Cento e trinta e cinco anos. Esse é o tempo estimado pelo Fórum Econômico Mundial para atingirmos a igualdade de gênero completa no mundo. No campo econômico, esse tempo é ainda pior: 267 anos.
Já no campo político, a estimativa é que levaremos 145 anos ante os 98 estimados antes da pandemia. É mais de uma geração que vai sofrer consequências injustas e violentas se não mudarmos o passo das coisas.
A pandemia contribuiu e muito para que esse cenário se agravasse. Como mulheres, representamos 96% das 480 mil vagas de emprego no Brasil em 2020.
Mães solteiras sofreram muitas vezes mais para encontrar empregos com as creches fechadas e para alimentar seus filhos, frequentemente fazendo isso com benefícios sociais mal desenhados, que permitiram até mesmo a pais que não pagavam pensão sequestrar as transferências emergenciais.
Os índices de violência contra a mulher subiram muito após o início da pandemia e seguem altos. Retrocedemos muito, em tantas áreas… E deveria contar entre as prioridades do poder público consertar os desequilíbrios e trabalhar pela vida das mulheres — e consequentemente, de nossas crianças
Mas isso não está acontecendo.
Enquanto aprovam isenções fiscais, benefícios e emendas que facilitam a própria reeleição, nossos governantes e parlamentares mantêm um veto que permite a criação de filas ao Auxílio Brasil (novo Bolsa Família) e ignoram projetos já protocolados que incentivariam a contratação de mulheres.
Claro que é assim. Afinal, como mulheres, somos apenas 15% dos parlamentares eleitos — mesmo que sejamos 53% da população.
Somos um dos países mais atrasados no mundo em relação à representatividade de gênero na política: caímos do 108º para o 142º lugar, entre 2019 e 2021, ficando atrás até mesmo de países como o Irã, segundo o Inter-Parliamentary Union.
Então, com centenas de homens, brancos, engravatados e de classe média alta no poder, como teríamos assuntos femininos e mesmo de crianças como prioridade? A perspectiva de gênero lhes falta, e muito.
Fica claro, portanto, que não seremos prioridade — e que, consequentemente, não avançaremos como país enquanto nosso Congresso não tiver mais mulheres.
Até porque mais mulheres na política resultam em um país melhor para todos. Pesquisas mostram que mais mulheres na política levam a menos corrupção e mais investimentos em educação e saúde.
Um estudo em cidades brasileiras demonstrou que lugares com mulheres à frente da gestão tiveram uma diminuição da taxa de mortalidade infantil. Elas foram também mais eficientes no combate à pandemia, garantindo menos mortes em locais onde lideraram governos
Por fim, na pauta feminina também temos exemplos importantes no nosso país de ações feitas por elas para melhorar a sociedade, como a reversão do veto à lei de pobreza menstrual, em março.
Foram meninas, em todo o país, da rede da ONG Girl Up, que começaram a mobilização pela dignidade menstrual. E foram elas, aliadas a parlamentares mulheres, que conseguiram mobilizar para que houvesse dezenas de projetos de lei — e leis aprovadas em estados e municípios — até que finalmente existisse uma lei federal.
Nossas parlamentares são poucas, mas são eficientes. Imaginem o que seria possível fazer com muitas de nós ocupando cargos políticos?
Infelizmente, essa não é uma tarefa simples. Mudar a cara do Congresso é urgente. Mesmo ao tomar o corajoso passo de se candidatar, ainda são muitos os obstáculos que as mulheres enfrentarão.
Em primeiro lugar, temos uma sociedade e, principalmente, uma política machista e violenta.
Assédio, ameaças e violência política de gênero são eventos comuns e diários para candidatas, mulheres eleitas e mesmo para aquelas que trabalham no dia a dia da política
Em segundo lugar, mesmo que contem com uma vaga para a candidatura — nossa legislação garante que ao menos 30% das vagas sejam reservadas a mulheres —, as candidatas recebem muito pouco dos partidos ao concorrerem no pleito.
Os recursos para a campanha, mesmo obrigatórios por lei, muitas vezes não são repassados ou são desviados para candidaturas masculinas.
Apoio político é raro e muitas vezes só vem quando estas mulheres já estão ligadas, politicamente, de alguma maneira, seja por conta de um marido ou um padrinho político — o que não acontece na vasta maioria dos casos.
Por último, temos uma sociedade machista que também não as apoia. Doações de pessoa física são quatro vezes maiores para candidatos homens do que mulheres, segundo dados de 2018.
Há o questionamento constante do seu lugar na política: “E seus filhos, o que vai fazer com eles?” ou “Lugar de mulher não é na política” e ainda “Você é candidata mesmo? Deixa eu ver a comprovação”
Esses são alguns dos comentários que mulheres têm de ouvir. Psicologicamente, o peso de uma campanha, que já é alto, fica ainda maior.
Com esse cenário, não é de se admirar que ainda estejamos tão atrás de outros países — e com uma política tão desigual e masculina.
Tivemos poucos avanços institucionais, como o fato de que os votos de mulheres e negros contarão em dobro na hora de computar a distribuição do fundo partidário e eleitoral.
Além disso, hoje 30% das candidaturas são reservadas às mulheres; em tese, quando isso é cumprido, 30% dos recursos de campanha são reservados a elas.
No entanto, mesmo esse último ponto corre risco, já que tramita na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição para anistiar partidos que não cumpriram essa determinação nos últimos anos, flexibilizando a legislação vigente.
A verdade é que se quisermos realmente mudar esse cenário precisamos da mobilização de toda a sociedade. Nesse ano de eleições, se quisermos um país mais justo, menos desigual, mais desenvolvido e que invista em educação e em saúde, precisamos urgentemente nos envolver e trabalhar para virar o jogo da representatividade.
Então se você, assim como eu, acredita que só teremos uma democracia completa com a representação igual de mulheres na política, pedimos que faça parte desse movimento.
Encontre uma ou duas candidatas que te representem, se voluntarie nas campanhas, doe, fale sobre elas para seus amigos e amigas… Se as mulheres não têm apoio de partidos e sofrem violência na política, que sejamos nós o apoio que elas precisam para serem eleitas
Que, mais do que isso, possamos ser a ponte para uma política mais justa e igual. A necessidade é urgente e a oportunidade é agora. Não podemos esperar 145 anos pela política e pelo país que merecemos.
Isabela Rahal é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Columbia, Coordenadora Legislativa na Câmara dos Deputados e Diretora de Articulação Política da Elas no Poder.
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