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Com estruturas flutuantes, uma startup quer estimular o crescimento das algas para ajudar a despoluir baías, rios e lagos

Dani Rosolen - 24 mar 2025
A primeira Caravela da Infinito Mare instalada na Marina da Glória, no Rio de Janeiro.
Dani Rosolen - 24 mar 2025
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Uma empresa se prepara para lançar uma frota de Caravelas com a missão de ajudar a despoluir as águas do Brasil. Não estamos falando, é claro, daquele tipo de embarcação que Pedro Álvares Cabral navegava há 500 anos, quando aportou por aqui…

Caravelas é o nome de uma solução baseada na natureza lançada pela startup Infinito Mare. Ao contrário das embarcações do passado, a sua proposta é servir como uma resposta a um conceito antigo de desenvolvimento”. 

“As caravelas originais são uma invenção dos portugueses, com uma herança dos fenícios. É uma tecnologia expansionista, que globalizou o planeta, mas por outro lado criou o tráfico de escravos e não preservou a cultura local dos povos originários”, diz Bruno Libardoni, cofundador da Infinito Mare.

“A gente quis ressignificar essa tecnologia importante na realidade brasileira, mas que foi tão prejudicial para os povos originários e de origem africana”

As Caravelas da Infinito Mare são estruturas flutuantes, feitas de plástico, que têm a função de monitorar a qualidade da água e ajudar a despoluir baías, rios e lagos, além de fortalecer a biodiversidade e impulsionar uma economia azul (o uso dos recursos dos oceanos) mais sustentável. 

O segredo por trás da Infinito Mare tem a ver com a capacidade das algas de realizar a fotossíntese… Mas antes de conhecer o funcionamento e o impacto das Caravelas, vale dar uma passo atrás e entender as motivações de Bruno para trocar a academia pelo empreendedorismo.

DURANTE O DOUTORADO, ELE SE VIU EM CRISE, INSATISFEITO COM O ALCANCE DAS PESQUISAS ACADÊMICAS

Oceanógrafo, com mestrado em Sistemas Costeiros e Oceânicos e Biodiversidade e Conservação Ambiental e doutorado em Geociências, Bruno estuda a poluição das águas há 17 anos.

Na época da defesa do doutorado, ele estava em crise com sua carreira acadêmica. Bruno se aprofundava no Rio São Francisco, que como outros tantos rios do país, sofre com a poluição. “Fui vendo que o que acontecia ali afetava a entrega dessa água no mar, impactando mais de 300 municípios.”

Além dos impactos negativos do ser humano na natureza, o que frustrava o cientista era ver que sua pesquisa, uma vez publicada, ficaria restrita a pouquíssimas pessoas, sem resultar em qualquer melhoria concreta. Ele explica esse incômodo disparando uma provocação:

“Você sabe quem ganhou o Prêmio Nobel de Medicina no ano passado? Quase ninguém sabe. Mas se o Neymar publicar uma foto no Instagram, o potencial de viralização é outro. Na ciência clássica, o acadêmico acha que é inteligente o suficiente para publicar um artigo e, pronto, já fez seu trabalho, agora é partir para o próximo…” 

Engatar um artigo após o outro não bastava mais. Bruno queria que as informações científicas alcançassem mais pessoas, gerando utilidade e benefícios no mundo real. Dessa inquietação nasceu, em 2018, o conceito das Caravelas, quando ainda nem existia uma empresa por trás do produto.

A estrutura tem 5 metros de comprimento, 3,5 metros de largura e 3 metros de altura; pesa cerca de 80 quilos. Foi desenhada pelos designers Maurício Noronha e Rodrigo Brenner, do escritório Furf Design Studio a partir das orientações de Bruno. No mesmo ano, o protótipo ganhou o prêmio internacional TIA – Top Innovation Award, na categoria Eco-Design Award, durante o World Eco Design Conference, na China.

NO COMEÇO DA EMPRESA, UM DESAFIO FOI APRENDER A COMUNICAR A PROPOSTA DA INFINITO MARE

O reconhecimento em forma de premiação incentivou Bruno a pensar em empreender. Mas a transição entre o mundo acadêmico e a dinâmica dos negócios, com seu linguajar próprio e validações de mercado, foi um desafio.

Nesse momento, entrou em cena Luciana Batista, esposa de Bruno. Profissional com carreira em comunicação e produção cultural e audiovisual, ela ajudou o marido a comunicar o propósito do que viria a ser a Infinito Mare, fundada em 2019.     

“Antes mesmo de eu entrar para a empresa, via o Bruno fazendo reuniões e ele demorava de 40 a 50 minutos para explicar a proposta da Caravela… E, no final, a gente sentia que a pessoa não tinha entendido nada porque era tudo muito acadêmico”

Ainda sobre a dificuldade inicial de Bruno, Luciana conta um episódio engraçado:

“Lembro que em uma aceleração do Sebrae, uma mentora falou para o Bruno que a Infinito Mare estava num Oceano Azul e ele veio me contar que achou isso muito poético… Foi engraçado porque, na verdade, o que ela estava querendo dizer com esse termo é que estávamos em um mercado ainda não explorado, sem concorrente.”

A equipe de fundadores da Infinito Mare (da esq. à dir.): Jana Menegassi del Favero, Bruno Libardoni, Luciana Batista e Daniel Tremmel Maia.

Assim, Luciana entrou para o time com a missão de cuidar da comunicação da Infinito Mare, tornando-a mais simples e, por que não?, poética. Além do casal, mais dois cientistas se uniram à sociedade: Jana Menegassi del Favero e Daniel Tremmel Maia.

COMO AS CARAVELAS ESTIMULAM O CRESCIMENTO DAS ALGAS E A OXIGENAÇÃO DA ÁGUA

Como a Caravela funciona? Há uma tela localizada no centro da estrutura que, em contato com a correnteza do rio, mar ou lago, e do vento, atrai íons formando um biofilme de fungos, protozoários e bactérias.

Esse é um ambiente ideal para o crescimento de algas nativas, ou seja, que já estão na água. A partir daí começa a mágica, ou melhor, a ciência, como explica Bruno:

“Essas algas crescem muito rápido e se alimentam da poluição, absorvendo carbono do ar e oxigenando a água no processo de fotossíntese”

O modelo de despoluição da água com essa tela não é algo novo. Foi patenteado em 1982, e a patente, segundo Bruno, já caiu. O que a Infinito Mare fez de diferente foi “envelopar” essa proposta com um design bonito e funcional. 

As Caravelas da Infinito Mare têm a capacidade de acumular de 300 a 500 quilos de algas por ano cada uma.

Todas as semanas, a equipe da startup retira essa biomassa da Caravela. O material, então, é levado para universidades e cientistas parceiros analisarem as espécies de algas que cresceram ali, a velocidade de crescimento e a quantidade absorvida de poluentes. Essa análise ajuda a avaliar alterações na água e pode, afirma o empreendedor, detectar a presença de combustíveis ou resíduos.

“Se colocarmos uma frota de Caravelas num terminal portuário, é possível identificar vazamentos e qual navio foi o contaminante. O sinal mais forte da contaminação das algas será o lugar mais próximo da origem do problema” 

Segundo a empresa, a Infinito Mare já mantém conversas com a Marinha do Brasil, no Porto de Santos, para instalar uma frota de Caravelas por lá nas próximas semanas, em uma parceria com a prefeitura local.

De acordo com dados da startup, uma única Caravela é capaz de gerar, em um ano, créditos de carbono que seis árvores levariam 20 anos para alcançar.

O trabalho até aqui rendeu à Infinito Mare um convite para participar do Conselho Mundial dos Oceanos (é a única empresa latino-americana a fazer parte, segundo Bruno) e outro reconhecimento, o Prêmio Cidade de São Paulo.

UMA NOVA FORMA DE AS EMPRESAS FAZEREM MARKETING EM SINTONIA COM AS PRÁTICAS ESG

Por enquanto, há uma Caravela na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, que foi financiada pela própria startup e instalada em dezembro de 2024 para apresentar seu modo de funcionamento e coletar feedbacks por meio de um QR Code em totens no local.

Segundo Luciana, a estrutura desperta grande curiosidade:

“A gente costuma falar que a Caravela é uma intervenção escultural urbana. Ela tem esse poder de comunicação e de sensibilização social sobre a questão do meio ambiente”

O modelo de negócio é baseado no patrocínio. As empresas podem “adotar” uma Caravela, a um custo mensal de cerca de 35 mil reais, para expor sua marca na estrutura, como forma de divulgar comprometimento com o impacto socioambiental positivo.    

Projeto de educação ambiental a partir da análise das algas coletadas pela Infinito Mare.

Na semana que vem, na sexta, 4 de abril, quatro Caravelas deverão ser instaladas na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte (considerada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco). Por trás dessa ação está o primeiro cliente da Infinito Mare, a Zurich Seguros. Bruno afirma:

“Vamos primeiro colocar quatro Caravelas lá e ver como reagem, quantas algas vão crescer e quanto vão remover de contaminação para ter um entendimento geral e aí, sim, dizer quantas serão necessárias para limpar a lagoa”

De acordo com a empresa, os patrocinadores receberão relatórios mensais sobre o impacto da Caravela; quando o projeto for relacionado à prefeitura, os gestores públicos também terão acesso ao material.

As Caravelas ainda podem servir como ferramentas de “pedagogia ecológica”, com apoio de empresas interessadas em atrelar a sua marca a projetos de educação e sensibilização. Nessa frente, a Infinito Mare já levou jovens do Projeto Grael, da família Grael, em Niterói (RJ), para conhecer a estrutura — e, assim, abordar temas como clima, biodiversidade e recuperação ambiental.

NO FUTURO, A IDEIA É FECHAR PARCERIAS PARA TRANSFORMAR AS ALGAS EM BIOGÁS OU BIOFERTILIZANTES

Outra intenção dos cofundadores da deeptech é doar a enorme quantidade de biomassa de algas que se forma nas Caravelas a parceiros para que transformem esse insumo em produtos sustentáveis.

“Cada Caravela produz entre 300 e 500 quilos de alga por ano. Se não fizermos nada com isso, criamos outro problema ambiental… Agora, se doarmos essa biomassa para parceiros transformarem em biogás ou biofertilizantes, geramos alternativas sustentáveis para serem doadas à comunidade do entorno.”

Luciana ainda vai além nos planos e sonhos: 

“Temos um colega que faz fibras de tecido com algas. Imagina se fosse apresentada uma coleção produzida a partir de algas que despoluíram o rio Pinheiros ou o Tietê, por exemplo… O que a história dessa roupa não iria contar?”

Por enquanto, a biomassa de algas vem sendo destinada apenas para análises. A ideia é iniciar as doações e as parcerias assim que a Infinito Mare tiver, de fato, uma frota de Caravelas em operação.

PLANOS AMBICIOSOS: ATINGIR TODOS OS 17 OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ONU

A produção das Caravelas hoje ocorre em uma fábrica terceirizada, em Curitiba. Segundo Bruno, a capacidade de produção atual, de 200 unidades por mês, pode ser quadruplicada no futuro para atender demandas em escala. 

Esse investimento vem sendo viabilizado graças ao aporte captado até aqui, de cerca de 800 mil reais, que permitiu ainda a abertura de um escritório em São Paulo, a contratação da equipe do negócio e a criação e redesenho dos moldes das Caravelas.

Com uma frota consolidada flutuando por aí, a ideia é que a Infinito Mare consiga multiplicar o seu impacto positivo:

“A gente acredita que dá para atingir os 17 ODS, o que fará da Caravela um dos projetos mais sustentáveis do planeta”

Segundo o empreendedor, a implementação das Caravelas no ambiente aquático gera impactos positivos que contribuem com seis ODS (3, 6, 11, 14, 15 e 17).​ Já a operação sustentável, através de contratações justas, parcerias institucionais e respeito às culturas locais, pode contribuir com até oito ODS (1, 4, 5, 8, 9, 10, 13 e 16). ​E as algas, por si só, com mais três (2, 7 e 12).

Luciana destaca a importância de todo esse movimento despertar a atenção das empresas para a urgência de se despoluir as águas.

“O ESG, principalmente no Brasil, é pautado muito no verde por conta das florestas. As empresas falam, ‘estamos compensando tanto com o plantio de árvores’… mas a floresta só vai se manter de pé se a gente levar em conta o azul.”

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