É comum a gente responsabilizar os pais por tudo. Pelo que gostamos (e também pelo que detestamos) em nós.
A gente se vê refletido no espelho que os progenitores nos emprestam. Às vezes com orgulho. Às vezes com raiva.
A verdade é que cada um é 100% responsável pelo que é e pelas escolhas que faz. Tanto as heranças que você acatou quanto as que você recusou estão na sua conta – e na de mais ninguém.
Ainda assim, é possível identificar as contribuições mais marcantes que você recebeu de seus pais. As lições que você aprendeu – por adesão ou por reação. Jeitos de pensar e de fazer que você incorporou. E que passaram a fazer parte de quem você é.
Bebemos da lucidez e da loucura de nossos pais. Filtramos tanto quanto possível essa herança. E ela se transforma na nossa própria loucura, na nossa própria lucidez. Que passaremos, inevitavelmente, adiante para os nossos filhos
Com minha mãe creio ter aprendido um par de coisas. Que me permitem dormir tranquilo. E que também me tiram o sono. Que ordenam meu dia. E às vezes ardem.
Coisas que me trazem leveza e paz de espírito. E, por vezes, pesam como fardo.
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A Responsabilidade sempre foi um valor fundante na vida que aprendi com ela.
O desconforto de deixar pontas soltas. A incapacidade de deixar bolas caírem. O compromisso de fazer o que você diz. De cumprir o que você promete. De entregar o que você combina. E jamais deixar alguém na mão.
O que leva a um senso de Honestidade.
De um lado, a obsessão com a verdade. Buscá-la, dizê-la, não aceitar outra moeda. De outro, a impossibilidade de dormir à noite sob a perspectiva de ter sido injusto ou desonesto. De ter traído ou abusado da confiança alheia. De ter me beneficiado de modo ilegítimo de alguma oportunidade ou interlocutor
Não quero nada que não seja meu de direito. Nem participar de nenhuma história que eu não possa revelar à luz do dia.
O que carrega a ilusão do Perfeccionismo.
Minha mãe sempre foi meticulosa com as coisas que produzia. Se ela decidia fazer, fazia bem feito. Dedicava os recursos e o afinco necessários a que o resultado fosse o melhor possível.
Ela sempre operou acima da média. Sempre foi ciosa disso. Nunca conviveu com a meia-boca. Tanto no campo das ideias quanto das realizações práticas, sempre operou com um padrão de qualidade alto.
Ao mesmo tempo, com os anos, minha mãe foi se construindo mais amiga de si mesma. Soube se colocar, com o passar do tempo, no centro do seu mundo, em paz com quem ela escolheu ser e com as coisas que resolveu fazer – e também com aquelas que decidiu deixar de fazer.
Revogou o sentimento de “culpa” em sua vida – uma conquista maravilhosa.
(Eu nunca fui tão caprichoso quanto ela, que sempre teve parâmetros superiores aos meus. Por outro lado, ao contrário de minha mãe, ainda uso muitas vezes as lentes alheias para olhar e medir a mim mesmo. O que é uma tolice em forma de grilhão.)
Aquele jeito meticuloso de lidar com as coisas desembocou numa preocupação com a Sustentabilidade.
Muito antes de ouvir essa palavra pela primeira vez, e de entender o seu conceito, já economizávamos todos os recursos possíveis. Não apenas pela questão financeira, mas porque não fazia sentido desperdiçar as reservas disponíveis – nem as nossas, nem as do planeta.
Éramos ecologistas, o termo da época, sem carteirinha. Sem saber, eu aprendia com minha mãe, avant la lettre, a importância de zerar a minha pegada de carbono.
O que contribuiu para que surgisse em mim um comportamento Espartano. Desenvolvi a habilidade de viver com pouco. (Ou de continuar fazendo uma conta apertada, mesmo em momentos de fartura.) E a operar com o mínimo necessário. Sem muito luxo.
Tendo dificuldade de me permitir até mesmo um conforto aqui ou uma autoindulgência acolá – mesmo quando eles eram perfeitamente possíveis. A regra: tudo que não é indispensável pode ser dispensado. Tudo que não é essencial é supérfluo.
O que gerou em mim também um sentimento de Estoicismo. A capacidade de aguentar o tirão, de resistir às adversidades. E ir adiante, um passo de cada vez. Mesmo com dor, mesmo debaixo de intempérie.
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Por fim, aprendi com minha mãe o amor às palavras. E aos livros. E à escrita. Tive acesso a esses insumos e eles germinaram em mim. Como grãos de pólen que emanavam dela e que ajudaram a compor meu próprio jardim.
Tudo isso, a rigor, não é o que minha mãe me ensinou – mas, muito mais, o que eu consegui, ou optei, aprender com ela. A responsabilidade por essas escolhas, e pelo que me tornei, é exclusivamente minha
Por todas essas contribuições, lhe sou grato. Pelas ideias que serviram de bússola. Pelos gestos que foram farol. O resto é comigo. É o que pude e o que eu quis.
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Por fim, lembro da mulher de olhos e boca bem maquilados, de feições bonitas, a um só tempo delicadas e marcantes. Da mulher em movimento, sempre bem perfumada e bem composta.
Munida com a coragem e a determinação de quem decidiu protagonizar a própria vida. Numa época em que a autonomia e a independência custavam às mulheres um preço ainda mais alto e injusto.
Uma mulher pequena. E gigante. Cruzando com firmeza e graça pela vida.
Adriano Silva é fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft, Founder do Draft Inc. e Chief Creative Officer (CCO) do Draft Canada. É autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores.
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