Uma empresa criada por um alemão para ajudar brasileiros a aprender inglês com o suporte de áudios do WhatsApp.
Se a “sinopse” parece curiosa, ela resume bem a origem e a missão da ChatClass.
“No Brasil, as aulas de inglês geralmente são ‘silenciosas’…” explica Jan Krutzinna, 46, com seu carregado sotaque germânico. “Os alunos têm poucas oportunidades para praticar a fala em frases completas, com conversas naturais.”
Baseada em São Paulo, a ChatClass lança mão de inteligência artificial para gerar análises automáticas de áudios gravados pelos alunos e enviados por WhatsApp.
“Nossa plataforma permite gravar mensagens de voz e receber feedbacks automatizados — multiplicando em muitas vezes a prática da fala. Nas escolas onde os alunos tiveram participação mais forte, gravando 80, 100 mensagens por semestre, eles conseguiram subir de nível na habilidade de falar [inglês]”
A plataforma também serve para que professores apliquem testes de múltipla escolha (de inglês ou, a rigor, qualquer outra disciplina) e monitorem o desempenho dos estudantes.
“O aluno entra no WhatsApp e realiza exercícios interativos que o professor ou a secretaria disponibilizou — ou, ainda, que a ChatClass oferece de forma gratuita”, diz Jan. “Por meio de um código, o sistema sabe que aquele aluno faz parte da turma X, do professor Y… Tudo dentro do WhatsApp.”
CERCA DE 75% DOS ALUNOS FREQUENTAM ESCOLAS PÚBLICAS
Nos últimos quatro anos, afirma o empreendedor, a ChatClass atendeu cerca de 400 mil alunos.
Com comentários fofos (do tipo “Parabéns, você acertou 85% das palavras”) acompanhados de emojis, a inteligência artificial estimula os usuários a melhorar a conversação — inclusive a pronúncia — e a deixar a timidez de lado.
“Já gravamos mais de 10 mil horas de inglês falado pelos alunos brasileiros. São mensagens curtinhas, de poucos segundos no WhatsApp… Esse tipo de prática ajuda os alunos a ganhar fluência e confiança para falar em inglês”
Aproximadamente 75% desses alunos são da rede pública, segundo Jan. Além disso, 6 mil professores usam a plataforma gratuitamente, segundo a empresa,
“Temos parcerias com os estados — Maranhão, Pernambuco, Bahia, Ceará… Trabalhamos com redes de professores que espalham a ferramenta entre eles, e as secretarias também divulgam.”
Os próprios professores muitas vezes não têm segurança na própria fala, diz Jan, por carências na sua formação. Além disso, falta tempo para dar feedbacks individualizados. “A tecnologia pode empoderar bastante o professor nisso.”
CRIADO NUMA FAZENDA NA ALEMANHA, ELE APRENDEU O VALOR DA EDUCAÇÃO
A história de Jan ganha contornos mais pitorescos quando se sabe que o engenheiro de computação foi criado numa zona rural de seu país, em uma cidade próxima a Frankfurt, no estado de Hesse, na região central.
“Cresci na ‘roça’ da Alemanha, minha cidade tinha 27 mil habitantes”, conta, com o sotaque carregado. “Meu pai trabalhava na escola pública, e meus avós e tios tinham uma fazenda perto.”
Jan conta que adorava trabalhar na fazenda, onde a família plantava centeio, cevada, trigo, aveia, ervilhas, feijões…
“Numa fazenda, o resultado é tangível, bem diferente desse trabalho intelectual, digital, que estamos fazendo hoje. Lá, quando você planta, você termina. Um programa de computação nunca termina, sempre dá para melhorar e editar”
Enquanto não estava montado no trator, ele aprendia inglês na escola pública. E descobria o valor da educação para dar acesso às oportunidades:
“Muitas vezes, para quem vem da classe baixa ou da zona rural, o maior inimigo é você mesmo. Você não acredita que as coisas são para você: o inglês não é para mim, tecnologia não é para mim… É para os ricos, os outros…”
MOVIDO PELA CURIOSIDADE, JAN ESTUDOU PORTUGUÊS EM HARVARD
Com uma boa formação, Jan aprendeu a agarrar as oportunidades. Em 2000, foi estudar ciência da computação em Harvard.
Na universidade americana, ele também se permitiu exercitar a curiosidade e cursar idiomas. Primeiro, fez espanhol por um semestre. Em seguida, resolveu estudar português:
“Os alemães sempre tiveram uma imagem positiva do Brasil como um lugar acolhedor, um povo mais feliz, aberto… Mas eu não conhecia nenhum brasileiro nessa época. Simplesmente apostei no país e na curiosidade sobre esse país grande que é tão diferente do meu próprio país e da minha cultura”
Era um curso de um semestre, 3 horas por semana, para aprender “o básico do básico”, ele conta. “Mas já na primeira aula a professora nos fez falar ‘Meu nome é Jan’, coisas desse tipo. Fui ganhando um mínimo de fluência.”
Entre o fim do curso de computação em Harvard e o começo no novo emprego (como gerente de engajamento na consultoria McKinsey), Jan conseguiu uns três meses livres. E resolveu mergulhar no idioma.
Disparou emails no escuro até descolar um estágio em uma empresa de TI em Salvador, decidido a praticar o português. “Eu sabia que para reforçar a aprendizagem, precisava fazer uma imersão.”
A EXPERIÊNCIA COM GAMIFICAÇÃO O APROXIMOU DO PAÍS
Ao longo dos anos, Jan voltou ao Brasil algumas vezes para projetos com a consultoria. Entre 2011 e 2012, viveu em São Paulo atuando como VP de Analytics da Vostu, uma startup argentina (hoje extinta) que desenvolvia jogos para redes sociais.
“Fiz parte da equipe que criou o [jogo] Mini Fazenda, que estava bombando na época do Orkut no Brasil, com 30 milhões de usuários…”
Essa experiência serviu para reforçar nele o desejo de empreender com tecnologia no país:
“Reparei que o nível de tecnologia era bem alto no Brasil. O brasileiro é muito ativo nas redes sociais, e muito digitalizado. Isso também me atraiu como um lugar de negócios”
Mais tarde, em 2014, Jan fundou a EduSim, uma empresa de gamificação para educação, com foco no B2B, mirando escolhas e editoras. A empresa surgiu em Nova York — mas já de olho no Brasil, diz o empreendedor.
“A educação no Brasil tem muitos desafios, problemas — e muitos projetos bons também, de fundações, ONGs… Tem um ecossistema rico, mas geralmente com impacto focado em uma área”, diz Jan. “Vindo da tecnologia, eu queria fazer algo que escalasse de verdade para todo canto do país.”
ELE MUDOU O FOCO DO NEGÓCIO E TROUXE A EMPRESA PARA O BRASIL
A EduSim começou voltada para o ensino de inglês por meio da gamificação. Até que Jan começou a experimentar no mundo dos chatbots… E mudou de foco.
“Começamos ali uma transição do jogo para o chat, para mensageria. O WhatsApp nem estava tão ativo ainda, estava só nascendo, mas já havia SMS, Messenger…”
O empreendedor sacou que, com apoio de soluções de inteligência artificial, esses serviços de mensageria poderiam ser uma porta para escalar o ensino do idioma. Aquele produto ganhou o nome de ChatClass; a empresa seguia como EduSim.
Nessa mesma época, em 2017, outra mudança de rota traria Jan de vez para o Brasil.
“Me mudei para Belo Horizonte porque fui chamado para o Seed MG, o programa [de aceleração] do estado de Minas Gerais. Recebi um visto e, uns meses depois, fui chamado pelo Facebook para ser acelerado na Estação Hack, em São Paulo”
Essa fase de transformações se completou com a mudança de nome da startup:
“O negócio e o produto estavam crescendo. Quando entramos no WhatsApp, ajustamos o nome da empresa”, diz Jan. “O produto era ChatClass e a PJ, EduSim; fazia mais sentido alinhar isso, já que o produto estava bombando no Brasil.”
ALÉM DA REDE PÚBLICA, A STARTUP TEM CLIENTES NO B2B E NO B2C
A ChatClass emendou outras acelerações. Em 2019, participou do Google Campus Residency Program — e de novo em 2020, quando o programa virou virtual por conta da Covid. Em 2021, a edtech vem sendo acelerada pela Endeavor.
“Nos últimos dois, três anos, viramos especialistas globais de ensino via Whatsapp”, diz Jan. “Tem poucos no mundo que fazem com o mesmo nível que a gente faz.”
Além das parcerias com secretarias de educação que levam a plataforma às escolas públicas, a ChatClass tem cerca de 40 mil alunos pagos. Os cursos oferecidos no B2C custam entre R$ 14,90 e 199 reais por mês.
“São cursos com professor particular, aulas em grupo e práticas com inteligência artificial, por um preço extremamente acessível.”
Há também clientes B2B, como a Cultura Inglesa e a editora alemã Cornelsen.
“No caso da Cultura, a gente fornece a plataforma como um complemento, para dar mais oportunidade aos alunos de praticarem a fala.”
O TRABALHO REMOTO PERMITE ACHAR TALENTOS EM QUALQUER LUGAR
Até aqui, a ChatClass captou cerca de 3 milhões de reais, dos fundos Canary e Graph Ventures. Há planos de abrir mais uma rodada até o fim de 2021, “para investir na tecnologia e na equipe”.
O time tem hoje 20 pessoas. Metade dessa galera é composta por desenvolvedores, enquanto a outra metade vem das áreas de business e pedagogia.
Com mestrado em linguística pela Columbia University, de Nova York, a americana Chloe Bellows é a única outra estrangeira da equipe, pelo menos por enquanto. Em 2019, ela passou o ano ensinando inglês em João Pessoa, num programa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com apoio do governo dos EUA.
“Eu não sou nativo de inglês, então precisava de uma ‘gringa’ [risos], e a Chloe é nativa. Com a pandemia, estou recrutando em todo canto: Fortaleza, Bahia… Em todo lugar acho talentos”
A própria Chloe é um exemplo de como o trabalho remoto permite ampliar o raio geográfico na hora de contratar pessoas. Líder de Pedagogia da ChatClass desde 2020, ela vive em Buenos Aires, onde empreende em paralelo um negócio de tradução.
PARA INSPIRAR OS ALUNOS, ELE CRIOU UMA OLIMPÍADA DE INGLÊS
Para engajar alunos, a ChatClass promove desde 2019 uma olimpíada de inglês, com apoio da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. A edição mais recente ocorreu em outubro de 2020 e mobilizou 137 mil estudantes e 4 mil professores.
A plataforma da startup ficou aberta durante o mês; professores podiam entrar lá, criar um código para os seus alunos, que por sua vez realizavam os exercícios com acompanhamento do mestre.
“A Olimpíada tinha uma temática, The Future of Work [O Futuro do Trabalho]. Colocamos exercícios didáticos que testavam os conhecimentos em inglês e também falavam sobre o futuro do trabalho, sobre empregos na economia global — possibilitando [aos alunos] pensar além do imediato”
Conteúdos no Instagram complementavam esse esforço inspiracional, imbuído na missão da empresa.
“Gravamos minivídeos com ‘role models’, por exemplo um brasileiro de uma favela do Rio que hoje faz PhD na UPenn, a Universidade da Pensilvânia”, diz Jan. “Como eu sou ‘da roça’, sei bem como é importante ter uma inspiração, um mentor.”
CURSOS CORPORATIVOS: O MAIS NOVO PRODUTO NO PORTFÓLIO DA EDTECH
A ChatClass acaba de anunciar (em maio de 2021) uma nova frente de negócios, voltada a cursos corporativos.
“Já tínhamos propostas para expandir nosso produto para além da educação básica. Agora, estamos trabalhando ativamente com empresas para fazermos cursos corporativos pautados em upskilling, o aprendizado contínuo de habilidades”
Segundo Jan, há uma demanda, entre gestores de empresas, para que seus colaboradores sigam aprendendo — mesmo em trabalho remoto. A ChatClass passa a preencher essa lacuna com a oferta de cursos e treinamentos sobre temas como sustentabilidade, comunicação, gestão e finanças — sempre por WhatsApp.
“Estamos muito felizes com este novo passo, que segue alinhado com nosso objetivo principal de democratizar a educação.”
A Diáspora.Black nasceu com foco no turismo como ferramenta antirracista. A empresa sobreviveu à pandemia e às dívidas, diversificou o portfólio com treinamentos corporativos e fatura milhões sem perder de vista sua missão.
O palavrório de artigos científicos dificulta a compreensão pelo público leigo. Com a EasyTelling, a jornalista Maria Paola de Salvo ajuda empresas e órgãos de governo a absorver e traduzir esse conhecimento em produtos e políticas públicas.
Como engajar as crianças a respeito de temas importantes? Com gibis vendidos a escolas públicas, a Sênior Editora estimula a curiosidade e o prazer pela leitura enquanto aborda assuntos que vão da neurodiversidade ao vício em jogos online.