“O mundo é um livro, e aquele que não viaja lê sempre a mesma página”. Foi assim que o filósofo e teólogo Santo Agostinho definiu a necessidade humana de cruzar fronteiras. Movida por essa inquietude, a fotógrafa e escritora paulistana Camila Caggiano deu início a sua jornada ao redor do globo em 2017, quando percorreu 15 mil km de São Paulo (SP), no Brasil, até o Ushuaia, na Argentina. Mas o que torna a experiência dela um tanto quanto peculiar é a maneira como decidiu conhecer o mundo: sua jornada é feita a bordo de um Fiat Fiorino que ela transformou em motorhome.
Desde a adolescência, Camila ansiava por uma atividade que lhe permitisse conciliar o gosto pelos esportes e a vontade de conhecer novos lugares. Ao iniciar sua carreira profissional, ela se tornou fotógrafa de campeonatos de surfe. Com os anos, novas propostas de trabalho afastaram-na dos registros ao ar livre e ela se viu trabalhando dentro de estúdios.
“Lentamente, me dei conta de que a busca pelo dinheiro tinha substituído a procura pelo que realmente importa: a realização dos nossos sonhos”, reflete.
Com pouco mais de 40 anos, Camila estava em ótima forma física e seu sonho de viajar seguia mais vivo do que nunca. “Estava decidida a conhecer o mundo. Mas como fazer isso? Comecei a analisar e concluí que os maiores gastos eram com estadia. Daí veio a ideia: se eu tiver um carro que sirva de casa, não terei gasto com hospedagem”. Durante as pesquisas pelo carro ideal, Camila buscou um veículo que lhe desse conforto, mas que também fosse confiável nas longas viagens por estradas que, muitas vezes, eram precárias
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O Fiorino reunia as qualidades procuradas pela fotógrafa, mas a compra do veículo era só o começo. Transformar o carro numa casa sobre rodas é um processo longo e cheio de detalhes. Ao todo, foram cinco meses de trabalho até Camila adaptar o utilitário em um motorhome.
“Adquiri bastante experiência com equipamentos elétricos ao atuar na produção de cinema. No carro, não houve nenhuma mudança estrutural mais profunda. Instalei uma segunda bateria, tirei uma divisória que separa a cabine da parte de carga e nesse local instalei uma bancada, armários e um sofá-cama de 1,30 m de largura. Descobri na Fiorino um compartimento logo acima da cabine que se transformou no meu guarda-roupas”, detalha Camila.
Ao todo, ela investiu R$ 15 mil na transformação do veículo.
Camila se refere ao Fiat Fiorino no feminino não exatamente por ser uma furgoneta, mas porque a dela tem nome: Safira. Ela conta que a inspiração veio de um filme de fantasia chamado Eragon. Nele, um jovem fazendeiro estabelece uma relação de confiança e companheirismo com um grande dragão fêmea chamado Saphira. Juntos, eles encaram muitas aventuras. “Criei com meu carro uma conexão parecida com a dos personagens da ficção. Nos longos períodos de viagem ela é minha única companheira”, revela.
Com o carro devidamente adaptado e batizado, a fotógrafa embarcou em dezembro de 2017 para a jornada de 90 dias até o Ushuaia, na Argentina. Antes de partir, não foram poucas as pessoas que tentaram dissuadi-la da ideia. “Muita gente chegou a dizer que eu não voltaria viva”, recorda. Foram mais de 15 mil km percorridos entre o sul do Brasil, Chile e Argentina. A vida em um “caixotinho”, de acordo com Camila, não é simples e exige preparo e desapego. Apesar das dificuldades, ela afirma ter vivenciado uma sensação de liberdade plena.
“Descobri como uma vida mais simples pode ser gratificante. Antes eu pensava que o prazer estava em chegar aos destinos, mas essa experiência me mostrou como eu gosto da estrada. Isso coincide com a doutrina do Taoísmo, que eu sigo. Aprendemos que a felicidade está no ‘Tao’, que significa ‘caminho’”, conta.
A viajante revela que sentiu medo em alguns momentos, mas garante que soube dominar esse sentimento, sendo esta mais uma das muitas lições aprendidas na estrada. De passagem pelo sul da Argentina, ela soube da existência de uma cidade-fantasma. Ao visitar o local, foi informada de que não deveria permanecer por lá até tarde da noite, pois muitos arruaceiros estavam frequentando aquelas bandas. Mas o desejo de produzir boas fotos naquele lugar intrigante foi mais forte.
“A noite chegou com uma lua linda que tingia de prata as ruínas. Era o visual que eu precisava para as minhas imagens”, recorda. Distraída com as fotos, Camila não percebeu que os tais “arruaceiros” estacionavam as suas motos logo na entrada da cidade. Com a mochila nas costas e passos firmes, ela passou pelo grupo sem transparecer qualquer temor. Hoje, ela considera a hipótese de ter assustado aqueles motoqueiros.
“A visão de uma mulher de vestido branco saindo de uma cidade em ruínas pode ter sido o êxtase da noite para eles!”, diverte-se.
O Natal daquele ano foi passado à beira de um dos belos lagos de Ushuaia. Ao chegar, havia uma família que fazia um churrasco, mas logo foram embora. Antes de partirem, Camila perguntou se não estariam interessados em vender o isqueiro que usavam, pois havia se dado conta de que esquecera o seu. Fazia muito frio naquela região e ela precisava fazer uma fogueira para se aquecer. “Eles me deram o isqueiro de presente. Acho que esse foi um dos mais importantes presentes de Natal que já ganhei”.
Esse gesto de generosidade soma-se a outros que serviram, inclusive, para que a viajante percebesse a importância de adquirir experiência com pessoas que fazem da estrada o seu meio de vida. “Fiz muita amizade com caminhoneiros. Eles me ensinaram a escolher os melhores lugares para dormir e me alimentar”, conta. As experiências da viagem a Ushuaia foram compartilhadas por Camila no Sob as Estrelas, seu blog pessoal. Desde o dia 5 de dezembro, um documentário que narra toda a sua viagem está disponível nas plataformas de streaming Now e Vivo Play. Confira o trailer.
Enquanto supervisionava os últimos detalhes do seu documentário, Camila já se preparava para a próxima jornada: o Alasca. “Essa é uma viagem de, aproximadamente, um ano e meio. É possível fazer o percurso em menos tempo, mas não tenho pressa. Meu objetivo é escalar e fotografar todas as montanhas das Américas”, afirma. Safira e Camila pegaram a estrada no dia 3 de dezembro. Àqueles que desejam vivenciar uma experiência parecida, mas têm medo, Camila manda a real:
“A insegurança é o que impede as pessoas de fazerem o que têm vontade. Perseguir nossos sonhos é mais importante do que qualquer sensação ilusória de segurança”, finaliza.
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