Maurizio Mauro nasceu em Palermo, capital da Sicília, na Itália, e chegou ao Brasil em 1965, aos 16 anos. Entrou e saiu de várias faculdades – Física, Engenharia, Matemática, Filosofia e Ciências Políticas. Até se formar em Administração, na FGV, em São Paulo. Em 1970, começou a trabalhar com Informática. Em seguida, montou uma empresa de desenvolvimento de software. “Ninguém pagava por software. Comprava-se a máquina e os programas tinham que vir junto.”
Em 1984, Maurizio se tornou diretor de Marketing e Planejamento do Banco Noroeste. Em 1988, foi ser consultor, na Booz-Allen. Em 2001, voltou a ser executivo, assumindo a presidência da Editora Abril. “Sempre me movi profissionalmente para continuar aprendendo. Ao sair da Abril, em 2006, fui ser professor. Também participei de alguns Conselhos de Administração. Sinto que meu ciclo como professor está se esgotando. Mas quero continuar atuando com Educação.”
Prestes a completar 70 anos, Maurizio Mauro, como fica claro na Entrevista Draft a seguir, está pronto para começar de novo.
Estou lhe reencontrando num momento em que você está fechando um ciclo para abrir outro. No que você está mirando?
Estou preocupado com a Educação. Quero que ela funcione. Principalmente a educação básica. A crise que vivemos na Educação, no Brasil, é um problema de quantidade. Mas é também de qualidade. Não estamos formando nem uma base nem uma elite qualificadas. Esse é meu foco agora. Tenho uma certa frustração de não ver as coisas implementadas. Então quero ser efetivo. Acho que esse sentimento tem um pouco a ver com a idade também.
Você tem ideia de como esse desejo vai aterrissar no plano tático? Pretende atuar como empresa, ONG, pessoa física?
Provavelmente será uma atuação como pessoa física. Tenho a ideia de montar um curso à distância. Nada me encanta mais do que ajudar o outro a se transformar.
Essa sua inquietação poderia, em algum momento, lhe conduzir a uma atuação mais política?
Se eu tivesse menos idade, certamente. Ou se achasse uma forma efetiva de contribuir, eu não me isentaria disso. O problema é a forma de contribuição. Eu acho política uma coisa necessária, básica. Sou contra esse pensamento de que não precisamos de política ou de que política é algo ruim. Nós precisamos reaprender aqui no Brasil o que é política.
Temos observado uma espécie de êxodo de jovens talentos brasileiros. Voltamos a exportar cérebros. Qual é a sua visão sobre isso?
Nesse momento, o Brasil tem uma população maior do que a sua economia. Então, em termos sociais, a alternativa é emigrar. Eu sou um imigrante. Vim de um país num momento em que havia mais pessoas do que oportunidades. A razão para o desbalanço pode ser uma guerra ou mesmo erros de gestão. Aí a população é reduzida por meio do êxodo. A renda per capita aumenta – só pelo fato de que há menos pessoas, não por ganhos de produtividade. Esse é um fenômeno que sempre aconteceu. Não vejo nisso algo intrinsecamente ruim.
Você está otimista ou pessimista em relação ao futuro próximo do Brasil?
Não sou pessimista, mas estou cético. A dinâmica social em que nos encontramos pressupõe algumas outras fases claramente ruins. E quanto mais se prolonga uma fase ruim, pior ficam as demais. Precisamos encaminhar a refundação da nação. Penso que precisaríamos de um corpo legislativo com um núcleo duro muito efetivo, coeso e esclarecido. E disposto a fazer o que tem de ser feito. Sem isso, continuaremos nessa não-solução dos grandes encaminhamentos nacionais.
Nesses 12 anos desde que você saiu do mundo corporativo, atuando com a TTLM, sua empresa, você foi mais consultor, mais investidor ou mais professor?
Definitivamente fui mais professor. Mesmo nos poucos investimentos que fiz (Maurizio é sócio da Hive e cria cabritos), nunca me preocupei com outra questão que não ensinar. Até como investidor, meu foco sempre foi aportar conhecimento e experiência, e não apenas recursos.
Onde você foi mais feliz? Atuando como consultor, executivo, professor ou investidor?
Para mim, a satisfação sempre esteve no recomeço. Então não consigo fazer essa comparação entre as diversas carreiras que tive. Trabalhei em muitos setores – Tecnologia, Serviços Financeiros, Mídia, Educação. Para mim, reaprender e incorporar novos conhecimentos sempre foi a maior fonte de felicidade. E o finzinho dos ciclos, depois de solucionados os desafios, sempre foi muito traumático.
Como será o mercado de trabalho daqui para frente?
Em primeiro lugar, o mercado estará mais orientado a serviços do que à indústria. Sempre haverá indústria, mas a grande demanda será por serviços. Serviços muito variados. Acredito que meus netos, durante a sua vida profissional ativa, exercerão de cinco a seis atividades diferentes.
Qual o lugar do empreendedorismo nesse cenário?
A ideia de carreira, como existiu até hoje, já deu sinais de esgotamento. Muito do que hoje se discute como empreendedorismo tem a ver com o fato de que a lógica industrial do emprego não funciona mais. Você está sendo forçado, sem nenhuma ajuda, a buscar outras formas de atividade para se sustentar. A economia não consegue oferecer mais as oportunidades convencionais de trabalho e as pessoas estão tendo que mudar, queiram ou não.
Qual é a sua visão sobre a Nova Economia, esse capitalismo movido à Inovação?
A primeira característica é que a demanda por capital diminuiu muito no mundo. Então, trata-se de um capitalismo em que o capital não é mais fundamental. A abundância de investidores espelha uma liquidez exacerbada. E liquidez nessa proporção significa que não há demanda para tanto capital. Não há oportunidades suficientes, não há alocação possível e rentável para tanto capital.
Tem mais dinheiro do que projeto bom?
Sim, pode-se dizer dessa maneira. E a lógica do capitalismo já começa a empacar aí. A maioria das pessoas não precisa mais de capital para montar o seu negócio. Isso leva a uma mudança real na economia – isso que você chamou de Nova Economia, embora eu ache que seja apenas uma revisão do capitalismo. Na hora em que se considera que o capital não é mais tão necessário, economicamente você está liberando, em certa medida, os poderes de criação e de trabalho de um monte de gente. A própria relação entre capital e trabalho muda. Não se trata mais de uma oposição. Com mais gente trabalhando de modo independente de um patrão, teremos uma economia mais pulverizada, com mais poder para os indivíduos. O capital ficará concentrado em poucas atividades e, mesmo assim, ainda vai sobrar dinheiro…
Como você acha que as grandes empresas vão se virar daqui para frente nessa nova realidade em que um novo entrante, sem capital, sem experiência, munido apenas de uma boa ideia bem executada, pode matar um líder?
Depende do setor. Vamos olhar um segmento, o automotivo, porque isso é importante de entender. Até agora ele cresceu e precisou de grandes investimentos para produzir e vender carros. Agora, a posse está deixando de ser relevante. As pessoas querem usar um carro, e não ter um carro. Essas empresas com grande capital se defrontam com a seguinte perspectiva: se eu e você usarmos o mesmo carro, menos carros serão vendidos. Para esse líder continuar vivo, ele precisará se transformar de alguém que vende carros em alguém que oferece carros compartilhados. Um novo entrante pode comprar um monte de carros e montar esse serviço. Mas na hora em que o próprio fabricante quiser entrar no jogo, ele terá enormes vantagens competitivas. Será melhor para o novo entrante vender o seu negócio para o líder. Elon Musk, em certo sentido, está vivendo isso. Não é uma questão de acesso a capital ou à tecnologia. A dificuldade é aprender os processos, as eficiências, a microgestão da produtividade. (Falando em termos de capitalismo, isso fica mais interessante ainda: não haverá mais-valia, porque tudo será feito por robô. Máquina fazendo máquina não gera mais-valia.)
Já no que diz respeito às Fintechs e ao setor financeiro…
Comecemos pelas Agritechs. Em algum momento, no agronegócio, você precisará de terra, que é um bem finito. No caso das Fintechs, não há um bem finito. Eu vejo um grande potencial de mudança no setor financeiro. Trata-se apenas de oferecer uma experiência melhor ao consumidor. Essa vulnerabilidade está posta em todos os setores – como na Mídia, por exemplo – em que o capital deixou de ser relevante.
A Transformação Digital parece ser o novo Santo Graal das corporações. Como você está vendo esse movimento?
As grandes empresas foram construídas e organizadas dentro da lógica industrial, de processo. Em serviço, a visão de processo é mais fluida. (Aliás, em serviços, às vezes o processo engessa o que não deveria engessar, e isso é ruim.) Quando a digitalização trata de processo, é mais simples e as empresas tendem a ter menos receios em mudar: se eu produzir uma xícara usando uma impressora 3D em vez de um molde, tudo bem. O problema da Transformação Digital é quando bate em serviços, quando a qualidade está baseada exclusivamente na satisfação do consumidor. Aí é difícil de padronizar porque os consumidores são infinitamente diferentes entre si. Não é possível digitalizar o processo de produção dessa entrevista que estamos realizando. Porque a própria conversa evolui de forma imprevisível. Não existe um jeito reproduzir isso com eficiência.
A subjetividade precisa ser preservada…
E não adianta falar de Inteligência Artificial, porque ainda estamos muito longe de imaginar uma digitalização que dê conta desse nível de variabilidade. Mais do que se apavorar porque o modelo de negócio tradicional irá mudar, as empresas deveriam se apavorar porque, em alguns aspectos, a Transformação Digital está tentando engessar processos que não faz o menor sentido engessar.
Você liderou o que eu e muita gente considera um dos maiores cases de turnaround do Brasil. (Maurizio assumiu a Editora Abril, em 2001, com uma dívida equivalente, em valores atuais, a 2,5 bilhões de reais. A dívida, em 2018, que levou a Editora a entrar em regime de Recuperação Judicial, é de 1,6 bilhão de reais.) Você sente alguma frustração ao ver, duas décadas depois, a empresa novamente em situação pré-falimentar?
Não. Frustração eu tenho por não ter conseguido convencer a todos de que isso aconteceria se não mantivessem o que havia sido mudado. A minha frustração está lá atrás, não aqui. Aquele turnaround, especialmente para uma empresa daquele tipo, só foi possível porque as pessoas mudaram, e começaram a priorizar outros valores em detrimento dos que havia antes. Não implementamos nenhum breakthru tecnológico. A frustração que eu tive lá atrás estava em não ter conseguido que todos os stakeholders da organização compreendessem e incorporassem as mudanças. O resultado de agora era previsível.
Você investiria no segmento de Mídia?
Eu acho imperativo que se trabalhe e se invista no segmento de Jornalismo. Se você entende Mídia como a produção de conteúdo pago por alguém, com outras intenções que não as de informar o público de modo isento, não, eu não investiria. Mas em Jornalismo, eu investiria, sim. E aqui quero falar não só como investidor, mas como cidadão: qualquer democracia para funcionar bem precisa de um Quarto Poder. E não adianta ser pago pelo Estado. Tem de ser pago diretamente pelo cidadão. O Ministério Público não funciona como um Quarto Poder fiscalizador, porque, ao estar integrado e subordinado à Máquina Pública, em algum momento a sua isenção poderá ficar comprometida. O Quarto Poder tem de ser independente inclusive financeiramente. Todo cidadão deveria investir em Jornalismo, porque é o único jeito de você saber o que está acontecendo em sua comunidade. A única maneira de saber quem está burlando a lei é alguém ir lá checar. O jornalista é o cara que me presta esse serviço. Portanto, eu mesmo tenho que pagá-lo. O meu fiscal não pode ser financiado pelo próprio cara que está burlando a lei.
Algum desafio te levaria de volta a assumir uma função executiva?
Não. Nenhum. Cargo nenhum me levaria de volta do mundo corporativo.
Em uma frase, como você vê o futuro para indústria de Mídia?
Vamos deixar o Entretenimento fora disso, porque as regras são diferentes. Vamos falar de Jornalismo. Tenho certeza de que esse serviço será exercido por uma rede de profissionais sustentados por doações voluntárias. Inicialmente, doações de quem é mais esclarecido. Ao longo do tempo, de quem for se esclarecendo. É a mesma coisa que partido político, que deve ser sustentado por quem acredita na proposta e quer fazer valer aquelas intenções. É uma excrescência que os partidos políticos sejam pagos pelo Estado. O mesmo deveria acontecer com um veículo jornalístico. O Jornalismo não será um mercado de veículos, mas um mercado de credibilidade.
E, talvez, sem a figura do patrão.
Não pode existir patrão! Essa interferência sempre aconteceu e não deveria acontecer.
Uma rede de consumidores de informação comprando essa informação de uma rede de produtores de informação.
Isso.
Muita gente chega em certo ponto da carreira e projeta uma atuação em Conselhos de Administração. Como uma pré-aposentadoria. Você teve essa experiência. O que pensa disso?
O problema dos Conselhos é que a maioria não funciona. Não faz sentido ter um grupo de pessoas que, em teoria, chega a um entendimento e depois passa para outra pessoa implementar. Gera-se muita frustração. Não recomendo a ninguém.
Quando você olha para frente, como a ideia de aposentadoria entra no seu radar? Como você está planejando esse terceiro tempo da vida e da carreira, inclusive em termos emocionais?
Esse futuro corre o risco de ser longo para todos nós. Então, a lógica da aposentadoria ainda não apareceu para mim. Quero fazer coisas diferentes, à medida que o tempo passa. Coisas que demandem uma energia menor, coisas que eu possa fazer com mais tempo, em consequência do vigor que tende a diminuir. Mas são fases a serem cumpridas. Eu acho que todo mundo deveria ter isso claro e entender que não lidamos com fins, mas sim com recomeços. Eu recomecei várias vezes na vida, inclusive com remunerações menores a cada novo início. A mesma coisa vai acontecer agora, com tudo que eu inventar. Dificilmente farei alguma coisa só para ocupar o tempo. Se é para ocupar o tempo, então é melhor encurtar a vida.
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