Comida congelada sempre foi associada a uma alimentação sem graça e pouco saudável. É geralmente aquela opção a qual recorremos pela falta de habilidade ou tempo para dispor na cozinha.
Tobias Chanan, 45, acredita que não precisa ser assim e dá para usufruir de uma refeição gostosa e cheia de nutrientes mesmo quando o prato vem do congelador. Ele é o fundador e co-CEO da Urban Farmcy, uma foodtech de refeições plant-based congeladas. O empreendedor afirma:
“Buscamos ressignificar uma categoria de produtos que parou no tempo e é conhecida por ser uma das mais importantes no surgimento do ultraprocessados. A gente costuma dizer que nunca gostou de comida congelada, por isso resolvemos fazer uma que nos desse orgulho”
Para garantir isso, a empresa gaúcha utiliza o fresh freezing process, uma tecnologia de congelamento ultra rápido, com cristais de gelo muito pequenos que impedem danos à estrutura celular do alimentos, mantendo seu frescor, sabor e textura.
O negócio, que começou como um restaurante em 2017, na capital gaúcha, se transformou no ano passado em um e-commerce que se baseia em cinco pilares: agricultura familiar, alimentos limpos, sem uso de ultraprocessados, compromisso com o planeta e cozinha 100% à base de plantas.
Hoje, a Urban Farmcy atende Porto Alegre e sua região metropolitana, e mais recentemente São Paulo. Além das vendas online, alguns itens do portfólio estão presentes em 600 lojas físicas parceiras, espalhadas pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Distrito Federal e São Paulo.
Para quem acompanha o ecossistema empreendedor, o nome de Tobias Chanan deve soar familiar. Ele é o responsável por trazer ao Brasil a marca britânica de cosméticos The Body Shop (do grupo L’Oréal), onde atuou como CEO no Brasil até 2014.
Seu envolvimento com os cosméticos, no entanto, vem de muito antes…
“Costumo dizer que minha relação com as panelas teve início lá pelos 17 anos — mas, diferente de hoje, comecei cozinhando sabonetes”
Ele passou a vender os cosméticos artesanais que produzia e, em 1997, fundou a marca Empório Body Store. “Começou com uma panela, fogão e sabonete, bem artesanal mesmo. Do fogão, veio a primeira fabriqueta, depois a primeira loja e, em seguida, a primeira franquia.”
A Empório Body Store foi uma das marcas que mais cresceram no sistema de franchising brasileiro, chegando a ter 150 lojas no Brasil. A expansão chamou a atenção de investidores e em 2013 a The Body Shop comprou o negócio de Tobias, que passou a ajudar no reposicionamento da marca no mundo e na expansão do portfólio. Foi uma grande oportunidade, segundo ele:
“Conheci a Body Shop nos anos 2000 a partir da história da fundadora Anita Roddick. Eu andava com o livro dela debaixo do braço para fazer negócios. A empresa foi precursora quando a gente pensa em engajamento socioambiental”
Essa jornada no mundo dos cosméticos, no entanto, terminou no final de 2014, quando Tobias decidiu retomar um sonho antigo de empreender com alimentos, sua verdadeira paixão.
Tobias convidou executivos com quem trabalhava há mais de 15 anos para fazer uma imersão na cadeia do alimento, do cultivo à oferta, a fim de entender se era possível produzir alimentos de forma sustentável, positiva e com escala.
Embarcaram nesta jornada os também fundadores da Urban Farmcy Bernardo Spilari Santos, Thiago Lotti, Francisco Martini La Rosa e Gustavo Lima. Tobias conta:
“Nesta imersão, fomos nos dando conta de que não pensamos no que comemos, embora seja um ato de colocar algo para dentro do corpo… A gente pensa no sapato, na calça, no combustível do carro, se a gasolina é comum ou aditivada, mas não pensa no combustível do nosso corpo!”
Essa despreocupação e a oferta disponível mercado, diz ele, acabaram resultando em uma alimentação em excesso, baseada em ultraprocessados, açúcar, carboidratos de péssima qualidade e proteína animal.
A meta de Tobias passou a ser oferecer uma alimentação saudável e saborosa, mas à base de plantas.
“Neste processo foram quase três anos entre Europa e Estados Unidos, onde fiz uma formação plant-based em Los Angeles, com Matthew Kenney, que ainda hoje é o principal chefe plant-based no mundo. Também fiz formações em culinária tradicional, como a italiana.”
Depois dessa pesquisa, ele chegou no conceito do novo negócio, sugerido pelo nome Urban Farmcy (um trocadilho com as palavras farm e pharmacy):
“A proposta é ser uma fazenda e farmácia urbana. A fazenda, para nós, representa a origem do alimento; o conceito de farmácia faz menção às técnicas, à metodologia aplicada, à ciência para ter as plantas na sua melhor versão; e o urbano representa as grandes cidades, onde as pessoas estão adoecendo — é para onde a gente precisa levar alimentos de qualidade e maior poder vital”.
Quando o negócio nasceu, como restaurante, em 2017, no bairro Moinhos do Vento, em Porto Alegre, a decisão dos fundadores foi não incluir na proposta um discurso sobre veganismo ou vegetarianismo, como conta o co-CEO, que se identifica como flexitariano:
“Para podermos girar a chave e acentuar essa curva de transformação, precisávamos nos conectar com as pessoas que se alimentavam de ultraprocessados e comiam carne em excesso, ajudando a colocar plantas na dieta delas. Por isso, na Urban, a gente fala de incluir plantas e não de excluir coisas”
Mas como chegar nestas pessoas? A equipe do restaurante foi criando releituras de pratos e produtos de memória afetiva em versões plant-based, como escondidinho, lasanha, almondegas, hambúrguer, hot dog etc.
O objetivo foi atingido: cerca de 80% do público frequentador do estabelecimento não se identificava como vegano ou vegetariano, mas passou a aderir a uma dieta mais saudável por conta das invenções da Urban Farmcy.
O restaurante, no entanto, tinha os dias contados. Começar com um espaço físico e depois migrar para um e-commerce era algo que já estava no plano desde o início, segundo o Co-CEO.
“Entendemos que um restaurante era a forma mais competente de reduzir a barreira entre o consumidor gaúcho, carnívoro e conservador. A ideia era usar o local como plataforma de testes de produtos, para depois escalar no online.”
E foi isso que aconteceu, em junho de 2021, quando a Urban Farmcy investiu 5 milhões de reais para expansão da marca — o que incluiu, dentre as diversas estratégias, a inauguração do e-commerce.
A plataforma digital começou a operar com 11 opções de congelados, pratos já consagrados na época do restaurante (que fechou as portas com a sensação de missão cumprida). A fábrica continua na capital gaúcha, em Navegantes. Ao todo, 70 pessoas integram a equipe, somando a planta industrial e a parte administrativa.
Depois de 90 dias em Porto Alegre, o e-commerce passou a operar também na capital paulista.
“Escolhemos São Paulo por ser um centro de construção de marca, com potencial econômico e pluralidade de consumidores, o que ajuda a ajustar o negócio para outras cidades em que queremos chegar nos próximos 16 meses”
Em tempo recorde, a empresa alcançou os atuais 40 itens em seu portfólio. No cardápio, o público encontra, por exemplo, marmitas de feijoada (R$ 29,90), moqueca (R$29,90), strogonoff de cogumelos (R$ 29,90), entre outros, além de snacks, como o pão sem queijo (versão plant-based do pão de queijo, R$ 16,90) e a Kale chips (folhas de couve crespa desidratadas e temperadas com pasta picante de castanha-de-caju, R$ 24,90) e sobremesas, como cheesecake (à base de castanha de caju e creme de castanhas, R$ 13,90), bolo de coco (R$ 13,90) e brigadeiro (R$ 15,90).
Tobias comemora o resultado alcançado após a transição para o online: “Desde o lançamento, o e-commerce vem crescendo 40% ao mês, com uma recorrência de 35%”.
Além das marmitas já citadas, no final de 2021, a foodtech lançou uma linha de pratos inspirada em cinco regiões onde, segundo a empresa, as pessoas viveriam mais tempo e com melhor qualidade de vida: Sardenha (Itália), Okinawa (Japão), Nicoya (Costa Rica), Icária (Grécia) e Loma Linda (EUA).
No caso da inspiração sardenha, a Urban Farmcy criou um siri gratinado plant-based — à base de palmito e alga nori (R$ 32,90). Já de Nicoya, a foodtech traz o Gallo Pinto, um prato popular no país que consiste na combinação bem temperada de arroz e feijão, mas com um toque próprio da marca que acrescentou na receita coco aminos, pimentão, coentro, cebola, tomate e cominho, além de banana, abóbora e carne moída vegetal (R$ 29,90). Segundo Tobias:
“Essas são as regiões com maior número de pessoas longevas por habitantes, com menor incidência de câncer, obesidade, diabetes e outras doenças crônicas. E nessas regiões, 95% da alimentação é plant-based”
Ele ainda complementa: “Vale reforçar que a alimentação é só a porta de entrada para uma vida saudável, mas evidentemente que a gente precisa estimular outros hábitos, como o mindful eating, o valor de se movimentar naturalmente, a relação em comunidade etc.”.
De olho na importância da produção de conteúdo sobre temas que tangenciam sua entrega, a Urban Farmcy produziu uma websérie, em 2019, com o título “O que você vai comer amanhã”, disponível no YouTube da marca.
“Fomos entrevistar mais de 80 especialistas ao redor do mundo para entender o futuro da alimentação. Temos um segunda temporada no forno sobre a indústria da alimentação.”
Pelo menos 50% dos insumos para a produção das marmitas da Urban Farmcy, desde a época do restaurante, vêm de uma agricultura limpa, orgânica e familiar.
Hoje, 25 produtores, prioritariamente do Sul, são fornecedores da foodtech.
Em 2021, sem considerar o mês de dezembro, a empresa consumiu 33 toneladas de insumos locais, o que significou 400 mil reais em renda para as famílias da região, cerca de 6 mil reais por mês.
E a meta é dobrar, até 2030, a produtividade agrícola — e a renda desses pequenos produtores. Para isso, Tobias aponta alguns pilares da marca que ajudarão na concretização desses planos:
“Trabalhamos com programação de compras, oferecemos financiamento, destinando 1% de nossa receita rural para investir na agricultura familiar, promovemos quem são e onde estão esses produtores para que outros estabelecimentos consumam deles e investimos em tecnologia e gestão”
Um exemplo prático dessa entrega é o investimento que a Urban Farmcy fez para trazer para o Sul a semente de couve crespa (couve kale, base do salgadinho da marca), ajudando no desenvolvimento do plantio no núcleo familiar agricultor Filhos da Terra. Para começar, a empresa investiu na revitalização de uma área da fazenda da família, adequando o espaço ao plantio da couve kale e se comprometeu a garantir uma renda mínima mensal para eles.
Os planos futuros da Urban Farmcy, além de crescer (a projeção para este primeiro ano de operação como e-commerce, a ser completado em junho, é chegar a 11 milhões de reais de faturamento), consiste em refinar o modelo de negócio, agregando mais tecnologia na jornada de consumo. Segundo Tobias:
“Vamos ajudar as pessoas a incluir plantas em suas vidas de forma mais fácil usando a tecnologia para tornar essa jornada mais intuitiva e personalizada. Por meio de inteligente artificial, elas vão conseguir saber qual planta consumir e em qual refeição, por exemplo”
Ainda sobre planos futuros, mas não tão distantes, já para o mês que vem o empreendedor promete o lançamento de uma linha de alimentos inédita no Brasil e, segundo ele, muito desejada pelos consumidores.
Hoje, diz Tobias, as pessoas querem consumir mais plant-based, mas acabam desestimuladas pela quantidade de ultraprocessados que encontram no mercado, em especial, quando o assunto são as carnes vegetais. E é isso que a Urban Farmcy quer mudar:
“Mais do que textura e sabor de carne, a proteína tem que ser de planta mesmo, sem aditivos, amido modificado, metilcelulose etc. Isso faz com que muitas pessoas se desengajem do consumo plant-based. Por isso a gente fala muito sobre a importância de ler os rótulos antes de consumir.”
De artigos de decoração a bonecas de pano e pijamas para crianças, uma plataforma só com marcas graciosas e unidas pelo compromisso socioambiental: essa é a proposta da Stellar, fundada pelas amigas Emily Perry e Renata Reis.
Nem carne, nem planta. Thiago de Azevedo era o churrasqueiro da turma de amigos, até virar vegano. Em busca de uma alimentação mais saudável (e sustentável), ele criou a marca de enlatados e congelados à base de cogumelos.
Galinhas felizes voam mais alto? Saiba como a Raiar Orgânicos vem combinando agricultura regenerativa, bem-estar animal, tecnologia e gestão de ponta a ponta para faturar milhões e dar um salto na forma de se produzir ovo caipira no Brasil.