Inovar é sempre desafiador, sobretudo em tecnologia da informação, em que a velocidade das mudanças aumenta de modo irrefreável. Mas tente voltar no tempo 20 anos, quando as referências de internet para o usuário comum mal passavam do barulho de conexão do modem, geralmente acessado depois da meia-noite para ficar um tiquinho menos lento. Lembrou? Foi nesse contexto que surgiu o Buscapé, uma ferramenta até então inédita: fazia o extraordinário serviço de comparar preços online. Considerada a primeira startup brasileira de sucesso e faturando anualmente milhões de reais, hoje a companhia não tem mais nenhum de seus fundadores no comando, mas tenta manter o propósito dos três estudantes de engenharia (e um de administração) que a criaram lá em 1998: dar poder de escolha ao consumidor e inovar ininterruptamente.
Muita gente que está criando startups hoje ainda estava de fraldas quando os fundadores do Buscapé partiram de um questionamento básico do empreendedor: “Que problema vou resolver?”. Foi a dificuldade de achar detalhes técnicos de uma impressora em lojas online que levou os amigos Rodrigo Borges, Romero Rodrigues, Ronaldo Takahashi e Mario Letelier, todos com 20 e poucos anos, a montar um site que oferecesse informações de diferentes produtos de diversas lojas que vendiam mercadorias online. “O problema que a gente resolvia era ajudar o consumidor a encontrar um produto. Mas, no fundo, o trabalho todo do Buscapé foi trazer a decisão de compra, que antes era dentro de um varejista, para um site”, conta o fundador Rodrigo Borges, hoje com 41 anos.
Desde a fundação da startup, quando era pequena e cheia de potencialidades como tantas por aí, até chegar o formato atual, de holding, agora chamada Buscapé Company, houve um intenso movimento de aquisições.
A iniciativa atraiu o primeiro investidor em menos de 12 meses de operação. Pouco tempo depois (lembrando que vivia-se o pleno estouro da “bolha da internet”) recebeu 3 milhões de dólares do Merrill Lynch e do Unibanco. “Claro que ficamos muito felizes. Mas, ao contrário do que se fazia antes da bolha, não fizemos nenhuma grande campanha de marketing e nenhum grande desperdício em comemoração. Foi um almoço com os funcionários”, conta Rodrigo. Daí em diante, o avanço como negócio seguiu a estratégia de somar novas aquisições e investimentos até que, em 2009, o conglomerado de mídia sul-africano Naspers adquiriu o controle total do Buscapé por 342 milhões de dólares.
QUANDO OS FUNDADORES DEIXAM A CASA
Este último movimento foi decisivo para o destino dos fundadores, que deixaram o comando da empresa entre 2009 e 2015. Mario Letelier saiu logo depois da venda para o Naspers. Foi viajar. Deu uma volta ao mundo, percorrendo dezenas de países, antes de se estabelecer na China, onde estruturou um novo negócio antes de voltar ao Brasil, em 2015. Hoje faz investimentos anjo em projetos de tecnologia “early stage”. Ronaldo Takahashi desvinculou-se do Buscapé em 2013, e hoje faz parte da aceleradora Move2, que ajudou a fundar. Rodrigo saiu em 2014 e, junto com outros sócios, fundou a Domo Invest, que financia e dá suporte a startups. Romero Rodrigues deixou a presidência da empresa em 2015 e hoje é sócio da Redpoint e.ventures, especializada em investir em startups de tecnologia e que está em busca “do novo Buscapé”. Rodrigo fala sobre esse afastamento:
“Depois da venda, fomos migrando e nos tornando cada vez menos sendo donos, cada vez mais executivos”
Ele prossegue: “Mas isso foi algo natural, porque sempre tivemos muito claros na nossa cabeça os papéis de cada sócio. Nos víamos sempre com dois chapéus, o de empreendedor e o de executivo”. Hoje à frente do Buscapé está o CEO Sandoval Martins. Executivo de carreira que traz na bagagem empresas como a operadora aérea TAM, ele ocupa o cargo há um ano sendo que, antes, foi CFO do próprio Buscapé por três anos.
Sandoval afirma que manter o espírito empreendedor dos fundadores é uma preocupação constante da atual gestão, tanto que ele promoveu o Founder’s Day, realizado há três semanas pela primeira vez (e que resultou na foto que abre esta reportagem). A ideia é ser um dia com programação dedicada à interação dos colaboradores com os fundadores. “O evento é tanto para os fundadores verem o que o Buscapé se tornou como para os funcionários entenderem as motivações dos fundadores.”. Para ele, o DNA do Buscapé é o mesmo de quando foi fundado: foco no consumidor e na inovação: “A gente continua muito empreendedor e não temos intenção de mudar”.
O CEO da empresa de 300 funcionários e faturamento de 300 milhões de reais por ano diz que, mesmo sendo uma “ex-startup”, o Buscapé mantém posturas típicas dessa categoria, por exemplo, no que diz respeito à agilidade na tomada de decisões e à eficiência. “Vejo isso quando precisamos solucionar problemas e inovar rapidamente.” Sandoval diz que uma frase comum nas conversas que tem com a equipe é “ideia boa é ideia implementada”, mas ressalva que, em paralelo a isso, a companhia não abre mão de ter processos rígidos, por exemplo, no controle do fluxo de trabalho e na qualidade.
ERROS E ACERTOS DE 15 ANOS ATRÁS
Ter processo, aliás, é um ponto que, para Rodrigo Borges, deve ser foco de preocupação desde o começo para qualquer gestor de startup. Ele conta que percebeu isso errando, ao destacar que este é um dos muitos aprendizados dos seus mais de 15 anos de Buscapé. “Sempre fomos focados em crescer de forma rápida e não tanto na gestão dos processos internos. Com isso, lá na frente a gente tinha um problema maior para resolver. Poderíamos ter sido mais cuidadosos”, diz.
Por experiência própria, ele ensina que a chegada desses métodos só quando a companhia já é de grande porte leva a uma implantação morosa, uma vez que há mais pessoas para treinar e, muitas delas, têm vícios de outros lugares em que trabalharam ou da própria empresa onde estão. Por isso, o hoje investidor aconselha:
“É mais fácil implantar os processos desde o início e ir adaptando com o crescimento do que não tê-los e ser obrigado a fazer isso depois”
Hoje, quase 20 anos depois da época em que virava madrugadas junto com os sócios construindo o código-fonte da primeira versão do Buscapé, Rodrigo combate o mito do sucesso fácil. “Existe muito glamour na internet e geralmente as pessoas só acabam escutando as histórias que deram certo, esquecem das dificuldades e do que deu errado”, diz.
Ele também critica o modo como muitos ficam “cegos” diante de notícias como a venda de um startup.“‘Nossa! Aquele pessoal fez uma startup, vendeu e ganhou muito dinheiro!’ Não é assim. Ninguém monta uma startup e no mês seguinte está vendendo. O negócio é de longo prazo”, diz Rodrigo, para em seguida falar do risco que se corre caso o propósito do empreendedor não esteja claro e firme o tempo todo: “Se você entrar no negócio apenas pelo dinheiro, as chances de sucesso são menores e a possibilidade de desistir antes do momento de liquidez é maior”.
As pedras no caminho dos fundadores do Buscapé começaram cedo. De saída, eles encararam a resistência dos varejistas em fornecer as informações (valores e detalhes dos produtos) que precisavam para o buscador de preços que estavam programando fazer sentido. A solução foi desenvolver um programa que colhesse isso automaticamente. Hoje a ideia é reconhecida como genial mas, na época, tomou ares de ameaça entre os lojistas. Era um tempo que ninguém queria dar preços, sequer por telefone. Rodrigo conta que eles receberam ligações nada amistosas e quase foram processados por um grande varejista para que sua empresa fosse retirada dos resultados do Buscapé.
Embora os fundadores não revelem, até hoje, quanto cada um levou na venda para o Naspers, é evidente que todos os esforços valeram a pena, já que a tão esperada liquidez demorou, mas chegou. O Buscapé começou a ser criado em 1998 e foi ao ar em 1999, com um investimento inicial de 4800 reais (algo equivalente a cerca de 15 mil). A venda para o Naspers aconteceu em 2009. Se convertermos o valor para cotações atuais, o aporte do grupo estrangeiro giraria em torno de 1 bilhão de reais.
AGORA, HORA DE CRESCER MENOS E LUCRAR MAIS
Com tantas aquisições em seu caminho, o Buscapé já chegou a ter mais de 1 500 funcionários — um número que não facilitava a preservação da cultura da empresa nem a implantação de processos. Em um evento no ano passado, Romero Rodrigues comparou os conflitos da equipe nessa época com os dos reinos fictícios da série de TV Game of Thrones. Mas isso mudou.
Embora a holding Buscapé Company hoje mantenha sete marcas (entre elas o buscador de preços onde tudo começou), a empresa está muito mais enxuta. Os negócios são tocados com “apenas” 300 pessoas, instaladas em um escritório de 3 mil metros quadrados no bairro de Alphaville, em Santana de Parnaíba, Região Metropolitana de São Paulo. O prédio tem ambientes com decoração temática geek e pop, de Vingadores a Star Wars.
Dali, os funcionários cuidam do dia a dia de pesquisas de 30 milhões de usuários do Buscapé. Embora evite falar em números devido à presença do Naspers em bolsas na África e na Europa, Sandoval afirma que o Buscapé é “uma das empresas de internet de maior valuation dentro do Brasil”. A receita anual está em torno de 300 milhões de reais desde 2015, e Sandoval diz que a companhia “está muito mais rentável” hoje: “Meu fluxo de caixa é infinitamente superior ao de 2015”. Também está desacelerando-se o modelo “comprador” na holding: a última aquisição foi em 2014, a pernambucana In Loco Media, especializada em anúncios em dispositivos móveis com alta precisão de localização. O CEO expõe sua estratégia:
“Deixei de comprar no mercado e simplesmente focar em crescimento e passei a focar fortemente em rentabilidade, para manter o negócio sustentável a longo prazo”
Agora, o objetivo financeiro do Buscapé é crescer duas vezes mais do que o e-commerce – um mercado que deverá avançar 12% este ano. Para isso, os esforços serão voltados para inserir o buscador de preços em cada “momento” de decisão de compra cotidiana, ou seja, a cada vez que o usuário pensar em algo que queira comprar. “A meta é o Buscapé estar ao lado do cartão do crédito do consumidor”, diz Sandoval. Provavelmente serão planos como esses que manterão o vigor econômico do Buscapé. Parece que o “filho cresceu” e, às vésperas de completar 20 anos, quer conquistar o mundo já sem a presença dos pais, mas ainda cultivando os aprendizados que eles deixaram.
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