Maior produtora de latas de alumínio do mundo, a Ball Corporation fez uma parceria com a administração da ilha de Fernando de Noronha (PE) e o consórcio Noronha Pelo Planeta para criar o primeiro laboratório de economia circular do país. Com inauguração prevista para o primeiro trimestre do ano que vem, o Vadelata Pelo Planeta centralizará a coleta das latas de alumínio da ilha e pretende, com isso, ajudar a economizar parte do R$ 1 milhão que o poder público gasta, por mês, só para levar o lixo da ilha para o continente. “É uma cifra absurda”, pontua Estevão Braga, 47, diretor de Sustentabilidade da Ball América do Sul.
O executivo explica que as ações da Ball em Noronha vão muito além da coleta e reciclagem de latas. A multinacional quer ajudar a ilha a fazer a transição para uma economia de baixo carbono – o que passa até mesmo pelo estudo de viabilidade de usinas eólicas na região, com baixa velocidade para não ferir a avifauna local. Hoje, a energia elétrica vem de geradores a diesel. Além disso, a empresa já financiou a construção de duas bibliotecas e de um laboratório na única escola da ilha.
Com mais de 21.500 colaboradores pelo mundo e 15 fábricas distribuídas entre Brasil, Chile, Argentina e Paraguai, a empresa elegeu Noronha como reconhecimento aos esforços da ilha para atingir metas de descarbonização e plástico zero e também como forma de atingir outros públicos – turistas que na verdade são formadores de opinião, empresários e multiplicadores capazes de disseminar o que está acontecendo em Noronha para o resto do Brasil. “Eles podem nos ajudar a girar essa chave”, completa
Estevão Braga.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista que o executivo, engenheiro florestal com larga experiência também no terceiro setor, concedeu a NetZero.
NETZERO: Qual é a visão da Ball em relação aos desafios ambientais que o planeta enfrenta?
ESTEVÃO BRAGA: A Ball é uma empresa de 140 anos, então temos uma visão de muito longo prazo. Além do business das embalagens para bebidas e para aerossóis, também estamos presentes no setor aeroespacial, fabricando a maior parte dos sensores de satélites que fazem o monitoramento de mudanças climáticas, como o NOAA, Hubble, entre outros. Então estamos bastante preocupados com essa questão, porque os dados dos nossos clientes mostram um nível de degradação ambiental muito alto.
“Isso fica claro quando a gente analisa os dados da Global Footprint Network e observa que precisamos de quase dois planetas para dar conta do atual nível de consumo de recursos da Terra. Ou seja, é uma questão urgente, para hoje, e não para o futuro. Não podemos mais admitir a ideia de ‘jogar fora’.”
Você pode explicar isso melhor?
Boa parte do que é consumido a gente “joga fora”, entre aspas. O Brasil é um dos líderes mundiais de geração de resíduos, com 82 milhões de toneladas por ano, o que equivale a um caminhão de lixo cheio a cada três segundos. E boa parte desse lixo vai para oceanos, rios degradados, áreas de preservação, matas ciliares etc.
Como surgiu a proposta do laboratório em Noronha?
Olhamos para esse cenário global e pensamos: como podemos ajudar a sociedade brasileira? Já estávamos acompanhando de perto o fato de que Noronha criou o primeiro decreto de plástico zero do país, no fim de 2018. Hoje, é proibido entrar lá com plástico de uso único, com algumas poucas exceções, como envases de água. Ao mesmo tempo, a ilha está fazendo um esforço de descarbonização da matriz elétrica e de combustíveis. A partir do ano que vem será proibida a entrada de carros a combustível fóssil, e a partir de 2030 os carros a combustível fóssil que já estão na ilha serão removidos.
Isso tudo já é muito nítido. Fui para lá no início de 2019 e voltei novamente em 2021. Foi um choque. Nesse meio tempo vi muito mais carros, motos e caminhonetes elétricos. Há um processo acelerado para transitar para uma economia de baixo carbono. Em relação a todo o subcontinente latino-americano, Noronha está muito avançada. Então começamos a discutir com a administração local da ilha o que a gente podia levar para lá, para contribuir nesse processo, e todos foram categóricos ao dizer que tínhamos de levar o case das latas de alumínio, um envase infinitamente circular e 100% reciclável.
Falando um pouco do produto, quais as vantagens do alumínio para envase de bebidas?
O alumínio é um case de circularidade real na economia. O Brasil recicla 99% das latas de alumínio. Uma lata de alumínio qualquer no país já é feita de 80% de alumínio reciclado. O restante do alumínio reciclado vira produto de maior valor agregado, como componentes de um Apple Watch, por exemplo. É o único tipo de embalagem que pode sofrer esse “upcycling”, virar um produto mais nobre. E depois o relógio pode virar uma nova lata de alumínio e assim por diante, em um ciclo infinito. A cadeia de reciclagem do alumínio não gera resíduo porque é um material de altíssimo valor, de cerca de R$ 8.000 a tonelada.
Qual é o plano do laboratório em Noronha?
“Queremos mostrar que é possível um consumo mais responsável e consciente. A ilha gasta hoje R$ 1 milhão por mês só para mandar lixo para o continente. São valores absurdos. Então uma das propostas é um programa de reciclagem de latas de alumínio em que eu tiro do erário público a responsabilidade de reciclar as latas.”
Além disso, faremos um investimento na ilha para estimular turistas e moradores a repensar hábitos de consumo. Existem soluções que podemos usar hoje, aqui e agora. A gente tem uma janela de no máximo oito anos para corrigir o problema climático, segundo o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas]. Sem a participação da sociedade, a gente não vai conseguir chegar a isso.
Além da preocupação ambiental, o que mais atraiu a Ball em relação à ilha?
A circulação de pessoas. Noronha recebe muitos turistas, cerca de 120 mil por ano, muitos deles são tomadores de decisão e pessoas que podem nos ajudar a fazer essa viragem de chave em nível nacional. Ajudar a mostrar que é possível consumir de maneira consciente, sem gerar resíduos.
O laboratório também vai ser uma plataforma para discutir como fazer a transição para uma economia de baixo carbono, hoje. Também vamos fomentar pesquisa e desenvolvimento. Por exemplo, dentro do laboratório teremos alojamentos para cientistas que queiram fazer pesquisas na ilha – estudar o impacto da mudança climática na vida marinha ou na elevação dos oceanos, entre outras coisas.
Que outras ações estão previstas?
A gente quer que nossos clientes façam lançamentos de produtos em lata no próprio laboratório. Hoje já temos água em lata, vinho em lata, até uísque em lata. Queremos estimular isso para reduz desperdício. Outras ações já estão em curso. Por exemplo, investimos em projetos de inclusão social e ambiental. A Secretaria da Educação nos informou que não havia bibliotecas na ilha, então criamos dois espaços de leitura para os quais doamos cerca de 1.300 livros por biblioteca. Capacitamos professores para usar aquele espaço.
Investimos em um laboratório na escola de referência da ilha, única no local, para estimular especialmente meninas a pensarem em carreiras científicas. Somos uma empresa de engenharia e acreditamos muito no papel da mulher nesse contexto. Fazer a transição para uma economia de baixo carbono sem educação e oportunidades de geração de renda não é possível.
Falando em geração de renda: o Brasil é exemplo mundial em reciclagem de alumínio porque tem um perfil de renda baixa?
A indústria da lata cresce a dois dígitos ao ano há uma década e a reciclagem do alumínio gera renda para 800 mil famílias. As pessoas dizem isso, que o Brasil recicla muito porque é pobre, mas isso não é verdade. Se pegarmos outros países da região, como Argentina, Chile, temos índices muito menores, de 79% e 33%, respectivamente. A gente recicla 99% do alumínio porque vem investindo bilhões de reais há décadas para criar uma infraestrutura de coleta que permita que uma lata usada seja reciclada e volte à prateleira em apenas 60 dias. O Brasil só empata com a Alemanha no percentual de reciclagem de latas, mas eles têm um mercado de 4 bilhões de latas e nós produzimos 33 bilhões, é uma diferença enorme.
E a questão da energia para reciclar as latas? É um gasto muito grande?
Não, isso é outro mito. O gasto maior é para processar o alumínio primário. Para reciclar eu só preciso esquentar a lata a 700 graus, fabricar um lingote a partir do alumínio líquido e então fazer as bobinas. A reciclagem gasta só 5% da energia que seria usada para processar alumínio primário. E cada vez usamos menos alumínio primário. Hoje, 80% da lata é de alumínio reciclado. Há dois anos, eram 75%. Nossa
meta é atingir 85% nos próximos anos, e não parar por aí.
Outra meta interessante é utilizar 100% de alumínio certificado pela ASI (Aluminium Stewardship Initiative). A Ball foi a primeira empresa do mundo a obter essa certificação no setor de embalagens para bebidas. Além disso, antes de 2030 vamos utilizar 100% de energia de fontes renováveis. Por fim, estamos com meta de carbono zero até 2050 e de 55% de redução até 2030.
A Ball é uma empresa de capital aberto nos EUA. Vem dos investidores a pressão para que a empresa seja mais engajada na agenda ESG?
A pressão vem de todos os lados. A gente acompanha de perto a migração para os “green assets” e esses investimentos, que estavam na ordem de US$ 22 trilhões em 2016, neste ano vão bater em US$ 35 trilhões. Em 2025, devem atingir a casa dos US$ 50 trilhões. Isso é um terço dos ativos totais sob gestão de investidores. Há uma migração muito rápida para investimentos em empresas como a Ball, que faz parte da solução, e não do problema.
E os consumidores, têm essa consciência?
Depende. As pessoas têm a imagem de que embalagens retornáveis são melhores para o meio ambiente. Um estudo de 2020, feito pelo instituto alemão Sphera, analisou o ciclo de vida de embalagens e apontou o contrário. Quando a gente olha uma garrafa de cerveja de 600 ml, parece que ela é mais sustentável, mas a análise do ciclo de vida dela, mesmo reutilizada 20 vezes, mostra que emite 2,5 vezes mais carbono por litro de bebida envasada em relação ao alumínio.
“O vidro tem uma taxa de reciclagem de 26% – ou seja, grande chance de virar um problema ao ser descartado em lixão ou aterro. A lata tem 99% de chance de ser reciclada. Esse dado está um pouco distante do consumidor final e exatamente por isso a gente faz uma série de iniciativas educativas, para que todos entendam que cada vez que você vai ao mercado, toma uma decisão que pode ajudar ou pode atrapalhar o planeta.”
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