“Como viver da sua arte?” Na última quarta, 16, essa pergunta-chave deflagrou o debate de lançamento do Perspective Hub, na Unibes Cultural, em São Paulo. O programa multidisciplinar pretende fomentar a inovação e o empreendedorismo entre profissionais de setores criativos na forma de mais de 200 eventos até o fim do ano, de encontros literários a cursos de desenvolvimento de games, passando por um festival de curtametragem em celular com engajamento de alunos da rede pública do estado.
A ideia é alavancar o surgimento de negócios inventivos, descolados, corajosos e com CNPJ, que emitam nota fiscal. “O empreendedor cultural não tinha um Cubo pra chamar de seu, mas agora a Unibes Cultural passa a ser o nosso Cubo, o nosso Google Campus”, disse Adriano Silva, publisher do Draft e mediador do debate, promovido pela Academia Draft. “Estamos fundando aqui a nossa comunidade.”
Mas, voltando à pergunta do primeiro parágrafo: como viver da sua arte? “Arte”, bem entendido, é um conceito elástico que aqui abrange todo o amplo espectro da produção cultural. Para elaborar uma resposta, empreendedores da gastronomia, música e mercado editorial subiram ao palco do teatro da Unibes para compartilhar suas trajetórias e visões de mundo e de negócios com uma plateia de 100 pessoas.
Cozinha com ‘cojones’
Os primeiros a falar foram Márcio Silva e Jorge Gonzalez, a dupla na direção do Buzina Food Truck. Pioneiros entre os “truckeiros” em São Paulo, eles lançaram moda e ganharam as ruas em 2013 – “quando não havia nem lei que regulasse esse negócio”, como explicou Jorge, um filho de cubano nascido em Nova Jersey.
Ex-publicitários, os dois amigos largaram as carreiras para abraçar a liberdade e o amor pela cozinha, inaugurando aqui o filão dos food trucks. Agora, porém, admitem que encontram pouco tempo para cozinhar, focados que estão em tocar a expansão do negócio. Hoje, eles também vendem bonés e camisetas com a marca Buzina e estão prestes a abrir a primeira casa “estática”, ou loja física, no bairro de Pinheiros.
Os limites entre a labuta e o lazer são fluídos, na visão dos sócios (que nesse sentido ecoam uma geração bem mais jovem, a dos Millenials). “Não sei a diferença entre trabalho e vida social”, disse Jorge. “Meus amigos ficavam surpresos: depois de passar o dia cozinhando eu ainda fazia churrasco para eles.”
A mensagem mais contundente que brotou da conversa foi a de que um negócio só avança se vier das “entranhas”. Ou, como disse Jorge, dos “cojones”. Traduzindo: é necessário que ele seja fruto de uma verdade interior, visceral.
Questionado se o empreendedor criativo precisa ter um sócio que “saiba fazer contas”, o paulista Márcio deu um contra-exemplo e contou que teve como sócia justamente uma pessoa saída do mercado financeiro. Isso não impediu que sua primeira empreitada gastronômica engordasse as estatísticas: o restaurante Oryza fechou em 2012, após um ano e meio.
“O melhor sócio que pude encontrar é exatamente o Jorge, que é também o pior, pois ele ama cozinhar tanto quanto eu”, disse Márcio, que recentemente foi um dos co-pilotos do reality show Food Truck – A Batalha, exibido no GNT.
Playlist contra o ‘jabá’
Caiçara de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, daquelas que “pegava seu próprio berbigão no mangue” durante a adolescência, a radialista Patricia Palumbo trilhou uma longa carreira em emissoras de rádio convencionais antes de se lançar no empreendedorismo à frente de sua própria rádio digital, a Rádio Vozes.
Lançada no fim de 2015, a Vozes iniciou suas transmissões em 2016, tocando 70% de música brasileira. Seu slogan – “A rádio que você sempre quis ouvir e a gente sempre quis fazer!” – expressa a fé de Patrícia no “poder transformador” do veículo. “Maria Bethânia e Luiz Melodia se formaram ouvindo rádio.”
Em contraste, a empreendedora identifica um “poder emburrecedor” associado às rádios convencionais brasileiras de hoje. “Elas têm no máximo 800 músicas em seu playlist. A Vozes, com um ano, já tinha 3 mil. E agora estamos chegando aos 5 mil.”
Patrícia vê as emissoras submetidas às lógicas do “jabá” (pagamento para execução de música) e dos interesses políticos que regem o sistema de concessões públicas. Para não falar da asfixia das minguantes verbas publicitárias. Rádio, como se sabe, é o primo pobre da mídia. Com a Vozes, ela acredita ter seguido para o polo oposto. “Estou mostrando que é possível sim fazer rádio com ética e responsabilidade.”
Aplaudida duas vezes ao longo de sua fala, Patrícia “sintonizou” a Vozes com seu aplicativo (Frejat estava cantando naquele momento) e confessou seu orgulho da plataforma tecnológica que utiliza, por não comprimir o som como acontece em outras rádios digitais. Um diferencial que pode vir a calhar na hora de sensibilizar investidores e anunciantes:
“Pedem minha audiência do Ibope, mas o Ibope não mede a gente. Dizem que é preciso se reinventar, mas eu precisei inventar.”
De Freud ao JavaScript
O último case da noite foi o de André Garcia, criador da Estante Virtual, site de vendas de livros usados (e também novos, desde 2014). Carioca, formado em administração, ele passou por empresas de gás e telefonia, mas sentia-se deslocado num meio corporativo que visava apenas ganhar mercado sobre a concorrência, sem mover uma palha para “mudar o mundo”.
A Estante Virtual nasceu em 2004 da própria dificuldade de André em conseguir livros para o curso de pós-graduação de psicologia social na PUC. “Apenas seis sebos tinham sites de venda, três deles toscos e os outros três com livros muito caros”, contou. Outra centena de sebos mantinham uma homepage que apenas indicava um endereço de e-mail para quem quisesse encomendar algum volume.
Sozinho, aprendeu a programar. “Passei de Freud para o JavaScript.” Mesmo tendo criado um negócio reconhecidamente pioneiro e seminal, que fortaleceu uma enorme rede de donos de sebo e pequenos lojistas antes excluídos do e-commerce, André é rápido em relativizar a sacada que deu à luz sua empresa. Para ele, “ideia é 1%, o resto é transpiração”.
Hoje, a Estante Virtual tem 65 funcionários, vende um livro a cada dois segundos (um ritmo muito melhor que a OLX, segundo André) e atinge alguns objetivos a que o empreendedor se propôs lá no início: o incentivo ao reúso, a difusão do consumo consciente e da democratização do acesso à cultura. “Há livros que vendemos por três reais.”
Depois de contratar um executivo para tocar a operação, André vem abrindo mais espaço em sua agenda para desfrutar o ócio criativo. Mas faz questão de divulgar sua história (a cada dois meses, mais ou menos) para espalhar inspiração.
“Tenho uma responsabilidade política. Não no sentido partidário, mas no sentido de ter uma missão no mundo, de levar inspiração. Quando me lancei lá atrás, já tinha esse propósito.”
Inspirar também é o propósito do Perspective Hub. Acompanhe o site do projeto e fique ligado nas novidades!