“Colaborar pressupõe trabalhar junto, ter um propósito em comum e estar aberto à discussão”

Beatriz Souza - 16 nov 2015
Mateus Silveira lidera as inovações de uma empresa do porte da Fiat diante das mudanças do mercado e da sociedade.
Beatriz Souza - 16 nov 2015
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Um laboratório de criatividade aplicada, baseado no processo colaborativo, focado no comportamento do consumidor e com entregas de valor compartilhado. Parece complicado, mas é inovação pura. Trata-se do After Burner, projeto de inovação corporativa da Fiat no Brasil, que tem por trás a cabeça criativa do designer Mateus Silveira, da área de Future Insights da montadora.

Mateus está na Fiat desde 2000, quando era apenas um estagiário. Inquieto, como ele mesmo gosta de se definir, passou por diversas áreas dentro da empresa até chegar na inovação. No meio do caminho, fez parte de grandes projetos de colaboração como o Fiat Mio, o carro conceitual da Fiat concebido numa plataforma digital aberta com a participação de mais de 17 mil pessoas. Depois, fez parte do Fiat Mais, dessa vez trabalhando em colaboração com criativos de outra empresa.

Foi daí que surgiu o embrião do After Burner: o projeto Container (do qual falamos nesta matéria do Draft). Trata-se de um grande estudo sobre o futuro das cidades, a partir do qual a Fiat pretende propor um diálogo aberto sobre mobilidade urbana em busca de soluções para os problemas das grandes cidades.

Segundo Mateus, o Container é um protótipo não incubado do After Burner, já que teve início antes do projeto ser oficializado e ganhar seu próprio espaço. Agora, o laboratório já está em funcionamento e trabalhando em seu primeiro desafio. Funciona assim: Mateus junta uma equipe pequena para trabalhar na resolução do problema e eles têm até três meses para entregar. A diferença é que a equipe deve ser formada por alguém da Fiat, um universitário e alguém de outra empresa — para que possam trabalhar colaborativamente mas sob perspectivas diferentes. “É aquela forcinha extra para uma boa ideia conseguir sair do papel”, afirma Mateus.

Conversamos com Mateus sobre o After Burner, inovar dentro de uma multinacional e os desafios na hora de atrair e reter talentos. A seguir, os melhores trechos do papo:

Para começarmos, explique melhor o que é o After Burner?
O projeto foi nomeado assim por causa do conceito que há por trás da tecnologia. After Burner é uma tecnologia de jatopropulsão usada nos caças para ter um empuxo extra quando necessário. É aquele momento quando, na exaustão da turbina, injeta-se combustível para gerar uma força extra e superar uma dificuldade. O After Burner da Fiat recebeu esse nome porque tem tudo a ver com este conceito: pegar ideias com grande potencial e dar um empuxo extra para que superem as barreiras do dia a dia. Assim como nos jatos, não é algo para ser usado em todos os projetos, é para os casos em que a gente percebe que uma boa ideia só vai sair do papel se receber essa força extra.

Como se chegou a este conceito?
O After Burner, primeiro, surge da necessidade de se adaptar aos novos tempos. Nos inspiramos muito em uma frase do Abraham Lincoln que diz: “Os dogmas de um passado calmo não funcionarão num futuro turbulento. Como nossa causa é nova, também precisamos de idéias e ações novas”. Ele fala isso há muito tempo, num contexto completamente diferente, uma discussão com o congresso Americano sobre a escravidão, mas esse conceito se encaixa perfeitamente no momento que estamos vivendo, agora, na indústria automotiva.

As práticas que a gente teve em um passado de dois anos atrás, e que insistimos em continuar usando, não estão mais dando resultado

Nós precisamos criar novas práticas e novas maneiras de conduzir nossos projetos para conseguir superar as barreiras que estamos enfrentando.

E como isto funciona na prática?
Para lidar com cada desafio vamos reunir uma equipe com as habilidades necessárias para resolver a situação. O time será formado por alguém de dentro da empresa, que trará o olhar interno, que conhece os nossos valores, nossa cultura e os detalhes da nossa operação. Também traremos um universitário, que é alguém novo, livre de conceitos, que quer mudar o mundo e é movido a propósito. Para completar o time, também vamos chamar alguém de outra empresa, que compartilha conosco a visão preocupada com resultado, prazo e com a operação em si, mas que não entende do nosso negócio especificamente e pode trazer uma visão fresca como a do jovem universitário. Além disso, eventualmente a gente tem a visita de especialistas, que chegam para complementar o conhecimento que a gente está construindo, e agitadores, que vêm quando já estamos com o conceito construído e queremos colocá-lo a prova para ver se é realmente forte. Para começar, já temos um desafio – que ainda não posso falar o que é – mas imaginamos que com a evolução desse projeto, teremos uma plataforma na qual os funcionários da empresa poderão submeter os próximos desafios, que podem ser induzidos por nós, com um tema ou espontâneos, baseados na própria realidade de trabalho deles.

No futuro, queremos fazer uma plataforma aberta para empresas parceiras submeterem desafios que acreditem que conseguiriam resolver junto com a Fiat

E, quem sabe mais para frente, oferecer essa oportunidade para a própria comunidade. Nós trabalhamos com o prazo máximo de três meses para entregar um desafio. A entrega não é só um resultado prático. Chamo de entrega estendida: entrego pessoas transformadas, que puderam experimentar novas práticas de trabalho; as próprias novas práticas com seus sucessos e insucessos que viram aprendizado; a rede de parceiros também é uma herança que fica. Pode ser que o desafio em si não traga um resultado positivo, mas o resultado em todas as frentes compensa e vale o trabalho.

No final de 2014 vocês lançaram o projeto Container (ou Futuro das Cidades) para discutir as questões relacionadas à mobilidade urbana nas grandes cidades. Como ele se relaciona com o After Burner?
O Container é o primeiro protótipo do After Burner. É como se ele fosse um projeto não incubado, porque veio antes da consolidação do After Burner.

O seu envolvimento com inovação veio de algum acontecimento em especial?Participei do Projeto Fiat Mais, uma experiência de colaboração corporativa entre a Fiat e outra empresa, e foi lá que o embrião do After Burner se formou. Estávamos juntos, os criativos da Fiat e o dessa outra empresa e, em determinado momento, empacamos, não conseguiamos chegar a lugar algum. Até que de repente aconteceu uma explosão de criatividade, que foi surpreendente para gente. Nas semanas seguintes, começamos a nos perguntar o que é que tinha despertado essa criatividade, qual teria sido a fagulha que acendeu aquela chama tão grande. Olhando pra trás, percebemos que havíamos tomado uma série de decisões que levaram a esse resultado, e a partir disso começamos a pensar em como estruturar esse processo. Daí surgiu o conceito do After Burner, logo depois veio o Futuro das Cidades e, por fim, decidimos oficializar as coisas e estabelecer um espaço físico, um laboratório, para o After Burner.

Como é inovar dentro de uma grande empresa como a Fiat?
Na Fiat existe um terreno muito fértil para inovar. Além disso, sou uma pessoa muito inquieta, o que colabora para que eu questione muitas coisas ao meu redor. De um lado tem a inquietação e do outro um ambiente que permite esse debate, então quando a gente se encontrou, deu certo. Eu vi que tinha a oportunidade de propor algumas discussões e, também, de trazer um olhar diferente. Sou designer, que em geral é um profissional multidisciplinar, que trabalha de forma sistêmica e tem o olhar sempre focado no consumidor. Isso ajudou a construir projetos que têm uma perspectiva diferente – e por isso se destacaram.

Você nunca enfrentou resistência?
Sempre há resistência quando falamos de mudança, de sair da zona de conforto, né? Ainda mais em uma empresa com uma operação tão grande quanto a Fiat, mas isso faz parte do trabalho do inovador. Faz parte encontrar barreiras e persistir para superá-las. 

É papel das empresas contribuírem para a resolução dos problemas das cidades?
Não sei se todas elas estão preparadas para isso, mas acho que todas poderiam e deveriam. Quando olho um pouco para a história da Fiat, vejo essa vontade de estar próximo do consumidor e entender o compasso das mudanças. Claro que ao fazer isso a empresa assume alguns riscos – e talvez por isso outras empresas não o façam —, mas a gente entende que estar próximo ao consumidor ajuda a compreende-lo, a saber suas demandas e, principalmente, resolver e entregar soluções que o surpreendam.

Embora grandes empresas estejam buscando o trabalho colaborativo, sabe-se que ainda assim seus executivos enfrentam forte competição. Como resolver isso?
No meu entender, a colaboração não permite que haja competição.

Colaborar pressupõe trabalhar junto e ter um propósito em comum. Tem que ser um ambiente aberto à discussão

Imagina só: quando a gente tava no projeto Fiat Mio – maior projeto de inovação aberta da indústria automotiva —, estávamos construindo o que seria o carro do futuro. Então, eu tinha que estar aberto para ouvir que, por exemplo, o que era o carro do futuro para eles não era o que eu queria. Se eu não quero escutar e considerar a resposta, eu nem pergunto, né?

Hoje, há uma dificuldade em atrair a nova geração para empresas tradicionais. Como mudar isso?
A economia tradicional tem processos estabelecidos e as coisas que são estabelecidas não pressupõe mudanças – é para ser assim. Mas o mundo em que a gente vive é um mundo em constante mudança, no qual não cabe mais ter coisas estabelecidas. Então a gente precisa mudar junto para poder ser atraente para essa geração que está vindo.

Como as empresas podem aproveitar estes jovens, que já são mais inovadores, para trazer mudanças? Há espaço para eles?
É importante construir um ambiente em que possa haver troca dentro da empresa entre os mais velhos e os mais novos para construir uma cultura comum. O jovem tem um papel essencial. O fato dele mudar toda hora de emprego é reflexo desse momento que estamos vivendo: ele não quer se estabelecer e talvez isso não seja um problema. Temos que estar atentos para criar oportunidades para atrair esses talentos. Por isso escolhemos estabelecer o laboratório físico do After Burner dentro de um complexo que pertence à Fundação Torino. Lá funcionam as escolas de ensino fundamental e médio do grupo Fiat. Decidimos estar próximos a eles para poder observar e nos relacionar com esses jovens. Ver como trabalham, do que gostam, aprender mesmo com eles e depois levar essa experiência para a corporação.

Trabalhar com inovação sempre foi uma vontade sua?
Sempre me interessei por inovação, design, artes, contato com consumidor, mas nunca imaginei chegar a trabalhar com inovação. Não foi um caminho que trilhei, mas as escolhas que fiz acabaram me levando a isso. Por ser uma pessoa inquieta, passei por várias áreas diferentes da própria Fiat, nos muitos anos que estou aqui, e isso acabou me levando à área de inovação.

Qual a sua principal missão na posição que você exerce hoje?
Realizar os desafios que chegarem ao After Burner. Na verdade, esses desafios são quase sonhos, porque eles têm um propósito, né?

Como é a sua rotina?
Não tenho rotina! Se vejo alguma coisa rolando que acho legal, já quero me envolver. Então, cada dia é uma coisa diferente e isso já não me deixa ter uma rotina muito definida. E também pelo projeto que estou conduzindo agora, “Futuro das Cidades”, que tem uma grande rede de parceiros muito diferentes. Um dia converso com uma empresa, no outro com um ativista, no outro com uma startup. Os locais de trabalho também mudam: tem dias que estou na fábrica, outros no escritório em Belo Horizonte, ou até mesmo aqui em São Paulo fazendo reuniões. A falta da rotina é o que me caracteriza agora. E isso é bem desafiador, porque não deixa que eu me estabeleça em aspecto nenhum.

O que você mudaria na sua rotina se pudesse?
Ontem mesmo aconteceu uma coisa que mexeu muito comigo. Vou casar e minha noiva tem dois filhos gêmeos, de nove anos. Tenho uma relação muito próxima com eles, mas nós ainda não moramos juntos, então fazia um tempão que eu não encontrava os meninos. Ontem saímos para jantar e um deles perguntou: “você vai dormir lá em casa hoje?”. Expliquei que não podia, porque teria que acordar muito cedo para viajar no dia seguinte e ele me respondeu pedindo para eu mudar de emprego, para que eu pudesse ficar mais tempo com ele. Então, se eu pudesse mudar alguma coisa, seria para ter mais tempo de estar próximo deles.

Como e onde você consome informação no seu dia a dia?
Consumo muita coisa. No trabalho, tem uma ferramenta que a gente usa de curadoria de conteúdo e lá eu crio meus filtros para receber tudo de relevante sobre os assuntos que separei: mobilidade, economia criativa, tecnologias automotivas, concorrentes de mercado e tudo que envolve o contexto do After Burner. Do lado de interesse pessoal, uso o Facebook como curador, então lá eu sigo conteúdos relacionados a arte urbana, arquitetura, design, fotografia, viagens. No LinkedIn, acompanho as empresas que me inspiram. Música eu escuto no Spotify. Nunca fui de televisão, só vejo notícias e não consigo nem ver séries direito, porque não consigo ficar parado. Em papel, só livros.

O que você gosta de fazer quando não está trabalhando?
Estar com minha noiva e os meninos, com certeza. Estar com minha família e os amigos também. Já andei mais de skate, gostaria de voltar. Estou sentindo falta de ter em casa a rotina que não tenho no trabalho, para poder retomar hobbies prazerosos como andar de skate e cozinhar, por exemplo.

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