Democratizar o conhecimento sobre a cannabis medicinal e facilitar o acesso aos medicamentos à base da planta, tendo em vista os pacientes que precisam dela para conseguir uma melhor qualidade de vida.
Trata-se não apenas de uma das principais lutas de ativistas que querem ampliar o uso medicinal da cannabis no Brasil, mas também da missão com a qual a Cannect tem se comprometido em seus ainda poucos meses de existência.
Anunciada em agosto, a healthtech tem um projeto ambicioso: criar um ecossistema de cannabis medicinal no país, reunindo pacientes, médicos, instituições de saúde e fornecedores dos fármacos numa mesma plataforma tecnológica.
CEO e confundador da Cannect, o empreendedor Allan Paiotti, 50, explica:
“Dá para fazer muita coisa antes das pessoas ficarem de fato doentes. Ou então tratar doenças crônicas de uma maneira que melhora muito a qualidade de vida”
E olha que o empreendedor pegou esse “bonde” quando ele já estava prestes a partir. Poucos meses antes, em abril, numa conversa com Fernando Domingues (cofundador da Cannect e também da Conexa Saúde), que a atenção de Allan se voltou pela primeira vez ao mercado ainda emergente da cannabis medicinal no Brasil.
Decidido inicialmente a investir no negócio, acabou sendo chamado para assumir a posição de liderança dentro da startup. Agora, em conversa com o Draft, Allan fala sobre sua entrada no mundo da cannabis, os passos ainda incertos desse mercado no país e as perspectivas para o setor e para a Cannect.
Como você entrou para o negócio da cannabis medicinal?
Eu não sou um executivo tradicional, fugi um pouco do mainstream de construção de carreiras. Muito cedo comecei a empreender em posições de liderança em empresas em que eu fazia algum investimento. Por essa história, acabei passando por indústrias muito diferentes.
Comecei como office-boy do Bradesco, mas minha primeira função estruturada foi na área de tecnologia. Depois me formei em biologia com especialização em genética. Minha carreira passou por consultoria, trabalhei na Booz Allen muitos anos atrás. Depois fui empreender no varejo, com aquela rede Lig Lig, de comida chinesa.
Montei aqui no Brasil uma operação de uma rede americana de materiais de escritório chamada Office Max, que depois virou a Kalunga. Depois passei por educação, por um fundo de investimento do varejo e montei um negócio de propriedade compartilhada de helicópteros.
Fui passando de setores nos últimos oito ou nove anos. Do começo de 2012 até 2019, eu estava liderando uma empresa chamada Guarde Aqui, de self-storage.
Em 2019, recebi um convite do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Eles queriam alguém de fora do mundo da saúde que viesse repensar o modelo. A saúde, como um todo, está se repensando, se redefinindo, e eu passei dois anos lá conduzindo esse processo. Aprendi um bocado sobre o tema
E, numa conversa em abril com o Fernando Domingues, criador da Conexa, plataforma de teleconsulta, ele contou que recebeu essa tese de investimentos em cannabis medicinal, que estava estudando com um grupo de pessoas. Aí, me entusiasmei muito com o negócio.
Achei o conceito, a tese e o momento do mercado da cannabis medicinal muito oportuno. Se encaixava nesse conceito de saúde que eu criei na minha vivência dentro do hospital, de desenvolvimento de tecnologia para assistir as pessoas numa jornada de melhor saúde. Dá para fazer muita coisa antes das pessoas ficarem de fato doentes. Ou então tratar doenças crônicas de uma maneira que melhora muito a qualidade de vida.
E como aconteceu o processo de criação da Cannect?
Quando ele compartilhou essa tese, eu decidi investir. Nesse processo de investimento, me falaram que precisavam de alguém com experiência no setor de saúde para ajudar a transformar aquilo em um negócio. E foi aí que acabei assumindo essa cadeira na liderança da Cannect.
Eu me juntei formalmente em julho. De julho para cá, a gente está acelerando bastante em termos de posicionamento estratégico, desde a plataforma até a maneira como trabalhamos o mercado consumidor, dos hospitais e instituições de saúde.
Começamos de fato essa jornada num setor que, na nossa visão, está ainda bastante imaturo, relativamente regulado pelas normas da Anvisa. Hoje não pode produzir nada, nenhum tipo de produto ou medicamento, que tenha na sua composição os elementos da cannabis medicinal
Isso está em ampla discussão, tem um projeto de lei hoje no Congresso que vai à votação aí nos próximos meses. E você pode importar o medicamento para uso individual.
A tese toda deste curto prazo é entrar trazendo muito conhecimento científico, muito conteúdo baseado em evidências, o que tem se estudado e que já está publicado ao redor do mundo sobre a boa aplicação da cannabis medicinal.
Nós estamos centrando esforços agora para facilitar o acesso dos pacientes e dos médicos ao medicamento. Essa é a primeira parte visível que você vê na plataforma. E agora temos uma esteira enorme de desenvolvimento. Somos uma healthtech, isso é importante ressaltar, porque pouca gente nesse setor tem essa cabeça de tecnologia. Esse é um diferencial importante da Cannect.
Como é a jornada do paciente nessa plataforma? Ela de fato reúne todas as pontas desse negócio?
Na plataforma, o paciente encontra um conjunto de médicos que sabem prescrever. Se não tiver uma prescrição ainda, ele pode marcar uma consulta online e conseguir a prescrição eletrônica. Com ela, a gente cuida de todo o restante da jornada, o paciente não precisa mais se preocupar com nada. Pedimos aprovação da Anvisa, cuidamos da compra do produto e garantimos que o remédio chegue o mais rápido possível.
Depois, a gente acompanha esse paciente. O medicamento à base de cannabis tem uma interação com o seu organismo, depende de como o seu fígado metaboliza, da quantidade de receptores, então o médico vai ajustando a dose dependendo da sua reação. Ele vê se tem que aumentar, complementar com outro princípio ativo… Esse é um trabalho que a gente também está trazendo para o mercado
A plataforma nasceu com uma visão B2C, toda focada na experiência do consumidor e facilitando a vida do médico. Ela está organizada em áreas de ênfase, como esporte, oncologia, dor crônica, neurologia e neuropatia infantil… São essas grandes áreas que têm informação científica para que o médico se sinta confortável para prescrever.
Também criamos uma grande vitrine de orientação sobre os produtos. A Cannect é a única plataforma onde você encontra hoje 200 produtos disponíveis com informações. Em breve, devemos ter perto de 350, o portfólio combinado de tudo que é ofertado por outras marcas no Brasil.
E a gente embarca ainda uma experiência para o médico que quer aprender como prescrever a cannabis, dando cursos e orientando. Temos uma equipe médica por trás para apoiar e tirar dúvidas.
O setor ainda tem uma série de gargalos e dificuldades associados às restrições aqui no país. Qual a maior barreira que vocês enfrentaram até o momento?
Tem muito preconceito que vem do desconhecimento, porque as pessoas ainda associam à maconha. Na nossa comunicação, a gente quase não usa a palavra maconha, a não ser para explicar a diferença. São duas plantas muito distintas. O hemp [cânhamo], de onde é extraída a maconha, tem mais teor de THC na flor e na folha. Os medicamentos à base de cannabis vêm da outra classe, a sativa.
O consumidor que ainda não recebeu informação de qualidade mistura tudo, como se estivesse tomando algo à base de maconha para tratar uma doença crônica. Por isso a gente decidiu começar com base no conhecimento, no que tem de científico. Quando superar essa fase de explicação do setor, queremos focar na qualidade de vida, criar o que chamamos de revolução verde usando a planta, que é incrível
Como biólogo, quando estudei isso 20 anos atrás, nem se falava dos mais de 120 princípios ativos da cannabis. Só dois estão sendo mais estudados, o CBD e o THC, então tem um universo de coisas a se descobrir.
Tem médico que diz que aquilo que os antibióticos representaram para a medicina no século 20, a cannabis vai representar para a saúde no século 21. E você ainda tem o mercado pet, que pode utilizar esse medicamento, além da alimentação, vestuário e outras verticais que vêm mais para frente, mas também precisam passar por esse processo de educação do mercado.
Como você vê esse mercado se desenvolvendo hoje aqui no Brasil?
O mercado da cannabis está se descobrindo. Dois ou três anos atrás, ainda era muito cedo. Não é uma coisa que vai acontecer da noite para o dia, mas hoje a gente está na ponta do iceberg, onde as coisas começam a ganhar velocidade porque a mídia começa a falar.
Muitos atletas nas Olimpíadas começaram a contar sobre a experiência usando CBD na recuperação muscular, para melhorar a qualidade do sono e a performance. Isso vai desmistificando o negócio. Você tem seminários de qualidade sendo feitos não só no Brasil, mas ao redor do mundo, com os médicos aqui muito conectados e começando a receber informação de qualidade. A espiral começa a acelerar, e a gente acha que este e o próximo ano vão ser decisivos para o setor.
O projeto de lei que está sendo discutido no Congresso já tem apoio e adesão para ser aprovado. A pauta de costumes ganha um peso importante nisso, mas é uma questão de tempo. Os tabus vão sendo quebrados. Essa indústria nos EUA, no Canadá e na Europa cresce de maneira muito rápida — e o Brasil não vai ficar para trás
A questão potencial do uso da droga tem que ser bem tratada e regulada. Essa é uma discussão madura que o Uruguai já tem, o Paraguai, a Colômbia… Os países estão chegando cada vez mais perto, então é inevitável que a gente acabe indo nesse caminho no futuro próximo.
Tem muita gente que vem para a plataforma tirar dúvida, que ouviu falar que esse negócio de CBD é bom. É uma bola de neve, um conta para o outro, aí toma o medicamento, vê a melhora e isso vai ganhando velocidade.
E a formação de médicos aptos a prescrever fármacos à base de cannabis?
Ainda é um grande desafio. Hoje o número de médicos que prescrevem não é superior a 1 500, num universo de quase 500 mil profissionais que existem no Brasil. Então a base é muito pequena. Essa é uma parte do esforço que a gente tem feito. Não estamos monetizando, só compartilhando conhecimento, cursos e orientando médicos.
Precisamos trazer a cannabis medicinal para o repertório terapêutico. Não é floral, não é medicina alternativa. É uma alternativa de medicina, de fato um remédio. Como remédio, ele tem que ser tratado da maneira adequada.
Você quer um negócio que mata seu fígado, como um anti-inflamatório? Ou tomar um medicamento à base de uma planta, fitoterápico, sem contraindicação nem efeito colateral, que vai de fato eliminar sua dor? Ele relaxa a sua musculatura, atua na inflamação e faz com que você de fato tenha uma vida mais saudável. É aí que a gente precisa posicionar a cannabis medicinal, e ensinar os médicos sobre isso.
Onde vocês esperam estar nos próximos dois ou três anos?
O que eu espero e acredito é em posicionar a Cannect como a grande plataforma que vai aproximar as empresas produtoras de remédios do mercado consumidor. Um grande marketplace com muito conteúdo, que vai conectar pacientes e médicos, e tornar o produto acessível.
Em dois anos ainda não devemos ter muito produto disponível na farmácia, é um processo de autorização que leva tempo. Até ter escala, está mais para cinco anos…, mas a gente quer estar bem posicionado para ser a grande referência nesse mercado, continuar sendo o grande destino para os pacientes. Através da Cannect, eles vão encontrar o que precisam
Hoje as pessoas não sabem dosar, têm dificuldade de saber quantas gotas tomar, qual a posologia. Isso vale para médico e paciente. Também estamos desenvolvendo um aplicativo, que vai ser um outro momento de consumo. Como paciente, você tem que ser lembrado do momento de tomar a medicação. Se tomou, reporta através desse app como está se sentindo depois de cada dose.
Essa informação vai fluir para o app do médico, que vai te acompanhar na jornada diária de tratamento. Tem muita ferramenta que a gente vai embarcar já ao longo dos próximos meses para melhorar a experiência do paciente e do médico.
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