Desde que ouvi falar de DNA pela primeira vez, a genética me fascina.
Afinal, o que pode ser mais empolgante do que acessar o segredo da vida, o manual de instruções de um organismo, a fita dupla altamente organizada e inteligentemente retorcida de moléculas de origem ainda misteriosa que surgiu com o propósito de se replicar e — com tempo, intempéries e teimosia — gerou todo tipo de seres que habitam o mundo que conhecemos?
Compactando magicamente 6,1 bilhões de pares de letrinhas de uma forma muito específica no núcleo de cada uma de dezenas de trilhões de células de diversos tipos e funções, essa fita helicoidal permite a complexidade de um ser que contempla sua própria existência e origem: você.
A propósito, interpretar seu manual de instruções ajuda a responder as três questões filosóficas fundamentais. Se você não se lembra, elas são: Quem sou? De onde vim? Para onde vou?
Você pode ter reparado na assinatura deste texto que meu nome é Daniel Schneider. Isso dá uma pista da minha origem, mas não me define, porque eu não sou (apenas) alemão. De fato, um ramo dos meus ancestrais recentes vivia nos arredores de Leipzig, no país hoje conhecido como Alemanha. Mas, segundo os algoritmos que leram meu DNA em busca de variantes regionais, eis o consenso da minha composição de ancestralidade genética:
52% Ibérico;
22% Escandinavo;
7,5% Norte-africano;
6% Inglês;
5,5% Italiano;
3,5% Nigeriano;
2% Ameríndio;
1,5% Maasai.
Conforme esperado pela minha história familiar, que também é válida para a maioria dos brasileiros, predomina a ancestralidade ibérica (Portugal e Espanha) e aparecem traços do Norte da África (provavelmente dos povos mouros que também dominaram o sul da Península Ibérica há poucas gerações), da África Subsaariana (no meu caso, Nigéria e o povo Maasai, retratos do período da escravidão no Brasil), e ameríndio.
As surpresas, no meu caso, ficaram por conta dos povos escandinavos (Noruega, Dinamarca, Suécia), ingleses e italianos, de que ainda não tenho notícia dentre os ancestrais recentes. Meus irmãos também fizeram o teste e têm resultados semelhantes.
Mas você deve ter reparado que, nessa lista, não há Alemanha. Isso significa que a história da família estaria errada? Ou, talvez, que não somos descendentes de quem achamos que somos? Não (pelo menos nesse caso!), e daqui a pouco isso vai ficar claro.
Esse é um assunto mais complexo, mas, por enquanto, vale dizer que esses algoritmos ainda estão em evolução. Conforme mais pessoas (de mais regiões e origens) fizerem o teste, os bancos de dados vão se tornando cada vez mais representantivos, de modo que as pesquisas avançam e os cálculos se aprimoram, gerando um círculo virtuoso
No meu caso, posso dizer que é bastante provável que parte da ancestralidade determinada como escandinava e inglesa se refere a esse ramo alemão (todos são povos com ascendência germânica), bem como um pouco ao ibérico também, pois imigrantes escandinavos e holandeses chegaram a Portugal, especialmente às ilhas (os arquipélagos de Açores e Madeira), de onde vieram muitos colonos para o Brasil.
Quanto à fatia italiana, é outra que também ainda se confunde com a ibérica nessas estimativas. Já os lados africano e ameríndio muito provavelmente estão subestimados, já que infelizmente essas populações ainda não estão bem representadas nos bancos de dados.
Por mais que esse retrato das origens ainda não seja tão preciso, precioso ele é. E a maioria das pessoas se emociona ao descobrir de onde vieram os genes que chegaram até elas.
O site MyHeritage, um dos mais conhecidos para esse tipo de teste, traz o resultado numa animação colorindo o mapa-múndi, com músicas que representam cada população. É de arrepiar, porque, naquele momento, é como se você vivenciasse um pouco da vida de cada grupo de pessoas que, na mais absurda das improbabilidades, se entrelaçaram e acabaram resultando exatamente em você
E esse momento, meu amigo ou minha amiga, é apenas o comecinho dessa jornada.
Mas não é pouca coisa. Perceba que, só com isso, eu já posso responder muito melhor às perguntas “quem sou” e “de onde vim”: sou brasileiro, descendente de europeus, africanos e indígenas americanos, e o sangue dos guerreiros Maasai (e Vikings) corre em minhas veias!
Olhando para o DNA dos meus pais e avós, posso ir um pouco além e dizer que também descendo de judeus, provavelmente sefarditas que escaparam da Inquisição. E não tenho ascendência oriental recente.
No Brasil, as empresas mais conhecidas que comercializam esse tipo de teste são a Genera e a meuDNA.
Além de te fornecer um retrato das suas origens, a maioria dos sites que vendem testes de ancestralidade como esses também tem um sistema de conexão de familiares, que permite que, a partir da comparação automática do DNA, as pessoas encontrem parentes, próximos ou distantes.
Essa ferramenta ajuda a descobrir ainda mais sobre a família, o que inclui desde expandir a árvore genealógica até encontrar histórias, fotos e, às vezes, fazer descobertas surpreendentes, que podem ser muito divertidas ou, até mesmo, devastadoras para algumas pessoas.
No meu caso, além de comprovar que sou realmente irmão dos meus irmãos e que somos filhos biológicos dos nossos pais (nunca duvidamos, mas a comprovação é sempre um alívio! hahah) e assim por diante, acabamos descobrindo, junto com um monte de parentes desconhecidos e outras coisas esperadas, algumas um tanto quanto inesperadas.
Assim como a maioria das pessoas, na minha família a gente sabia os nomes de apenas alguns dos ancestrais recentes: até os meus bisavós e alguns trisavós. Isso coletivamente, somando as memórias de tios, avós e primas de segundo ou terceiro grau. Com algumas pesquisas documentais, chegamos facilmente aos nomes de tetravós.
Mas, quando saíram os resultados dos testes de DNA dos meus pais, uma surpresa: ali, no meio daquele monte de parentes de que nunca tínhamos ouvido falar, de repente vimos que meu pai e minha mãe eram parentes um do outro! Foi nessa hora que as letras DNA se transformaram em WTF (se você não entendeu, busca no Google, que não é aqui que vou traduzir isso, hahah).
Mas, sério, ninguém na família esperava por algo assim. Isso porque o parentesco não era tão próximo, mas também nem precisava ir tão longe assim. Com algumas pesquisas na internet e um pouco de sorte (uma dos parentes de DNA que apareceram já tinha pesquisado esses ramos), traçamos a linha de parentesco e descobrimos que meus pais têm um casal de hexavós em comum. Ou seja, eles são primos de 6º grau (ou parentes com 13 graus de distância, dependendo de como se conta). É divertido pensar que meus irmãos também são meus primos (de 7º grau)!
E essa não foi a única surpresa. Na família, a gente já tinha rumores de que o pai biológico da minha avó paterna poderia não ser o marido da mãe dela. Mas a sensação geral era de que isso seria apenas um sentimento que minha avó tinha por não ter sido criada pelo pai, já que a mãe dela foi sozinha com os filhos para outra cidade. Só que ninguém contava com o DNA: Detetive Natural Autossômico, nesse caso (risos).
Para tirar a teima, e como todos os irmãos da minha avó já haviam falecido, testamos duas sobrinhas da minha avó. Conforme esperado, o DNA mostrou que elas realmente são primas de 1º grau. Porém, a distância de parentesco de cada uma com minha avó (e com todos os filhos da minha avó) foi de um grau além do esperado. Além disso, as listas de parentes de DNA mostravam claramente uma divisão entre o ramo que era comum tanto para minha avó quanto para as sobrinhas e o outro ramo, que era comum apenas para as sobrinhas. Os irmãos da minha avó, na verdade, eram meio-irmãos dela!
O ramo que aparecia apenas para minha avó trouxe o desfecho da surpresa: o parente mais próximo que descobrimos tem um ancestral cujo nome já conhecíamos: era um compadre muito solícito que aparece no livro de memórias da minha avó e que também foi responsável por registrar o nascimento dela no cartório (só que como filha do marido legítimo)
Bingo! Pena que minha avó faleceu poucas horas antes dessa descoberta. Mas continuamos avançando na comprovação desse achado.
Além dessas revelações, o DNA ajudou a montar quebra-cabeças de outros ramos que até então estavam travados. Com mais um pouquinho de sorte e bastante persistência, chegamos aos nossos ancestrais alemães. Confirmamos essa ascendência testando uma neta dos meus trisavós que vieram da Alemanha e encontramos os registros originais de batismo num site que tem fotos dos livros das igrejas.
Depois de aprender a ler manuscritos antigos abreviados, garranchados e rasurados com diversas grafias diferentes (e eu já disse que era em alemão, né?), identificamos várias gerações desse ramo (até um nonavô!) e algumas histórias curiosas, a principal delas sendo o meu primeiro ancestral com o sobrenome Schneider. De acordo com o relato do filho que registrou o óbito, o pai teria mentido o sobrenome quando chegou à cidade (no século 18) e também a origem quando se casou, pois viera fugido (não especificou de quê). A região correta da origem e o sobrenome original estavam ali descritos. Este achado foi um verdadeiro tesouro e compensou todo o esforço para chegar até ali.
Pelo DNA autossômico, que é aquele que se mistura na hora de gerar as células reprodutivas (cromossomos 1 a 22 e, com ressalvas, também o cromossomo X), a gente consegue investigar a nossa ancestralidade recente e encontrar parentes relativamente próximos. Alguns marcadores no genoma também permitem ir mais além e apontar trechos do seu DNA que correspondem a populações da história mais antiga, como visigodos, hunos, bizantinos, romanos, vikings, sumérios, egípcios, gregos antigos, chineses antigos, africanos do período das migrações ou antes e vários outros.
Essa comparação é feita com base em bancos de dados com DNAs encontrados em múmias e até em objetos pré-históricos. É possível até mesmo saber que porcentagem você tem de DNA neandertal ou denisovano (em média, europeus têm cerca de 2 a 4% de DNA neandertal e africanos subsaarianos sem ancestrais de fora da África têm 0%)
Outra coisa muito bacana que o DNA permite identificar são as linhagens paterna e materna diretas. Pela análise do cromossomo Y (que é passado inteiro e sem mistura de pai para filho homem) e pelo DNA mitocondrial, transmitido da mesma forma de mãe para filhas e filhos, é possível identificar a qual haplogrupo de cada você pertence e, com isso, ver no mapa o caminho das migrações dos seus ancestrais diretos das bordas da árvore (pai do pai do pai do pai… do seu pai e mãe da mãe da mãe da mãe… da sua mãe) até chegar em você.
Assim, sei que minha linhagem paterna direta vem de Portugal, como eu já esperava, e que minha linhagem materna direta é de um subtipo africano imediatamente anterior às grandes migrações para fora da África. Essa eu ainda não sabia. Já suspeitava de origens africanas antes de testar o DNA e o cálculo da ancestralidade havia mostrado isso, mas, com o haplótipo, agora sei que pelo menos uma dessas origens é desse ramo específico.
Já o DNA judeu sefardita que apareceu no DNA da minha avó materna pode ajudar a identificar ancestrais cristãos-novos, fugidos da Inquisição. Nesse caso, se eu quiser, posso até solicitar a cidadania portuguesa.
Enquanto isso, conseguimos ampliar nossa árvore genealógica e ligá-la a outras na internet, chegando em alguns ramos até o século 12 (por enquanto!). Assim, já nos divertimos à beça descobrindo todo tipo de ancestrais.
Além das diversas raças e culturas, descobrimos ascendentes pobres, nobres, presos, escravizados, senhores de escravos, santos, prostitutas, bastardos, militares, barões, condes e reis de diversas dinastias e assim por diante, inclusive um bispo (pois é). Mas vou além: encontramos até mesmo uma bruxa, reconhecida na época por seus poderes sobrenaturais de cura e de identificar cursos d’água e todo tipo de energia
E tudo isso com apenas alguns meses de busca junto com meu irmão. Estamos apenas começando essa jornada, que não tem fim…
Sei que acabei de falar de bruxa, mas por essa você não esperava, não é? Mas não se preocupe, pois não se trata de necromancia. É só um modo divertido de dizer que o próximo passo nesse hobby de genealogia genética é que vou restaurar o DNA do meu falecido avô paterno! Como? Simples: comparando os DNAs dos seis filhos entre si (quatro homens e duas mulheres), mais o DNA da mãe deles e também os de duas irmãs do meu avô.
Essas comparações vão permitir filtrar os trechos que correspondem ao meu avô e recombiná-los para restaurar o original com o máximo possível de fidelidade. E sabemos que isso funciona bem porque já foi testado com pessoas cujo DNA já havia sido obtido. Essa ferramenta de bioinformática é conhecida pelo apropriado nome bíblico de Lázaro.
Quando recriarmos o DNA do vovô, poderemos usá-lo também nas pesquisas genealógicas. Na genealogia genética, a regra de ouro é testar o máximo possível de pessoas, de preferência de gerações mais antigas e ramos diferentes. Como somos empolgados, já testamos mais de 40 pessoas, em quatro empresas diferentes.
Desde que disponibilizamos nossos DNAs nas plataformas de encontrar familiares, recebemos e-mails de novos parentes com frequência. Logo num dos primeiros dias, fomos procurados por uma mulher que mora nos Estados Unidos, mas nasceu no Brasil. Ela sempre desconfiou que era adotada, mas os pais nunca falaram sobre o assunto. Depois que eles faleceram, ela fez o teste de ancestralidade e o resultado confirmou: ela não tinha parentesco com a família do casal que até então sempre viu como seus pais.
A pessoa que aparecia como parente mais próxima dela era minha avó materna, cuja árvore já tinha gerações suficientes para que eu pudesse apontar e dizer à minha nova prima: um desses casais de trisavós — ou, no máximo, tetravós — da minha avó são seus ancestrais também. Os olhos dela brilharam. Claro que era só o começo… Mas era a primeira vez que ela vislumbrava nomes que um dia viria a reconhecer como de seus ancestrais
Alguns meses (e pessoas testadas) depois, e com mais uma pitada de sorte (apareceram mais parentes dela, uma vez que esse teste tem se popularizado), ela identificou o pai, que já era falecido, e acabou chegando também à mãe, ainda viva.
Nosso elo ainda não foi identificado, mas sabemos que é pelo lado materno dela. Agora, é só uma questão de tempo — e um pouquinho mais de persistência — até descobrirmos exatamente onde as nossas raízes se entrelaçam.
As descobertas que o DNA proporciona também têm forte relação com a saúde. Então, espero que você tenha chegado até aqui com gosto de “quero-mais”: para abordar melhor o assunto, este artigo continua no portal Future Health. Siga pra lá! Aposto que você também vai querer responder à pergunta “para onde vou?”. 😉🧬
Daniel Schneider é jornalista especialista em Mídias Eletrônicas e produz conteúdo desde 2005. Atua como editor no Projeto Draft e tem passagem como repórter pela Revista Superinteressante, da editora Abril. Foi vencedor do Prêmio Malofiej com infográfico interativo e finalista do Festival Internacional Cannes Lions com projeto de marketing crossmedia.
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