Em meio ao momento mais recrudescido da pandemia de Covid-19, quando os acessos aos parques e outros espaços públicos estavam restritos ou fechados, os artistas do Coletivo Foi à Feira foram ao Ibirapuera. Lá, captaram, em áudio, entrevistas com trabalhadores do local.
As falas deles foram mixadas, de forma aleatória, e mescladas a “sons pandêmicos”, como aquele conhecido barulhinho do aplicativo de mensagem instantânea, e outros áudios históricos. O resultado foi emitido em caixas acopladas a uma grande estrutura de ferro em formato de esfera, com aspecto futurístico, que atrai de longe a atenção.
A obra, batizada de Objeto Horizonte, ficou exposta no próprio Parque Ibirapuera como parte da 10ª Mostra 3M de Arte entre novembro e dezembro de 2020 – e, em um movimento inédito, ganhou itinerância e passeia, ao lado de outras, pelas cidades de São Paulo e Campinas.
A Mostra 3M de Arte foi criada em 2010 com o objetivo de democratizar o acesso à arte e de estimular a formação de um novo público apreciador de arte contemporânea.
“Ela é um dos projetos de arte contemporânea mais longevos do país”, orgulha-se Fernanda Del Guerra, sócia-diretora da Elo3, produtora cultural responsável pela realização da mostra, que conta com o patrocínio da 3M Brasil via lei de incentivo à Cultura.
A 10ª Mostra 3M de Arte conta com trabalhos de 10 artistas. “Eles foram convidados a desenvolver trabalhos inéditos comissionados. Seis foram escolhidos pela curadora, Camila Bechelany, e os outros quatro, selecionados via edital público nacional”, explica Fernanda.
O tema da 10ª edição é “Lugar Comum: travessias e coletividades na cidade”. Ele já havia sido escolhido antes de a pandemia assolar o mundo – e acabou se mostrando uma discussão ainda mais pertinente. “Muitos projetos foram criados como forma de nos estimular a repensar os espaços comuns”, diz.
Fazem parte da Mostra trabalhos de artistas renomados como Luiza Crosman, premiada no Sabam for Culture Awards, de Bruxelas, ou Lenora de Barros, cuja obra faz parte de coleções como do Hammer Museum (Los Angeles), do Museu d’Art Contemporani de Barcelona, do Museu de Arte Moderna de São Paulo e da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Mas a iniciativa também dá espaço para obras de artistas em ascensão, como Maré de Matos, que trabalha muito com a temática negra, e Diran Castro, que gosta de colocar em debate a questão da transexualidade e do gênero.
As exposições, ao longo dos 10 anos, já aconteceram em espaços importantes como Instituto Mackenzie, Galeria Marta Traba (Memorial da América Latina) e Instituto Tomie Ohtake, todos em São Paulo, e na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro.
Desde o sétimo ciclo, para ser cada vez mais fiel ao propósito de democratizar a arte, a Mostra acontece em espaços públicos. Para a edição comemorativa de 10 anos, o Parque Ibirapuera foi escolhido a dedo: o importante espaço público é um “lugar comum” a todos na capital paulista.
Por causa da pandemia, as comemorações do 10º ano de Mostra tiveram que ser revistas. “Queríamos muitas outras ações da exposição no Parque, mas não houve tempo, por causa das restrições da pandemia, e nem clima”, explica Fernanda.
Dessa forma, os organizadores trabalharam em três frentes:
Objeto Horizonte, do coletivo Foi à Feira, está desde 28 de junho, e fica até 19 de agosto, no Parque Tenente-Brigadeiro Roberto Faria Lima, que fica no Parque Novo Mundo, na Zona Norte de São Paulo. Ainda este mês, ela segue para a Estação Sé do Metrô, e lá fica entre 27 de agosto e 28 de setembro.
O trabalho O que Ouve, de Lenora de Barros, vai estar exposto entre 1º e 28 de setembro na Estação Alto do Ipiranga do Metrô. “Essa obra é um poema, sonoro, que vai sendo ouvido em etapas, conforme a pessoa passa por cinco caixas de som”, conta Fernanda.
Em outubro, Objeto Horizonte viaja até Campinas, ao Parque Portugal, conhecido como Parque do Taquaral, onde fica exposto o mês todo. Campinas recebe também O Brilho da Liberdade Diante de Seus Olhos e Astral, um “dois-em-um” de Rafael RG.
A primeira, uma instalação sonora, alia pesquisas acadêmicas, conhecimentos mantidos pelas tradições orais e culturas afro-diaspóricas. Nela, astrólogos fazem leituras de nossa atual situação política a partir da localização dos astros. Já Astral é uma crítica ao apagamento das histórias de resistência de escravizados.
“Essa itinerância é muito importante porque a Mostra leva a reflexão para vários lugares de travessias e espaços coletivos”, afirma Fernanda. “E dar acesso à arte a pessoas que geralmente não têm é nosso objetivo.”
E para quem se pergunta por que Objeto Horizonte passa por todos os locais, a produtora explica: “O público é convidado a expressar sua perspectiva de futuro comum nas cidades. E a ideia do coletivo é fazer uma mixagem disso e, no futuro, divulgar”.
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