Fui adolescente na segunda metade da década de 80. Entrei na faculdade em 1988 e me formei em 1991.
Então cresci no inferno: governo Sarney, Nova República, planos econômicos furados, hiperinflação, recessão, governo Collor, corrupção endêmica.
Depois da euforia de 1986, com o Plano Cruzado, a economia foi esfriando ao longo de 1987 até encolher -0,6% em 1988. Depois de voltar a crescer em 1989, caiu violentos -4,35% em 1990. Andou de lado em 1991 e voltou a retroceder -0,54% em 1992.
Inflação? Segura aí: 980% em 1988. 1 972% em 1989. 1 620% em 1990. O descontrole dos preços bateria em absurdos 2 477% em 1993. (Não sabia que isso era possível? Pois é. Eu vivi isso.)
Nosso dinheiro não valia nada. Não sabíamos o valor das coisas. Diante desse duro espelho econômico, aprendemos a desconfiar inclusive do nosso próprio valor como indivíduos e como povo
Era duro ser brasileiro. Era duro ser jovem naquele Brasil. Vivíamos num país periférico, isolado, empobrecido, cafona. Não havia esperança nem autoestima. A crise econômica e a crise política pareciam eternas e insolúveis. Olhávamos para frente e não enxergávamos nada. Parecíamos fadados ao eterno desastre.
Esse cenário sombrio durou de novembro de 1986, com a derrocada do Plano Cruzado, a fevereiro de 1994, com o início do Plano Real. Foram, portanto, 7 anos e 4 meses arrastando correntes.
Com direito a uma recessão que durou 11 trimestres consecutivos, entre 1989/1992, com encolhimento de -7,7% do PIB. (Uma retração econômica semelhante à ocorrida no país no início da década de 30, na rabeira da Grande Depressão.)
Essa foi a minha realidade entre os 16 e os 23 anos.
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Ao virar adulto de vez, e começar minha vida profissional, no entanto, tive a sorte de embarcar num período de reconstrução da confiança no Brasil e de avanços importantes em vários aspectos da vida nacional.
No governo FHC, em especial em seu primeiro mandato, tivemos um choque liberal que reconectou o Brasil ao mundo. A inflação foi controlada e a população brasileira passou a ter acesso a computadores e telefones de padrão mundial – para não falar do frango e do iogurte, ícones das conquistas da época.
Depois, no governo Lula, tivemos a inclusão de milhões de brasileiros no mercado consumidor, tirando gente da linha da miséria e da fome, tornando o país um pouco menos injusto
Foram quatro mandatos em que o Brasil se tornou um país mais respeitado. Éramos um líder emergente, parte do BRIC.
O mercado se abriu, o país atraiu investimentos e se tornou mais competitivo. No ápice, chegamos a importar talentos. Os gringos queriam vir trabalhar no Brasil.
Foram 16 anos de crescimento econômico – em sete desses exercícios experimentamos uma expansão do PIB superior a 4%. (Apenas em 2009, com a crise financeira mundial, tivemos uma retração: -0,16%, um impacto relativamente pequeno.)
A renda média e o poder aquisitivo dos brasileiros aumentaram. Quase todos nos tornamos mais prósperos naquele período.
O Brasil oferecia alguma previsibilidade, tínhamos alguma confiança em nossas instituições. Sobretudo, tínhamos a convicção de que estávamos caminhando para frente, ainda que com passos mais lentos do que poderíamos empreender
Estávamos montados sobre o chassi de uma democracia liberal. Íamos nos tornando, aos poucos, mais promissores, menos caóticos.
Nossos velhos problemas estruturais estavam lá – corrupção, desigualdade social, violência, destruição ambiental. Apesar de todas essas ineficiências, das nossas vastas deseconomias, a vida privada ia adiante.
Além de mais dinheiro no bolso, tínhamos uma certa noção do que esperar – do governo, do mercado, do dia de amanhã.
Vivi esse cenário favorável dos 23 anos até pouco depois dos 40. Um período fundamental para você avançar profissionalmente, se posicionar na vida, construir algum patrimônio.
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Esse quadro começou a degringolar em 2013. Naquele ano ainda não usávamos a palavra “crise”, mas já havia um clima estranho no ar. Uma crescente insegurança econômica se instalava no país.
As manifestações de junho daquele ano materializaram esse enorme bode nacional. O protesto em várias capitais contra o aumento nas tarifas do transporte urbano mobilizou o país. Insatisfações à esquerda e à direita tomaram as ruas. E o país rachou. A pax brasileira havia sido rompida
Esse processo de polarização se agudizou com a Operação Lava-Jato, iniciada em fevereiro de 2014. E pegou fogo durante a eleição presidencial daquele ano, que reelegeu Dilma Rousseff. A crise política, potencializada pela enorme crise econômica que se abateu sobre o país, resultou no impeachment de Dilma, em agosto de 2016.
Em números: a recessão de 2014/2016 durou 11 trimestres e acarretou um encolhimento da economia da ordem de -8,2%. Trata-se da segunda maior recessão da nossa história.
(A pior crise econômica brasileira, a saber, é a de 1981/1983, que durou 9 trimestres, mas implicou um encolhimento de -8,5%. Os anos 80 foram muito duros, do início ao fim. Por isso se fala em “década perdida”.)
Depois, nos dois anos do governo Temer e no primeiro ano do governo Bolsonaro, a economia andou de lado, com crescimento na casa de 1%.
Em 2020, com a pandemia, a retração foi de -4,1%. Em 2021, com crescimento previsto em 4,58%, houve recuperação das perdas do ano anterior. Ou seja: entramos 2022 com o PIB mais ou menos no patamar de 2019, e com uma expectativa pífia de crescimento para a atividade econômica nos próximos 12 meses: 0,5 %.
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Eis o ponto: ano que vem completaremos dez anos de crise.
É um fato consumado: já temos outra década perdida inscrita em nossa história.
São dez anos de crise política. Com o país fendido. De um lado, o esfacelamento da ilusão de que a esquerda é imune à corrupção. Ou de que tem uma ética diferenciada na gestão da coisa pública.
De outro, a revelação trágica e assustadora de que ao menos 20% dos brasileiros são simpáticos ao ideário fascista da ultradireita e coniventes com as bravatas mentirosas de gente desprezível como Bolsonaro
E são dez anos de crise econômica. Sem crescimento real, sem construção de riqueza. Com aumento de preços, desvalorização da moeda, retração do poder de compra, diminuição das oportunidades de emprego e de geração de renda.
Para quem nasceu por volta de 1990, o estrago está feito.
Ou seja: grande parte da chamada Geração Y, em especial a ala mais jovem dos Millenials brasileiros, chegou ao mercado de trabalho mais ou menos junto com a crise.
Então, se você tem 30 e poucos anos, saiba que seus primeiros dez anos de carreira foram trilhados debaixo de péssimas condições meteorológicas. Não se cobre tanto, não se sinta tão mal.
Se tem sido um esforço grande manter a cabeça para fora d’água, tenha consciência de que você tem nadado em águas traiçoeiras.
E para a turma que nasceu por volta de 2000, a chamada Geração Z, os nossos Centennials, que estão chegando agora ao mercado, na flor dos seus 20 e poucos anos, só posso desejar que essa década perdida seja devidamente enterrada esse ano, quem sabe já a partir das eleições de outubro
Para que possamos finalmente estabelecer uma nova pax no Brasil, de onde surja uma nova perspectiva para o país, com esperança de melhoria de vida para os brasileiros.
Penso que o melhor que podemos desejar uns aos outros nesse momento é isso: que os desafios de 2022 nos permitam construir um 2023 mais feliz. Feliz Ano-Novo que vem!
Adriano Silva é fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft e do Future Health. É autor de dez livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores, e lançou recentemente seu mais novo título: Por Conta Própria: do desemprego ao empreendedorismo – os bastidores da jornada que me salvou de morrer profissionalmente aos 40.
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