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Bastidores do case Mola: como o fenômeno de crowdfunding se tornou um negócio de sucesso

Simone Tinti - 22 nov 2016 Márcio Sequeira de Oliveira, criador do Mola: duas rodadas de recordes no Catarse.
Márcio Sequeira de Oliveira, criador do Mola: duas rodadas de recordes no Catarse.
Simone Tinti - 22 nov 2016
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Imagine lançar uma campanha na plataforma de financiamento coletivo e superar não em 100%, mas em 1.200% da meta pensada inicialmente para o seu projeto. Isso aconteceu, lá em 2014, com o arquiteto paraense Márcio Sequeira de Oliveira, 36, ao lançar o primeiro kit Mola (uma espécie de Lego formado por molas e ímas, que simula o comportamento de estruturas arquitetônicas e é super útil para estudantes de engenharia). A campanha foi o maior sucesso do Catarse no Brasil aquele ano, na categoria produto, arrecadando 600 mil reais graças a 1 254 apoiadores.

Márcio não imaginava aquilo, mas agora, dois anos depois, está de volta com uma campanha para o Kit Mola 2, e parece seguir o mesmo caminho: a 23 dias para o prazo final, já bateu 118% da meta, arrecadando 415 mil dos 350 mil que desejava. O kit 2 é um complemento ao primeiro kit e amplia as possibilidades de montagem, estudo e compreensão de como as estruturas se comportam expostas ao vento ou à gravidade. O produto integra o catálogo de uma empresa, agora assim constituída, a Mola Model — e Márcio tornou-se um empreendedor.

Mas vamos dar um passo atrás para contar o que há de surpreendente nessa trajetória pois, de estudante de arquitetura a criador de um projeto bem sucedido no Catarse, Márcio teve de se tornar, muito mais rápido do que poderia supor, também um CEO. É como se sua startup recebesse um investimento milionário cedo demais, ou explodisse de popularidade e pedidos de produto. É bom, mas também pode ser ruim, assustador. Nessas horas, é fundamental não perder de vista o que o trouxe até aqui, o seu propósito inicial — e também lembrar de que você não precisa fazer tudo sozinho.

COMO TUDO COMEÇOU

A ideia para a concepção do Mola veio para Márcio durante o curso de pós-graduação em arquitetura, ao perceber o quanto era abstrata, para ele, a abordagem das disciplinas de estrutura. Seu objetivo era criar algo que pudesse demonstrar, de forma tátil e visual, o comportamento das estruturas arquitetônicas, como vigas e pilares, por exemplo – um conhecimento absolutamente indispensável para engenheiros e arquitetos, especialmente na fase de concepção de projeto. Ele criou um protótipo em madeira, depois recriado em plástico e aço. Terminada a especialização, Márcio engrenou em um mestrado em engenharia, na área de estruturas, na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Minas Gerais. Foi a oportunidade para estudar e validar o Mola. Nessa fase, ele fez em mais de 40 ensaios, testando elementos isolados, estruturas planas e espaciais.

O produto criado por Márcio simula o comportamento real de estruturas arquitetônicas.

O produto criado por Márcio simula o comportamento real de estruturas arquitetônicas ante forças como a gravidade e o vento.

Com a conclusão do Mestrado, em 2008, inauguraria também uma nova fase do projeto. Além da parte física, havia o denso material teórico — que é efetivamente a sua dissertação do mestrado — e Márcio começou a levar ambos, dissertação e o protótipo, para congressos no país e no exterior. Muita gente se interessou por aquela maneira mais intuitiva de compreender comportamentos antes só estimados por cálculo.

Em Portugal, professores lhe pediam o produto para usar nas aulas, e profissionais o queriam para fazer demonstrações a seus clientes. Márcio sentiu que havia público para o produto que havia criado, mas lhe faltava tempo para se dedicar à estruturação de uma empresa em torno disso e, claro, investimento. O primeiro obstáculo foi fácil superar: ele trabalhava em período integral, mas, em 2011, abriu mão do emprego fixo para focar no Mola. Ele segurava as contas tocando projetos de arquitetura de casa mesmo, enquanto ia para a rua tentar levantar investimento:

“Eu me arrependeria muito, no futuro, se não tivesse ao menos tentado fazer o Mola dar certo como negócio. Foram três anos correndo atrás de investidores. Eles se interessavam, mas não fechavam. Muitas vezes, quis desistir”

Quando ele mesmo já estava achando que “esse negócio de molinha e ímã” não ia dar em nada, veio uma esperança. A ideia para tentar viabilizar o negócio por crowdfunding partiu de um amigo de Belém, sua cidade natal, que comentou sobre uma novo tipo de financiamento, coletivo, então novidade. Nessa busca, Márcio chegou ao Catarse, pioneiro e maior plataforma de crowdfunding do país. “Minha ideia com o financiamento coletivo era reunir quem gostou do projeto, tanto dentro quanto fora do Brasil, para que cada um pudesse comprar seu kit. Arrisquei e contei com a minha rede de contatos”, conta.

O Mola 2 tem 144 peças e está à venda, a partir de 395 reais, no Catarse.

O Kit Mola 2 tem 144 peças e está à venda, a partir de 395 reais, no Catarse.

Para definir os valores das cotas – que deveriam ser acessíveis também aos estudantes -, ele fazia comparações com preços de livros de arquitetura a caixinhas de Lego, pois não havia produto semelhante no mercado. A que ele credita o sucesso da campanha? “Esse é um produto que resolve um problema no mundo inteiro. Tanto que mais de 90% dos apoiadores adquiriram a cota que dava direito ao produto, ou seja, aproveitaram para comprar mesmo.” A divulgação também teve papel importante, e é mérito dele, pois antes mesmo de colocar a campanha no ar, dedicava-se a explicar longamente a professores e alunos, nas universidades que visitava, o que era e como funcionava o financiamento coletivo, a pré-venda, a campanha online etc.

QUANDO O SUCESSO TRAZ MUITOS PERRENGUES INESPERADOS

Campanha popular, arrecadação acima do esperado, certeza de um negócio pronto e sucesso garantido, certo? Nem tanto! Como Márcio descobriu na prática, durante a primeira campanha, “nem sempre quando o resultado é muito bom, acontece só coisa boa”. O primeiro desafio foi lidar com a quantidade e fazer o negócio rodar. A ideia inicial era produzir uma tiragem piloto, com cerca de 150 kits, que poderiam ser montados em casa. Mas, ao final, Márcio se viu às voltas com mais de 1 600 kits para entregar. Para se ter uma ideia do trabalho que daria, só de ímãs seriam meio milhão de peças:

“Tive que abrir uma empresa, alugar espaço, contratar funcionário. Nada disso estava no orçamento inicial”

Ele conseguiu solucionar esse primeiro ponto, mas a próxima etapa foi lidar com os imprevistos. E, como conta Márcio, não foram poucos: a gráfica responsável pelo manual e pela caixa de papelão quebrou – para que a empresa conseguisse terminar a encomenda, Mário precisou adiantar o pagamento do papel —, foi necessário refazer o molde de uma das peças e, no final, o navio que estava transportando os ímãs da China pegou fogo. “Eu pensava: ‘estou sendo testado, não é possível’. No caso dos ímãs, o incêndio não afetou os produtos, mas a entrega atrasou dois meses.

Foi que aí, ele conta, aprendeu que a transparência é algo muito importante numa campanha de crowdfunding. “Eu sempre enviava updates. Quando avisei sobre o navio, 99% das respostas foram mensagens bacanas, como ‘vai dar tudo certo, estamos torcendo, isso acontece’. Ou seja, descobri que dar uma notícia ruim é melhor do que não dar nenhuma notícia”, diz Márcio.

DEPOIS DE TUDO, UMA NOVA FASE: ACABA O DINHEIRO

Essa correria toda para finalizar o Mola 1 durou um ano inteiro. E, findo o processo, em seguida veio outro desafio: “Usei todo o dinheiro! E agora? Como produzir mais e começar a vender? Vou ter que novamente sair em busca de investidores?”, conta Márcio. Mas o périplo que vinha enfrentando já lhe dava condições de criar saídas para os problemas tão comuns a empreendedores. Não que tenha sido fácil. Sem dinheiro, ele abriu lotes de pré-venda no site, para conseguir algum capital adiantado:

“Foi uma loucura, vivi no limite. O que aprendi nesses dois anos valeu por uns dez. Mas tudo deu certo. Hoje estamos no azul, sem dever nada a ninguém”

Atualmente, a empresa funciona na Vila Madalena, em São Paulo, com uma equipe bem enxuta, de apenas mais duas pessoas. Márcio optou por estar próximo de casa, para não perder muito tempo em deslocamentos pela cidade, já que grande parte do trabalho ainda depende dele. Nesse último ano, o faturamento foi de 940 mil reais.

Comunidade: o Mola não exige conhecimento técnico e pode ser usado por qualquer pessoa, não apenas profissionais.

Comunidade: o Mola não exige conhecimento técnico e pode ser usado por qualquer pessoa, não apenas profissionais.

Márcio já consegue olhar para trás e identificar como a experiência do financiamento coletivo foi transformadora para ele, como pessoa, e se tornou um diferencial do projeto. Um exemplo é que, para produzir o manual que acompanha o kit, aconteceram encontros de cocriação. “Recebi muitas mensagens com ideias legais, que eu não tinha imaginado. O kit já estava pronto, mas resolvi organizar encontros em São Paulo e chamar todo mundo para criar o manual. Tinha professor da Poli-USP, estudante, publicitário, artista plástico, engenheiro, arquiteto…A galera trabalhou quatro horas num sábado só por que queria ajudar. O resultado foi um conteúdo muito mais rico. Com o manual pronto, coloquei o nome de todo mundo que enviou sugestão”, conta. E segue:

“Percebi que, ao apoiar uma campanha, as pessoas querem se envolver e ser parte daquilo. Do dia para a noite, quase 1 500 pessoas estavam comigo em um projeto que até então era só meu, particular”

Formou-se uma espécie de comunidade Mola, que interage no Facebook e no Instagram da empresa. Lá, eles trocam ideias, divulgam e compartilham o que estão fazendo com os kits. “Conforme as pessoas recebiam os kits, começavam a postar fotos e vídeos abrindo a caixa ou montando estruturas. As inovações do Mola 2 vieram dessas sugestões. A barra de comprimento regulável, que está sendo lançada agora, veio da necessidade dos usuários”, conta Márcio.

Com a campanha do Mola 2 no ar, os pedidos de kits (que eram feitos pelo site) foram direcionados para o Catarse. Individualmente, o Mola 1 custa 430 reais. Já o kit 2, durante a campanha, sai por 395 reais – e as unidades deverão ser entregues a partir do segundo semestre de 2017.

PLANOS PARA O FUTURO

“Meu ideal é produzir o melhor material didático de engenharia do mundo. Ver um aluno usando o kit é o que mais me dá gás para continuar, criar coisas novas e oferecer um produto cada vez melhor”, diz Márcio. “Quero ver o Mola em todas as escolas.”

Ele também prevê uma série temática para construir pontes e torres, por exemplo, e kits que permitam replicar obras existentes, bem na linha Lego Architecture. “Sou apaixonado por Lego! Imagine ter um kit da London Eye e poder entender como aquela estrutura funciona?” Outro plano é abrir no site venda de peças avulsas e o desenvolvimento do kit Mola 3 – que, Márcio garante, já está pensado. Com os planos de crescimento, a equipe também deverá aumentar. “As pessoas que participaram da campanha me ajudaram a realizar o meu sonho profissional. Hoje recebo pedidos de compras do Mola por empresas e escolas reconhecidas de engenharia e arquitetura, nem sei explicar a sensação que dá”, diz. Deve ser uma sensação de mola, quem sabe. De algo que ganha novo impulso a cada compressão.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Mola Models
  • O que faz: Kit de peças que simula o comportamento de estruturas arquitetônicas
  • Sócio(s): Márcio Sequeira de Oliveira
  • Funcionários: 3 (incluindo Márcio)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 600.000
  • Faturamento: R$ 940.000 em 2015
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