Formado em Administração de empresas, Daniel Izzo, hoje com 38 anos, tinha uma carreira bem sucedida e promissora: gerente de produtos da Sundown, um dos principais produtos da gigante global Johnson & Johnson. Quando estava no cargo, as vendas de Sundown geravam dezenas de milhões de dólares de lucro por ano. O que seria motivo de orgulho para muitos profissionais, a certa altura passou a ser um problema para o executivo.
“De repente, parou de fazer sentido para mim trabalhar simplesmente para maximizar lucro”, conta ele. O gerente via todos os rendimentos serem enviados para acionistas no exterior, e as discussões na empresa serem sempre sobre como aumentá-los. Morando na cidade de São Paulo, Daniel entrou em crise ao perceber que contribuía para uma acumulação de riqueza que gera as desigualdades sociais tão gritantes e presentes no seu dia a dia.
“Começou a me incomodar o fato de eu tornar gente muito rica ainda mais rica, sem nem ao menos tentar trabalhar para melhorar a vida das pessoas que estavam à minha volta”
Decidido a mudar o sentido do seu trabalho, Daniel negociou, dentro da própria Johnson, uma missão na qual pudesse gerar benefícios para a base da pirâmide social. Em seguida, passou a atuar em comunidades no Rio de Janeiro desenvolvendo negócios para a população de baixa renda. Em paralelo, foi conversando com pessoas que trabalhavam com negócios sociais em São Paulo. Nessa época, aproximou-se de Henrique Bussacos, co-fundador do Impact Hub no Brasil, uma comunidade global de empreendedores de impacto. Desse encontro surgiria o insight para criar a Vox Capital, a primeira empresa de investimentos de impacto no Brasil, da qual hoje é diretor-executivo.
O ano era 2008. Daniel havia colocando dinheiro em uma startup de Henrique e, ao participar de uma reunião de investidores, ouviu um desabafo que o faria identificar uma lacuna a ser preenchida. O fundador do Impact Hub falava do desafio de gerar impacto social sem ser uma ONG, ou seja, visando lucro. Para isso ser possível, entendia que era importante ter uma equipe de alto nível em todas as áreas – financeira, de marketing e de operações – mas reconhecia que sua empresa não tinha dinheiro, nome, nem tamanho para atrair profissionais à altura da missão.
ELE SABIA O QUE QUERIA, MAS NÃO TINHA IDEIA DE COMO CONSEGUIR
“Eu pensava: puxa vida, o cara estudou na FGV, trabalhou no JP Morgan, vem de uma família bem conectada. Se ele tem esse desafio, todos os outros empreendedores de impacto terão problemas parecidos”, conta Daniel. A história ficou ecoando em sua cabeça, enquanto ele via cada vez mais empreendedores querendo fazer negócios de impacto, mas nenhuma fonte de financiamento ou apoio para estruturar essas empresas. Foi assim que ele percebeu não só a oportunidade, mas a necessidade de se criar um fundo para fomentar negócios de impacto social no país.
“Foi uma das ideias mais ingênuas que tive em toda a minha vida. Nunca tinha trabalhado com finanças, não tinha dinheiro, não conhecia nenhum investidor nem tinha noção de como um fundo de investimento funcionava”
É mais um daqueles casos em que você sabe exatamente onde quer chegar, mas ainda não conhece o caminho. No dia seguinte, ao ligar para Henrique e contar sua ideia, Daniel soube de uma coincidência que mostraria que ele estava no rumo certo. Naquela mesma reunião de investidores, participara como ouvinte Kelly Michel, fundadora da Artemisia, organização sem fins lucrativos pioneira no fomento de negócios sociais no Brasil. E Kelly não apenas tinha a ideia de criar um fundo de impacto, como já tinha um investidor estrangeiro e buscava sócios para abraçar a iniciativa.
Henrique fez a ponte entre os dois. Kelly, através de uma rede comum, já tinha chegado a Antonio Moraes Neto, que estava querendo montar um fundo semelhante com a sua família, dona do grupo Votorantim. “Ao invés de cada um fazer a sua iniciativa sozinho, conversamos para fazer juntos”, conta Daniel.
Assim, em janeiro de 2009 nascia a Vox Capital, fundada por Daniel, Kelly e Antonio, que se uniram por partilhar de um mesmo objetivo: criar um fundo de investimentos para estimular negócios de impacto social no Brasil.
A Vox Capital começou a operar administrando 5 milhões de reais da americana Potencia Ventures. Hoje, a empresa tem sob sua gestão um fundo de 84 milhões de reais, cujo maior investidor é a Finep, agência de fomento do governo brasileiro, com 25% do capital. Com diferentes fontes de financiamento, a família Ermírio de Moraes acabou nem sendo acionada.
A Vox atua por meio de um fundo de investimentos em participações (FIP), usado para adquirir participações em empresas. O fundo tem dez anos de duração e não permite que os acionistas façam resgates ou novos aportes. Daniel detalha este funcionamento:
“A gente vira sócio das empresas quando elas são bem pequenas, startups, e trabalha para ajudá-las a crescer. Procuramos sempre ser sócios minoritários, porque acreditamos que a equipe empreendedora que deve ser a dona do negócio”
Segundo o diretor-executivo, o objetivo é vender a participação quando as empresas atingem determinado tamanho. “O dinheiro, então, volta para o fundo e do fundo vai para os acionistas.”
A Vox Capital é mantida por uma taxa de administração, um percentual sobre o montante capitado pago anualmente. Se o fundo é bem sucedido, passados os dez anos, a empresa de investimentos ganha uma taxa de sucesso.
Atualmente, o fundo tem participações em nove empresas. Duas delas já saíram aqui no Draft, ToLife e Avante, e as outras são Tamboro, Saútil, Plano CDE, Balcão de Empregos, Quitei, Kidu e W Pensar. Além disso, a Vox investe em outras oito, na forma de dívida, ou empréstimo, que pode vir a se tornar uma participação. As perspectivas são de prosseguir neste caminho: eles querem levantar mais fundos para poder investir em mais empresas de impacto social no país. “Queremos crescer dentro do que já estamos fazendo e acreditamos que há muito espaço para isso”, diz Daniel.
UM MODELO EM QUE O DINHEIRO SERVE AO PROPÓSITO SOCIAL
A Vox Capital investe em empresas voltadas para as populações de baixa renda que atuam principalmente nas áreas de saúde, educação, serviços financeiros e habitação. “Na nossa avaliação, são os negócios que têm o potencial de oferecer um impacto mais direto na vida de pessoas em situação de pobreza urbana, que é o tipo de pobreza hoje predominante no Brasil”, conta ele.
Para despertar o interesse da Vox, uma startup precisa atender a ao menos quatro atributos:
1) ter uma equipe empreendedora que seja complementar e reúna condições de fazer a ideia acontecer;
2) ter um modelo de negócios que faça sentido, que possa ser lucrativo e ganhar escala;
3) ter um impacto social capaz de resolver um problema real da população de baixa renda;
4) ter “fit com a Vox”, ou seja, a Vox tem condições de preencher outras lacunas além da financeira.
Daniel fala um pouco mais sobre o que a Vox oferece, além do dinheiro: “A gente vira um sócio bem ativo. Trabalhamos o tempo todo para impulsionar a empresa a crescer, ajudando a abrir portas comerciais, a estruturar a governança e a atrair bons profissionais para trabalhar lá. Basicamente, estamos do lado da equipe empreendedora para ajudar naquilo que for possível para a gente”.
Segundo o diretor-executivo, achar bons negócios é a parte mais trabalhosa da empreitada e acaba sendo mais uma arte do que uma ciência. “O processo de seleção não é fácil. Normalmente a gente olha cerca de cem empresas para acabar investindo em uma. Por isso, temos que estar com o radar sempre ligado”, conta ele.
E o principal desafio da Vox Capital é justamente gerar casos de sucesso, mostrando que é possível juntar benefícios sociais em escala com bons retornos financeiros. Esse desafio é comum a todo o setor de investimentos de impacto no país. Daniel estima que hoje cerca de dez fundos, entre nacionais e internacionais, atuem na área no Brasil. “O dia em que tivermos muitos bons exemplos será mais fácil de atrair investidor, haverá mais gente querendo empreender e trabalhar nessas empresas. Entraremos num ciclo virtuoso, em todos os níveis”, vislumbra.
E o que é preciso para haver mais negócios de sucesso? Daniel acredita que os investidores e gestores de fundos precisam se conscientizar de que negócios de transformação social exigem muito tempo, trabalho, erros e acertos antes de darem certo.
“O desafio é desenvolver no Brasil uma cultura empreendedora com uma visão de negócios de longo prazo. É preciso ter consciência de que uma iniciativa não dá certo de um dia para o outro”
Daniel lembra que, quando a Vox começou, o termo “investimento de impacto”, hoje em voga em mercados financeiros e escolas de negócio, sequer existia. Ao olhar para a sua trajetória desde então, ele não tem vergonha de dizer que sentiu na pele muitas dessas dificuldades, que fizeram o fundo demorar mais para decolar, mas considera um acerto o fato de ter escolhido o caminho mais difícil. Dizer “não” a investidores que não acreditavam na tese da Vox, a potenciais sócios que queriam mudar o propósito do fundo, foram acertos que construíram a Vox. “Foi mais difícil, demorou mais tempo, mas hoje, que estamos numa situação um pouco melhor, traz muito conforto e muita força a gente saber que não teve que fazer coisas nas quais não acreditávamos”, diz.
O co-fundador da Vox não tem saudades dos tempos de executivo de multinacional. Agora, seu desafio não é mais aumentar o montante de receitas enviado para fora do país. Identificar os negócios sociais que podem fazer diferença no Brasil, apoiá-los e vê-los crescer é uma missão ainda maior, que ele encara com positividade. “Aqui tem dinheiro, tem empreendedor, tem gente querendo ajudar e tem um monte de problema para resolver. Então, agora é arregaçar as mangas, ser sério e mergulhar no trabalho pelos próximos anos para conseguir o resultado que a gente sonha.”
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