Com sede em Porto Alegre, a Diosa não só capacita como oferece trabalho a mulheres “pedreiras”

Marília Marasciulo - 19 set 2018
Larissa Blessmann e Maira Russo Peres criaram a empresa para oferecer uma alternativa às clientes que preferem contratar mulheres. A reboque, qualificam mão de obra para aumentar a oferta de profissionais.
Marília Marasciulo - 19 set 2018
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Ao sair da casa dos pais para morar com amigos, aos 24 anos, Maira Russo Peres, hoje com 27, natural de São Leopoldo (RS), vivenciou alguns “dramas” ao precisar tomar conta do próprio lar. Fazer um simples furo na parede exigia contratar mão de obra especializada. Quando se viu responsável por coordenar uma reforma pela primeira vez, a origem do incômodo ficou clara: ela não se sentia à vontade cercada por trabalhadores o dia inteiro. “Eu não sabia como conversar com eles, se devia trancar a porta. Pensei que seria muito mais fácil lidar com a situação se fossem mulheres”, conta. Dessa experiência, surgiria a ideia da Diosa, uma empresa que treina mulheres e disponibiliza mão de obra feminina na área de manutenção geral e serviços — atendendo, por ora, no Rio Grande do Sul.

Formada em Relações Internacionais com ênfase em Marketing e Negócios, Maira diz que nunca foi engajada com o feminismo e considera que sabia pouco sobre movimentos sociais. Ao se formar, em 2014, passou a acompanhar mais o tema empreendedorismo, mas seu foco principal era seguir carreira corporativa — ela manteve um emprego em um escritório de imigração por dois anos depois de formada. “Nunca achei que tivesse perfil de empreendedora, sempre achei que ter um negócio fosse algo feito muito mais por ego”, afirma.

Talvez ainda sem saber, na época da reforma na casa, ela fez o que todo bom empreendedor faz quando se depara com um problema: buscou soluções. Pesquisando por prestadoras de serviço na construção civil, descobriu que elas existiam, embora fossem poucas. Encontrou uma página no Facebook que divulgava o serviço de algumas profissionais, mas todas eram em São Paulo. “Pensei que seria muito legal se tivesse em outras cidades.” Por coincidência, o momento parecia perfeito para algo do tipo. É que naquele ano, 2015, o Uber acabava de chegar ao Brasil e o país experimentava o fenômeno agora popularizado como a “uberização de tudo”.

Quando passou a se sentir mais à vontade para criar algo que facilitasse o acesso a profissionais mulheres que prestam serviços de construção e reparos, a aceitação da ideia mostrou que estava no caminho certo. Se aconselhou com amigos e conhecidos, e percebeu outra “dor” comum neste nicho: a prestação de serviços como um todo era ruim. Ela fala a respeito:

“Muita gente reclamava não só da sensação de insegurança na obra, mas da má qualidade do trabalho, além de atrasos e faltas”

Chamou, então, outra amiga, Camila Camargo, 30, formada em Publicidade e Propaganda, que era mais engajada com movimentos sociais. Finalmente, as duas chamaram uma terceira amiga, Maria Emilia Paiva Martins, 26, da área de Relações Internacionais. Juntas, decidiram criar a Diosa.

EMPREENDER PRECISA SER MAIS QUE UM HOBBY

Ok, não foi tão simples assim. Para começar, nenhuma delas tinha criado um negócio antes. Para aprender, pelo menos o básico, decidiram entrar na incubadora da ESPM, universidade onde Maira e outras duas sócias estudaram. Passaram dois anos buscando entender quem seria o público-alvo, que valor entregariam aos futuros clientes, onde encontrariam prestadoras de serviço e quantas seria interessante ter na base cadastral.

A Diosa conta com 70 mulheres cadastradas em sua base. Elas cobram cerca de 200 reais pelos serviços e a empresa fica com 24% do valor.

No processo, veio o primeiro aprendizado, o de que empreender não é um hobby e exige muita dedicação. Ao mesmo tempo, fala Maira, “tem que ser muito privilegiado para poder ficar sem trabalhar só tocando a empresa”. Ela decidiu arriscar. Na época, início de 2016, havia começado um mestrado em Direito Internacional e optou por largar o emprego para se dedicar aos estudos e à Diosa. As outras sócias iniciais não puderam fazer o mesmo e saíram do negócio.

No entanto, Maira contou com a ajuda de uma amiga de infância, Larissa Blessmann, 27, que estava fazendo um MBA em Gestão de Negócios e acabou virando sócia da startup. Ela enxergou na Diosa uma forma de aprender a gerir uma empresa na prática, além de simpatizar com a causa de Maira. Em 2016, fizeram o primeiro teste oficial, uma página no Facebook para ver se havia, de fato, demanda.

E havia. Com dez prestadoras de serviço no portfólio, todas indicadas pela ONG Mulher em Construção, de Porto Alegre, elas passaram a mediar a demanda e a fazer indicações. “No começo era tudo muito solto, a gente pedia as informações para a ONG, a do cliente, mas não tínhamos um contato pessoal com nenhum deles.” Além de determinar se o produto era viável, também começaram a construir uma base de clientes. Mas a vontade, até então, continuava sendo a de ser somente uma “ponte” entre as prestadoras e os clientes, sem precisar se envolver em treinamento ou padronização de atendimento, por exemplo. A ideia era ser uma espécie de TaskRabbit, site americano criado em 2008 e popularizado a partir de 2014, que conecta usuários com pessoas que estejam em sua vizinhança e executem pequenos serviços.

MÃOS À OBRA: UM PITCH NOS ESTADOS UNIDOS E O PRIMEIRO APORTE

O ponto de virada veio no fim de 2017, quando Maira se inscreveu no Young Leaders of Americas Initiative (YLAI), um programa patrocinado pelo Departamento de Estado americano e que todo ano leva 250 empreendedores da América Latina para uma experiência de benchmark de um mês em uma empresa americana. A Diosa, junto com outros negócios brasileiros, foi selecionada. No fim do programa, uma competição de “pitch” do negócio daria aos primeiros colocados prêmios em dinheiro.

Nos Estados Unidos, Maira passou um mês em Pittsburgh, acompanhando de perto uma organização sem fins lucrativos que dá selo de qualidade a empresas, garantindo que são confiáveis. Lá, ela viu que 90% dessas empresas eram, na verdade, contractors, ou trabalhadores autônomos. Também aprendeu sobre o tipo de relacionamento desejável entre contractors e clientes: serviço bem feito, preço razoável e segurança estavam no topo da lista. Foi então que percebeu que a Diosa se posicionaria como uma empresa que oferece serviços de qualidade a preço justo — o fato de os prestadores serem mulheres seria apenas “um detalhe”.

Na competição de pitch, Maira ficou em segundo lugar e levou um prêmio de 5 mil dólares. Como a moeda americana estava (e está) com a conversão lá em cima, o valor foi o suficiente para criar um site próprio, o primeiro piloto da Diosa já cobrando 24% de comissão em cima do orçamento fornecido pela prestadora de serviço. Em troca, oferecem treinamento, credibilidade e toda a mediação entre profissional e cliente.

Oficina de capacitação realizada pela Diosa com um potencial grupo de prestadoras de serviço.

Nos primeiros três meses, isso foi feito manualmente, até conseguirem padronizar diferentes tipos de atendimento. Mesmo assim, o cuidado é constante e permanente — as sócias agora têm uma funcionária dedicada a cuidar do setor de atendimento, e chegam a acompanhar novas prestadoras nas primeiras visitas. Elas também apostam em parcerias com ONGs para encontrar mulheres que trabalham com diferentes áreas (de mecânicas a eletricistas, por exemplo). Do lançamento do site, no fim de 2017, até o momento, já foram mais de 600 atendimentos realizados por 70 mulheres na base da Diosa, que cobram de 100 reais a 10 mil reais por seus serviços, dependendo do que é realizado. O investimento no negócio foi de cerca de 35 mil reais.

A demora para começar a cobrar pelo serviço é talvez um dos maiores arrependimentos de Maira. Embora reconheça a importância inicial do período na incubadora, ela hoje percebe que essa também foi uma certa amarra para o processo de crescimento da empresa. “Lá, a postura era sempre de prevenção de problema, mas hoje eu sei que não existe como empreender sem se arriscar”, diz. E complementa:

“Os problemas em uma empresa sempre vão surgir, não adianta ficar mastigando e fazendo de tudo para evitá-los: é preciso resolvê-los”

Talvez por isso, as sócias resolveram não perder mais tempo e, pouco depois de instituir a cobrança, começaram a planejar a fase de escala. Atualmente, a Diosa atua na Grande Porto Alegre, no Litoral Norte gaúcho e em São Leopoldo. Mas já planeja funcionar, em breve, no Rio de Janeiro, onde uma das coordenadoras da ONG Projeto Mão na Massa, que trabalha para posicionar mulheres na prestação de serviços, demonstrou interesse em se tornar o ponto de contato da empresa. “O custo para escalar é muito baixo, só precisamos de uma pessoa presencial na cidade para o acompanhamento, e o resto é tudo feito online”, afirma Maira.

ELAS SABEM QUE A QUESTÃO DO GÊNERO AINDA É UM DESAFIO. E TOPAM A PARADA

Embora as sócias e as prestadoras atuem de formas diferentes, o simples fato de serem mulheres cria uma relação de estranhamento nos clientes à primeira vista. Isso porque ambas as partes da empresa, empreendedoras e colaboradoras, lidam com o desafio de exercer papéis que fogem do tradicionalmente esperado para o gênero. Maira conta:

“Temos que ser muito organizadas para viver como autônomas, pois sempre acham que estamos ‘à toa’ e que nossa obrigação principal é servir os outros”

Ela ainda diz: “Sem contar que há muito cliente que desconfia e dá “pitacos” no nosso trabalho”. Mas elas não desanimam. “Quando o cliente vê que tem qualidade, não interessa se é uma mulher ou um homem fazendo o serviço”, fala Maira, com a certeza de que o bom trabalho realizado pela Diosa serve para desconstruir estereótipos.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Diosa
  • O que faz: Conecta clientes a prestadoras de serviço
  • Sócio(s): Maira Russo Peres e Larissa Besmann
  • Funcionários: 1
  • Sede: Porto Alegre
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 35.000
  • Faturamento: 600 atendimentos realizados até o momento
  • Contato: contato@diosa.me
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