Em apenas sete anos empreendendo, Natalia Martins superou um divórcio e uma dívida de quase 100 mil reais, que incluía um mandato de busca e apreensão de seu carro, e tornou-se fundadora e CEO de um grupo de empresas com faturamento total de cerca de 30 milhões de reais.
Hoje, o Natalia Beauty Group conta com uma rede de clínicas de estética, inclusive em Portugal; uma instituição educacional de cursos profissionalizantes na área da beleza, com certificação do Ministério da Educação (MEC); um e-commerce de cosméticos e maquiagem com nanotecnologia, acessórios e pijamas; uma imersão de estratégias de marketing, influência e branding; e um programa de mentoria para empreendedores.
Na última quinta-feira, 21, na semana do Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino, o Draft acompanhou a palestra de Natalia, 36, durante o Delas Summit 2024, em Florianópolis. Em sua fala – com o telão, ao fundo, exibindo o título “Louca, Grossa e Desequilibrada” –, a empreendedora compartilhou sua trajetória e lições aprendidas, comovendo e inspirando um auditório lotado.
Organizada pelo Sebrae Santa Catarina e apoiada pelo Sebrae Nacional, a segunda edição do Delas Summit atraiu 4,5 mil mulheres – 85% delas vindas de cidades catarinenses, mas havia participantes de todos os estados do país –, e transmitiu as palestras ao vivo no YouTube, para uma audiência de 25 mil pessoas.
Assim como Natalia, a maioria de mulheres donas de negócios no Brasil começou a empreender por necessidade, no setor de serviços. De acordo com o IBGE, há 8,6 milhões de mulheres à frente de um empreendimento formal ou informal, o equivalente a 34% do total de donos de negócios existentes no Brasil, a maioria em serviços. Metade das mulheres donas de negócio são também chefes de domicílio.
“O evento reflete exatamente o perfil do público feminino que empreende. Aqui em Santa Catarina, aproximadamente 80% de empresas lideradas por mulheres são prestadoras de serviços”, diz Marina Barbieri, coordenadora do Sebrae Delas Mulher de Negócios Santa Catarina, programa para fortalecer a cultura empreendedora entre as mulheres.
Se o perfil é o mesmo, cada história por sua vez é singular. Natalia costumava trabalhar em restaurantes; ela se iniciou no setor de beleza aos 25 anos, como recepcionista do salão de beleza de sua ex-sogra, em São José do Rio Preto, a quase 500 quilômetros da capital paulista.
Um dia, uma designer de sobrancelhas e especialista em micropigmentação – um serviço que demanda uma consulta principal e um retorno para retoque após 30 dias – deixou o salão e abandonou agendamentos de retorno com quase 30 clientes, que já tinham pago cerca de 500 reais cada. “Micropigmentação é um tíquete alto, e o lucro também, porque o maior valor está no talento do profissional e não no material”, explicou Natalia, na palestra.
A futura empreendedora sugeriu então que a chefia lhe pagasse um curso de designer de sobrancelhas para que ela terminasse o serviço da ex-colega, o que sairia mais barato do que devolver o dinheiro das clientes. Deu certo.
“Eu jamais estaria aqui se não tivesse tido a vontade de resolver um problema. Quantos problemas a gente não deixa pra depois ou nem se interessa em resolver só porque não são nossos e que aí poderiam ter muitas oportunidades?”
Depois de um ano na nova função, Natalia se divorciou e voltou a morar em São Paulo com os pais, aos 28 anos, com uma filha de 2 anos e meio, um cachorro, e uma dívida de quase 100 mil reais, “morrendo de vergonha, fracassada”, nas suas palavras.
“Eu fui morar em São José do Rio Preto porque eu me casei. Casei para sair de casa, para ser livre e veio uma prisão maior ainda, é a realidade de muitas mulheres. Depender de pai é uma coisa, depender de marido é outra coisa.”
Depois de uma fase de negação dos próprios erros e “falta de autorresponsabilidade”, além de acreditar demais no julgamento dos outros sobre ela mesma (e literalmente aprender a rezar para sair do sufoco), Natalia decidiu construir novos hábitos e uma nova vida. Não esperaria por um milagre ou um salvador: ela mesma se tiraria do “fundo do poço”.
“Quando eu fiquei sozinha, eu me conheci, conheci a minha capacidade de fato, e parei de aceitar menos do que eu merecia. É aí que a mágica da nossa vida acontece. Porque as pessoas vão enxergar a gente como a gente se enxerga”
Em 2017, ela começou a empreender e usar o Instagram para divulgar seu trabalho. Uma de suas estratégias era ir às lojas que teriam potenciais consumidoras, fazer amizade com a gerente e as vendedoras, e oferecer o design de sobrancelhas de graça, para que elas divulgassem seu trabalho. Funcionou, a empreendedora atendia na casa das clientes, foi juntando dinheiro e logo alugou um apartamento e uma sala comercial.
Natalia identifica três fases em sua trajetória, um padrão que percebeu também na jornada de outras empreendedoras com quem já conversou:
1. Especialista
A fase de consolidar a técnica, se dedicando à operação, aprendendo sobre o negócio, fazendo as pessoas entenderem a qualidade do seu serviço, se tornando especialista e prestando um atendimento de excelência.
“Hoje eu olho pra trás e vejo: meu Deus, que trabalho feio que eu tinha… Ninguém começa bom. A gente se torna bom, evolui, se torna fantástica”, afirma, e completa:.
“Entendi que a técnica representa 30% do sucesso, ser boa de verdade no que faz. O resto é encantamento, é experiência, acolhimento, olho no olho, abraço, escuta ativa. Muitas vezes, o abraço que eu dava na minha cliente era o único da semana dela”
Para evoluir nessa fase é preciso ter clareza sobre todos os papeis que a empreendedora exerce.
“Eu fazia a sobrancelha, escrevia o texto, postava na rede social, fechamento de caixa, compras, agendamento, controle financeiro… O primeiro passo do crescimento é mapear tudo o que você faz.”
Quando uma influenciadora digital famosa postou sobre o resultado do trabalho de Natalia, ela começou a receber muitas mensagens com pedidos de agendamento e percebeu que precisava contratar pessoas e ensinar o seu trabalho. Também se deu conta do poder do marketing digital e passou a estudar mais sobre o assunto.
“Postar trabalho não conecta emocionalmente. O que conecta é história. Muita gente não conta a sua história porque ainda não está onde quer, eu também não estou onde eu sei que eu vou estar. Mas nem por isso eu deixo de registrar a jornada, nem por isso deixei de registrar quando estava lá pintando a parede da salinha”
Ela complementa: “A pessoa que vocês são hoje é a pessoa que vai inspirar vocês na próxima dificuldade”.
2. Generalista
Num segundo momento, é a fase de inserir processos, e tornar-se uma generalista, aprofundando os conhecimentos sobre cada área da empresa e sua administração.
Natalia buscou treinamentos gratuitos, como os do Sebrae. Recentemente, passou a usar ferramentas de inteligência artificial para criar processos, elaborar treinamentos para os funcionários, criar posts e editar vídeos com poder de viralização. “Excelência não pode ser acaso; tem que ser padrão, tem que ser todo dia.”
Para convencer recepcionistas que recebem um salário de 3 mil reais a vender o serviço de design de sobrancelhas que custa 12 mil reais, Natalia diz que investiu em treinamentos “para a mente” das funcionárias.
“Eu entendi o gatilho. E passei a trazer alguém pra treinar a mente delas pra entender que a situação delas, não é a situação das clientes, e entender o valor do serviço”
Natalia definiu cada detalhe da rotina dos profissionais. Desde o estilo de música, padrão das mensagens para confirmar agendamentos e pedir comentários no Google que as recepcionistas devem fazer, até a forma como o valet deve abrir a porta e conduzir as clientes a entrar no estabelecimento.
Também aprendeu a não se apegar emocionalmente a profissionais – e a demitir quem não estiver disposto a crescer junto com a empresa.
“Tem muita gente que acha que a mulher é boba. Temos que deixar de ser boazinhas e começar a nos posicionar como líderes. Maquiavel uma vez falou: ‘se você tiver que escolher entre ser temido ou amado, na liderança, escolha ser temido’. Só que pra mim hoje, não é nem mais ser amado ou temido, é ser respeitado”
E como ela age para ganhar esse respeito? “Respeitando os meus colaboradores, tratando-os como eu gostaria que eles tratassem as nossas clientes.”
3. Nexialista
A terceira fase visa crescimento exponencial, ao buscar novos negócios que se conectam com o seu serviço principal para construir um ecossistema.
“Nexialista” é uma pessoa que tem a habilidade de estabelecer nexos, ou seja, conectar ideias, conhecimentos e informações de diferentes áreas para resolver problemas complexos ou criar algo inovador.
“Se eu atendo, eu posso dar curso. Porque tem gente que quer a minha técnica. Se eu dou curso, eu posso criar produtos. Posso montar uma fábrica, ou fazer colab com alguém. Posso criar um sistema de agendamento, uma empresa de pijama, uma empresa de descartáveis, uma gráfica”
Nessa fase, é essencial que os processos estejam bem consolidados e a empreendedora tenha uma equipe de excelência que realiza a operação, para que ela possa dedicar a maior parte do seu tempo trabalhando para “fazer nexo”.
Natalia, porém, aconselha que a empreendedora jamais abandone totalmente o operacional. “Até hoje, eu volto pra refinar a operação. Abandonar a operação, nunca; de tudo, o que eu mais gosto de fazer é palestrar e atender.”
Mesmo conhecendo, na teoria, essas três fases, muitas mulheres ainda falham em fazer crescer seus negócios porque tropeçam em algumas ciladas pelo caminho.
A empreendedora destacou algumas dessas armadilhas:
a) Medo de se expor
A timidez ou receio de gravar vídeos e mostrar o próprio trabalho pode ser um grande empecilho. Para Natalia, a intimidade com as câmeras se conquista com a prática.
“A vergonha não paga conta. Você tem que falar sobre o seu trabalho”
Nesse processo, ela aconselha a definir métricas que fazem sentido para seus objetivos, e evitar ouvir pitacos de pessoas que não conhecem o seu negócio. “A pessoa que você está ouvindo tem o resultado que você quer? Se não tiver, não deixe a perspectiva de vida frustrada das pessoas moldar a sua.”
Para inspirar consumidoras a se conectarem emocionalmente com sua marca, ela conta que mantém uma pasta no seu bloco de notas do celular, chamada “Arsenal de histórias”, com tópicos desde quando era criança, para usar quando for fazer algum post de um tema correlato. E ensina a não postar somente o resultado, mas o processo: “História vende”.
b) Falta de entusiasmo
Trabalhando com outras pessoas, Natalia ressalta que é importante cultivar a alegria:
“Resgate a sua criança, em algum momento ela talvez deixou de sonhar, Ficou muito dura. A vida a enrijeceu. Liberte-a. A cliente gosta de quem é feliz e alegre. O dinheiro segue a alegria”.
c) Contratar só por currículo
Ao contratar funcionários e avaliar seu desempenho, Natalia aconselha avaliar para além do currículo, o entusiasmo e vontade de crescer da pessoa, e se possuem características compatíveis com a cultura e a “causa maior” ou propósito da empresa.
“Os melhores colaboradores que eu tenho, eu não sei nem onde eles são formados. São pessoas que precisavam, queriam, são famintas por coisas novas, por aprender, por estudar, por ser bom”
Além disso, é importante realizar treinamentos que ensinem os processos estabelecidos para cada função. “O óbvio precisa ser dito e documentado. Sem padrão e organização, não há crescimento sustentável.”
E por fim, evitar ter apego emocional aos colaboradores, para conseguir fazer demissões necessárias. “Quem está te cansando? Que você tem que falar 20 vezes e você começa a achar que o problema é você? Muitas vezes, nós mulheres, temos que nos separar um pouco do lado emocional, e ser mais racional no negócio”
d) Crença de não merecimento
Muitas vezes, o maior obstáculo está na forma como a própria pessoa se vê.
“O que mais impede o sucesso não é a [falta de] capacidade, é a crença de [não] merecimento. O quanto a gente acredita que merece – que está muito corrompida por conta da nossa crença de identidade, de quem somos nós”
Em outras palavras, “as pessoas vão te enxergar como você se enxerga. Se você não acredita no seu valor, ninguém mais vai acreditar”.
Na palestra, a empresária também destacou algumas ferramentas de inteligência artificial que considera indispensáveis para facilitar a rotina empreendedora:
Canva com IA: “Fazemos todas as nossas artes para os 14 perfis de Instagram que temos e slides de palestras com comandos intuitivos.”
ChatGPT: “Uso diariamente para criar processos, roteiros e otimizar tarefas administrativas.”
Copi.ai: “Ótimo para gerar legendas criativas e personalizadas para posts.”
CapCut: “Perfeito para edição de vídeos e memes, essencial no marketing digital.”
Opus Clip: “Ideal para cortar vídeos longos e criar conteúdo viral em minutos.”
Notion: “Uma ferramenta incrível para organização e planejamento.”
Por fim, a fundadora e CEO do Natalia Beauty Group enfatizou ainda a importância do trabalho de impacto social positivo como fortalecimento da marca. Sua empresa mantém cursos de qualificação em penitenciárias femininas e oferece atendimento gratuito a mulheres que passaram pela mastectomia, com a reconstrução de aréolas e doação de próteses de silicone.
“Já recebi vários depoimentos falando ‘eu fiz um curso lá na prisão e não voltei pro crime, hoje sustento meus filhos com sobrancelha’. Isso cria uma marca. Essa é a marca e o legado que a gente quer deixar no mundo.”
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