O que fazem embalagens que parecem potes de sorvete, vidros de xarope e canecas de chope em lojas de cosméticos e farmácias? Elas carregam produtos da Lola Cosmetics, uma marca que quer embelezar e também divertir as mulheres, usando rótulos como o que diz “Eu sei o que você fez na química passada” (39,08 reais). A máscara capilar é um dos produtos que compõem o catálogo da marca com foco em cabelos cacheados e danificados fundada há seis anos por Dione Vasconcellos, 57, em parceria com a irmã e jornalista Jaqueline, 58, e o cunhado e arquiteto, Milton Taguchi, 62.
Antes de decidir criar uma marca própria, Dione atuou como terceirista (produzindo cosméticos para outras empresas) por três anos, desde 2008, quando descobriu que a empresa Farmativa, que desenvolvia cosméticos para outras marcas, estava à venda, mas endividada. Ela vislumbrou, ali, um futuro promissor e fechou negócio.
No entanto, o sonho de Dione ia muito além de fabricar para terceiros: ela queria desenvolver seus próprios shampoos e condicionadores. Pensava em algo que, além de qualidade, pudesse oferecer às clientes um toque de leveza e extroversão, características pessoais da empreendedora, que é formada em História.
Em 2011, a marca Lola Cosmetics começou a entrar no mercado sem fazer muita espuma, com uma linha profissional de apenas dois itens para o uso em salões de beleza. Já vinha, porém, com os rótulos e nomes inusitados para os produtos. Dois anos depois, Dione começou a lançar os produtos para cuidados em casa, abrindo assim uma comunicação direta com as clientes e oferecendo itens com valores mais baixos que a média do mercado (cerca de 50 reais). A ideia conquistou usuárias, que têm até um apelido carinhoso — “loletes” — e a marca hoje tem 80 produtos, distribuídos em cerca de cinco mil pontos de venda pelo país.
A HISTORIADORA QUE VENDIA SABONETES ARTESANAIS
Não conhecer o mercado de cosméticos não foi exatamente um problema para Dione decidir investir no setor. Ela saiu do Rio Grande do Sul ainda com 23 anos para estudar História em Portugal. O plano era permanecer ali apenas um ano. Acabou ficando 16 e mais quatro na Suíça, onde administrava lojas de acessórios de moda.
Voltar para o país sempre esteve em seus planos e, em 2002, com dificuldades nos negócios, decidiu retornar, adotando o Rio de Janeiro como cidade. No começo, se sentiu meio perdida. “Eu pensei, e agora o que vou fazer, dar aula?”, diz Dione que, apesar de ter se especializado em Idade Média, nunca exerceu a profissão de historiadora.
Por curiosidade, começou um curso de sabonetes artesanais. “Aprendi a fazer a minha própria glicerina vegetal e pesquisar muito sobre cold e hot process, que são métodos milenares de fabricação de sabonetes nos quais os óleos são trabalhados quentes ou frios. Aquilo se tornou minha paixão.”
Com o apoio de um amigo que decidiu colocar dinheiro no projeto, em 2006 ela montou um quiosque de sabonetes artesanais em um shopping da zona oeste do Rio. O negócio deu certo — e dali saíram os 70 mil reais investidos, dois anos depois, na compra da Farmativa. O reencontro com a saboaria, curiosamente, aconteceu apenas este ano, quando a Lola lançou seus próprios sabonetes em coldprocess na loja conceito do Rio, inaugurada em junho.
POR UMA BELEZA MAIS SUSTENTÁVEL — E BEM HUMORADA
Apesar dos sabonetes serem uma paixão antiga da empreendedora, na Lola tudo começou com produtos que seguiam a tendência no poo e low poo (como são chamadas as formulações livres de sulfatos, parabenos e silicones, usados na maioria dos shampoos). Dione estava preocupada em oferecer mais opções para as mulheres de cabelos crespos e cacheados e viu nas técnicas, já bem conhecidas no exterior e ainda uma novidade no Brasil, a chance de ganhar esse público.
Influenciada pelo estilo de vida vegano da fundadora, a Lola também adotou este princípio e começou a criar produtos sem ingredientes de origem animal, ecocertificados e sem fazer testes em animais. “Agora estamos em um caminho de fazer fórmulas cada vez mais simples e verdes possíveis”, diz.
As embalagens ainda não são tão ecológicas quanto Dione gostaria. A maioria é de plástico. Mas, aos poucos, ela está inserindo um ou outro produto em vidro e sentindo uma boa aceitação das loletes. A Be(m)dita Ghee (63,35 reais), manteiga vegetal para os cabelos, é uma dessas apostas com o creme armazenado em uma caneca. “Estava tomando um mojito, tirei a foto e mandei para o nosso fabricante. A ideia é reaproveitar a embalagem depois para fazer um drink, beber água ou colocar uma flor”, conta.
Além da preocupação com a causa ambiental, um dos diferenciais da Lola é a identidade visual. “Quando eu olhava os pontos de venda brasileiros, achava tudo muito preto, prateado, sem graça. Pensei em fazer algo fora desse padrão, bem colorido e humorado.” Os nomes e textos nos rótulos, com linguagem despojada e divertida, vêm de brincadeiras com situações e temas cotidianos, como a linha “Meu cacho, minha vida” (31,03 reais, o condicionador, a “Morte Súbita” (67, 59 reais, o shampoo) e a “Loira de farmácia” (39,08 reais, o bálsamo). Ela conta que a máscara “Drama Queen” (49,64 reais), por exemplo, foi um termo pescado de uma conversa com uma amiga americana que costumava usar a expressão. Já outra máscara, a “Umectação Oliva” (39,64 reais) destaca em seu pote uma oração criada por Dione (Seja feito o tratamento à vontade/Assim em casa como no salão), que faz graça com as recaídas na química e tentações do uso de produtos à base de resinas sintéticas.
Dione não deixou a criação de conteúdo da Lola nas mãos de uma agência. Ela sempre gostou de escrever e a maioria das ideias saiu de sua cabeça.
Agora, ela conta com uma equipe interna para ajudar no desenvolvimento do marketing, departamento do qual é diretora, juntamente com o de desenvolvimento de produtos.
“Temos um time grande de químicos, mas eu me meto muito porque, com os anos, aprendi a formular e lidar com a matéria-prima. Isso se tornou uma escola interessante para mim”, conta. Apesar dos pitacos, cada sócio tem uma área de responsabilidade na empresa. O cunhado é diretor industrial enquanto a irmã cuida da área administrativa e comercial.
As modelos das embalagens são uma aposta da marca na beleza real (como se convencionou chamar a imagem não idealizada da mulher). As pin-ups da Lola são, portanto, inspiradas em amigas, familiares e nas próprias funcionárias da empresa. Dos 240 colaboradores que a empresa tem hoje, 80% são mulheres. A “Rebelde com Causa” (39 reais, o shampoo) é uma representação da filha de Dione. A pin-up do “Poderoso Cremão” (45,60 reais, o creme) é a Renata, diretora de projetos da empresa. E a do “Morte Súbita”, a Fernanda, diretora de desenvolvimento.
LINHA DE MAQUIAGEM: UMA FRUSTRAÇÃO CONTORNADA (AOS POUCOS)
Quando questionada sobre o que não deu tão certo quanto imaginava, a empreendedora é categórica: a divisão de maquiagens. A marca lançou a campanha publicitária da linha “Oh Maria!” há dois anos. Dione conta que Lola foi a segunda marca do mundo a usar uma modelo transgênero como garota propaganda (a primeira foi a francesa L’Oréal, apenas 15 dias antes). A modelo é Maria Clara, de 19 anos, amiga da filha de Dione. A campanha estava linda. O problema, porém, é que até hoje os produtos da linha ainda não estão disponíveis para venda.
Dione diz que a falta de um fornecedor nacional de embalagens que a agradasse adiou a chegada dos produtos às prateleiras. “Um problema no Brasil é conseguir embalagens bacanas para maquiagem. As dos nossos batons são feitas na fábrica que produz para as maiores do mundo, como Lâncome, Tom Ford e Channel”, diz.
A empreendedora, agora, diz estar mais aliviada depois de finalmente encontrar o parceiro adequado. O “relançamento” da linha de maquiagens Oh Maria! está previsto para dezembro deste ano.
Outra questão que envolveu a linha de maquiagens foi uma polêmica com os nomes do demaquilante “Boa Noite Cinderela” e do batom “Abusa de Mim”. Dessa vez, as loletes não viram graça e rejeitaram os nomes, que foram modificados. Dione fala do episódio:
“A gente repensou muito. Hoje, temos esse aprendizado de construção do feminino, do empoderamento negro e do combate ao privilégio como essência dos produtos”
Para se fortalecer nesse quesito, a marca convidou a filósofa e ativista Djamila Ribeiro para escrever, quinzenalmente, um texto publicado na fanpage da Lola abordando esses temas.
DEIXAR PARA TRÁS O QUE NÃO FUNCIONA, DELEGAR TAREFAS
O catálogo da Lola muda de tempos em tempos e novos produtos dão lugar aos velhos, que deixam de ser fabricados. “Não adianta lançar muita coisa. Tem que ter poucos e bons produtos, mas sempre uma novidade. Quando começa a ter 200 ou 300 itens, é fácil se perder. Não é a maneira que a Lola trabalha, ela é muito enxuta e pé no chão”, diz Dione. E quando algo não dá certo, ela não pensa duas vezes:
“Quando algo não é sucesso, não adianta manter. Tem que cortar e buscar novidades”
Ainda sobre aprendizados à frente do negócio, ela destaca a importância de compartilhar — poder e responsabilidades: “Quando chamei minha irmã e meu cunhado para serem sócios, a gente dividiu a empresa. Quanto se divide, se cresce”. E cresce mesmo. A marca não divulga valores totais de vendas (o último dado é de 2016, apontando 911 mil produtos vendidos por mês), mas divulga que aumentou em 20% as vendas no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. E vem ganhando novas prateleiras: acaba de assinar uma parceria com a rede de drogarias carioca Venâncio e também com as redes de fast fashion a Renner e a Riachuelo. Além disso, duas novas lojas conceito devem ser inauguradas entre o final de novembro e o início de dezembro, uma no Parking Shopping, em Brasília, outra no shopping Vila Olímpia, na capital paulista.
Com o aumento nas vendas, Dione chegou a pensar em mudar o local de seu parque fabril, para um terreno em Paracambi (RJ), mas voltou atrás. Ponderou que o local fica longe demais da sede atual, na Estrada dos Bandeirantes (no bairro de Jacarepaguá, no Rio), e que muitos colaboradores não conseguiriam chegar à nova área. Por fim, diz, optou por “aumentar e modernizar o que já tinha” — o investimento na expansão da fábrica foi de 12 milhões de reais. Hoje o negócio se concentra em 12 mil metros quadrados e cinco prédios.
“Éramos uma empresa familiar pequena. Começamos a nos estruturar e aumentamos nossas instalações. Agora, falta abrir um escritório em São Paulo, nos fortalecer como loja física e focar na exportação”, diz a empreendedora. Ela conta que exporta alguns produtos para o Egito, a Arábia Saudita e a Suíça e que o negócio já recebeu ofertas de compra de multinacionais — mas os sócios nem pensam no assunto. “Todos os dias, somos os primeiros a chegar e os últimos a sair”, diz a fundadora, que não quer parar de trabalhar tão cedo.
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