como superiores a fizeram refletir sobre a participação feminina no mercado de trabalho. Ela diz: “Não é que o mercado está mais aberto para o público feminino. As mulheres se masculinizam para entrar em altas posições”.

E prossegue: “Acho que as mulheres têm muitas coisas positivas para agregar aos negócios, como a nossa intuição, pluralidade capacidade de ouvir e de empoderar os outros. Mas, infelizmente, a gente não pode porque as pessoas passam por cima”. Agora, já mais calejada e com experiência para lidar com essas situações, ela tenta retomar esse espaço para se sentir ainda mais plena para dar os próximos passos. Não faltará apetite.

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