O interior de São Paulo é conhecido pelas grandes plantações de cana-de-açúcar e produção de etanol. Solo e clima são favoráveis à produção da cana, a base de uma indústria pesada e muito tradicional. Em meio ao calor e aos canaviais da região, o advogado Luís Roberto Lorenzato Di Ivrea, 44, teve uma ideia inusitada: construir uma vinícola. Isso mesmo. Em Ituverava, cidade de 38 mil habitantes, perto de Ribeirão Preto, hoje existe uma improvável e bem sucedida vinícola boutique, onde se fabricam cinco tipos de vinhos.
A fazenda, que funciona onde antes era um haras, foi transformada em galpão, destilaria e espaço para visitação e degustação. Nasceu ali a vinícola Marchese Di Ivrea, que produz 50 mil garrafas por ano. O projeto desafia o paradigma de que, para se produzir um bom vinho, é necessário ter um ambiente frio, como na região Sul do Brasil e em outros países.
Como se pode supor, desmistificar essa tradição não foi tarefa fácil. Levou anos, e ainda é um trabalho em construção. Roberto conta que, no começo, todos o chamavam de louco. “Um amigo meu, que é agrônomo, disse que se esse projeto desse certo ele rasgaria o diploma”, conta. “Mas hoje lembramos e rimos, a promessa virou uma brincadeira.”
Especializado em direito internacional, o advogado tem alma empreendedora e sempre se envolveu em projetos paralelos. Teve uma empresa na área de educação e outra especializada em organização de eventos esportivos. Ele conta que veio parar na fazenda (que viria a transformar em vinícola) por acaso. Um amigo ofereceu a propriedade a um bom preço e o casarão antigo atraiu o empresário, que é um amante de história. Roberto decidiu, então, comprar a fazenda para usá-la como espaço de lazer para a família aos fins de semana.
A ideia de fazer do espaço uma vinícola veio sem querer, meio de relance, durante uma festa de Santo Antônio organizada na fazenda, em 2006, na qual os convidados enfrentaram extremos de temperatura — um frio de 4°C à noite e um calor de mais de 30°C de dia. A família de Roberto produz vinhos há 900 anos na região da Toscana, na Itália. Por experiência, ele sabia que para ter um vinho de qualidade é necessária uma boa amplitude térmica, ou seja, noites frias e dias com muito sol. É o que ele tinha, ali, em Ituverava.
“É um mito que a uva precisa de neve, de frio, porque na Europa ela é colhida com 40, 45°C. No ano passado fez 50°C na Bolonha, muito mais quente do que na região de Ituverava”, diz. Além da boa amplitude térmica, outro item favorável à ideia que lhe surgia é o fato do tempo ser mais seco na região, algo crucial na produção de uvas para vinhos. “Aqui não chove em julho e agosto, época em que a fruta está no ápice do açúcar. Por que no Sul tem muito espumante? Porque lá as uvas não amadurecem. Aqui também, em dezembro e janeiro, minha safra é igual à do Sul, pois chove muito, o que faz com que as minhas uvas também não amadureçam. Então, opto por fazer um vinho rosé ou um espumante, sendo fiel ao clima, já que o que determina a qualidade de um vinho é o teor de açúcar”, diz.
Roberto investiu ao todo 7 milhões de reais no negócio, que ocupa 15 hectares e atualmente conta com 14 funcionários. O gestor da vinícola William Davanço, 45, conta que a vinícola trabalha com três tipos de uva. A Niágara é para consumo, pois com ela só se consegue fazer vinho de mesa, que é um produto mais barato. “Nós vendemos a Niágara para o consumo, cerca de 60 toneladas, para uma rede de supermercados. Depois da vinificação, aproveitamos a casca para fazer grapa, a aguardente produzida com a casca da uva. Somente depois desse processo é que a casca vai para o aterro, vira adubo e passados seis meses ela volta para o vinhedo. Não desperdiçamos nada”, diz ele. O manejo da uva Niágara é um negócio tradicional, pode-se dizer, e por isso tem uma gestão menos complexa. Os problemas surgiram quando Roberto começou a plantar as outras duas qualidades de uva, mais sofisticadas e que geram produtos mais caros.
NÃO É FÁCIL INOVAR COM TORCIDA CONTRA
Animado com as perspectivas de produção por conta do clima da região, Roberto investiu no que estruturaria a qualidade de seus produtos e escolheu a Sangiovese e a Moscato Giallo, duas qualidades de uva italiana tradicionais. Fez clones das mudas e iniciou a plantação do vinhedo. Bem ali, em Ituverava, o que, segundo ele, gerou inúmeras dificuldades, com muita gente torcendo contra — e até sabotagem. “Um enólogo que veio do Sul plantou muitas mudas erradas. Tive que replantar quatros vezes até dar certo. Fui vítima de roubo de material genético. Foram muitos problemas até eu conseguir fazer um vinho, com as uvas que queria, na minha propriedade. Nem acreditei quando tomei pela primeira vez.”
Na primeira safra, Roberto moeu a uva na cidade de Itapira, a 250 quilometros de Ituverava. Só depois de provar o vinho (e gostar do que experimentou) é que ele resolveu montar uma fábrica própria, com capacidade de produzir 50 mil litros por ano, e que está sendo ampliada. Roberto conta que no último ano recebeu propostas para montar vinhedos em outros lugares, como no Rio de Janeiro e Uberaba.
Desde 2006 ele se engaja no mercado de vinhos. Atualmente, a sua vinícola exporta para países como os Estados Unidos, Portugal, Suíça e Itália. A exportação começou através dos contatos de amigos em outros países. O carro chefe da casa, o vinho Arduíno, já foi premiado como o melhor vinho brasileiro na Exposição Mundial de Vinhos em Milão, e em 2015 foram vendidos 20 mil litros da bebida, conta Roberto: “Não queremos comparação com outros mercados nacionais. Temos uma uva que não existia no Brasil. Existia somente na Toscana e na Califórnia”.
O universo de produtores e exportadores de vinho é complexo, cheio de nuances, e aos poucos o produto de Roberto vai encontrando o seu lugar. Enquanto isso, ele encontra mais maneiras de se destacar, criando demanda onde não existia, como ao transformar o estranhamento — o fato de haver uma vinícola no meio de uma região tão identificada com canaviais — em negócio, ao promover passeios guiados aos vinhedos, seguidos de degustação dos produtos.
A visitação ao local custa 60 reais, com passeios guiados nos vinhedos, na parte industrial da vinícola e da destilaria e termina com uma degustação harmonizada com queijos, frios e pães. Participam em média 100 pessoas, aos finais de semana. Entre os vinhos, o mais famoso é mesmo o Arduino (feito com uvas 100% Sangiovese), que ganhou este nome em homenagem ao último rei da família italiana de Roberto. Depois vêm o Moscato Giallo Seco, Moscato Giallo Suave, Saint Hilaire Rose e São Bento (tipo porto). Os preços variam de 30 a 80 reais, de acordo com o tipo de vinho.
Ele ainda tem muitos projetos para o local, como o de montar uma cozinha gourmet para receber melhor o público, construir uma capela onde possam ser celebrados casamentos e batizados, e reproduzir parte de uma destilaria para mostrar o processo de fabricação da grapa ao vivo para os frequentadores. A reforma está em andamento e deve estar concluída em julho deste ano.
Roberto, que agora advoga apenas em prol de suas uvas e vinhos, conta que precisou ralar para conseguir ter sucesso:
“Achei que montar uma empresa fosse mais fácil, que era só ter o capital e a ideia, mas esqueci de um pequeno detalhe: tem que trabalhar muito. Aprendi isso na marra”
Em sua visão, para que o trabalho continue dando certo, é preciso otimizá-lo ao máximo, verticalizando e profissionalizando todas as etapas. “No meio de plantações de cana, estamos fazendo delicados cachos de uva para um vinho de qualidade. É um processo extramente difícil e artesanal”, afirma.
A mulher de Roberto, Michelle Lorenzatto, 34, também é sua sócia no empreendimento, e relembra o quanto tudo foi difícil no início: “Quando começamos com projeto das uvas, ninguém acreditou que pudesse dar certo”. Ela está satisfeita com o desempenho do negócio, que aproximou o casal. O calor continua, o friozinho à noite também, e as uvas vão bem.
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