Rodovias são importantes para o Brasil funcionar. A greve dos caminhoneiros, no final de maio, deixou o país desabastecido e muita gente estarrecida sobre o quão dependentes somos do petróleo e dessas vias. Mas este texto não é sobre a greve e sim sobre uma consultoria criada para ajudar a diminuir o impacto que as estradas causam sobre a biodiversidade animal.
Desde 2014, a ViaFAUNA, criada pelas biólogas Mariane Biz, 33, Fernanda Abra, 31 e Paula Prist, 34, trabalha com o desenvolvimento de estratégias e produtos para reduzir o número de atropelamentos de animais silvestres e domésticos nas rodovias — um problema sério, com consequências para a biodiversidade e, também, para a vida humana. Segundo dados do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas, 465 milhões de animais são atropelados por ano no nas estradas brasileiras. A maioria, 430 milhões, é de pequeno porte, como sapos, aves, cobras etc. Já 40 milhões são animais de médio porte, como gambás, lebres e macacos, e cinco milhões são de grande porte, como onças, lobos-guará, antas e capivaras.
O que a ViaFAUNA faz, basicamente, é analisar os dados de atropelamento das rodovias e indicar quais as medidas que podem ser tomadas nos trechos mais problemáticos. A construção de túneis, pontes, passagens aéreas ou mesmo o cercamento de alguns trechos estão entre essas soluções. Fernanda fala mais a respeito:
“A gente trabalha para evitar três tipos de perdas: a biológica, que é a morte do animal; a de segurança humana, já que um atropelamento pode ser um acidente grave; e a econômica, que são os prejuízos financeiros”
Do ponto de vista ecológico, esses atropelamentos são considerados uma ameaça para a biodiversidade e, também, para alguns animais em risco de extinção, como a onça e o lobo-guará. “São animais que andam quilômetros e quilômetros por dia e sempre acabam batendo em uma rodovia”, diz Mariane. Ela fala que, como essas rodovias geralmente cortam seus habitat, eles precisam atravessar as pistas em busca de comida ou reprodução. E é nesta hora que os atropelamentos acontecem.
QUANDO A PAIXÃO POR ANIMAIS SE TORNA UM NEGÓCIO
O que uniu as três sócias nesse empreendimento foi o mesmo motivo que as levou a escolher a faculdade de Biologia: a paixão por animais. Elas se conheceram durante o mestrado e viram uma oportunidade de empreender dentro da área em que atuavam de forma independente, como consultoras. Mariane trabalhava em um projeto relacionado à fauna em aeroportos (que também está no portfólio de serviços da ViaFAUNA); Paula, com levantamento de fauna, análise de dados e geoprocessamento; e Fernanda, com ecologia de estradas.
Durante uma conversa, perceberam que havia uma demanda crescente do mercado por consultorias voltadas para fauna (até pela cobrança maior dos órgãos ambientais) e resolveram trocar a vida acadêmica pela mão na massa. “Havia uma sinergia muito grande entre a gente e resolvemos começar a empresa”, diz Mariane, que já tinha o desejo de empreender. Ela prossegue: “Acredito que este seja um jeito de retornar ao mundo todo o investimento que já foi feito em mim. E como trabalhamos com conservação e segurança humana, sinto que estou ajudando o mundo de alguma forma”.
Com investimento inicial de 30 mil reais de recursos próprios, elas começaram a empresa sem abandonar as outras atividades. “No começo decidimos não contar com a ViaFAUNA para sobreviver e continuamos com outros projetos”, conta Mariane. Em oito meses, o dinheiro aportado foi reposto e, em 2017, o negócio faturou 800 mil reais, graças a clientes como CCR SPVias, BH Airport e Autopista Fluminense.
Hoje, a ViaFAUNA é a principal atividade das três sócias, que trabalham em esquema de home office e mantém um escritório apenas para guardar equipamentos usados em campo. As funções de cada uma dentro da empresa foram definidas por afinidade, como fala a empreendedora: “A ViaFAUNA não existe se uma de nós sair. Temos nossas divergências, o que é bom porque faz pensar, mas cada uma tem o seu papel e, se tirar uma, a empresa desmonta”.
VIRANDO A CHAVINHA: DA TEORIA PARA A PRÁTICA
Mudar do pensamento acadêmico para o empreendedor exigiu tempo e esforço das três sócias, que foram em busca de capacitação para entender um pouco mais de questões práticas, como legislação, nota fiscal, fluxo de caixa e modelo de negócios. Uma incubação no Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia da USP) também ajudou a aproximá-las desse universo. Mariane conta o que aprendeu neste processo:
“A gente adora a academia e a pesquisa, mas o passo e o tempo para empreender é outro. A academia é mais lenta e perfeccionista, enquanto o mercado exige algo que seja exequível”
Precisaram, por exemplo, aprender a fazer propostas comerciais e relatórios que não ficassem parecidos com uma pesquisa acadêmica. Ainda assim, ela fala que encontraram uma maneira de unir a academia e o empreendedorismo nos documentos da ViaFAUNA. “Nossas propostas e relatórios têm referência bibliográfica e isso faz com que o cliente se sinta mais confiante com a nossa capacidade técnica e mais protegido até para questionamentos do órgão ambiental.”
As fundadoras acreditam que esse lado acadêmico traz uma credibilidade que faz com que a ViaFAUNA seja procurada para projetos inovadores, como a consultoria para a construção de uma passagem superior para primatas na BR 101-Norte, que liga o Rio de Janeiro ao Espírito Santo, e será a primeira deste tipo no Brasil.
Elas também já fizeram um projeto ligado ao impacto de iluminação em rodovias, algo que, segundo Mariane, quase não tem estudo no mundo. “Essas coisas acabam vindo para gente e temos um gosto muito especial em executá-las. Nossos olhos brilham com esses projetos”.
Além das estradas, a empresa também trabalha com análise de fauna e estratégias para aeroportos, onde há problema de colisões, principalmente de aves com aeronaves. Neste caso, o que elas buscam é, principalmente, garantir a segurança humana e diminuir os custos que os acidentes geram, já que um avião não decola se não estiver 100% em condições. “No caso dos aeroportos, mais de 40% das colisões não têm a espécie identificada. O que sabemos é que as que colidem são aquelas não tão importantes para a questão da conservação. São espécies cuja população cresce por causa do homem”, diz Mariane.
ELAS CRIARAM UM DETECTOR DE ANIMAIS PARA ALERTAR OS MOTORISTAS
Além dos dez contratos vigentes, o negócio está trabalhando no desenvolvimento de um equipamento chamado “Passa-Bicho”, que é um sistema de detecção animal para facilitar e baratear os custos da mitigação de atropelamento nas rodovias. É uma parceria da ViaFAUNA com a Trapa Câmera (monitoramento fotográfico), feita com o financiamento do PIPE-FAPESP (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas), que tem justamente o objetivo de financiar e incentivar a inovação em pequenos negócios.
O equipamento será colocado em pontos estratégicos das rodovias e um sensor de movimento detectará a passagem do animal e emitirá um sinal que acionará um painel luminoso ou uma luz piscante (ou um alerta via celular, que ainda está em estudo) para avisar aos motoristas sobre a travessia. Câmeras ainda ajudarão a identificar a espécie e o porte do animal.
O protótipo já foi desenvolvido e a próxima fase prevê testes em ambientes controlados e em rodovias parceiras. Mariane aposta muito na viabilidade do produto, principalmente, porque ele não precisa ser fixo em um ponto.
“A fauna, assim como a paisagem, muda com o tempo. Se a paisagem muda, o deslocamento da fauna também. Construir uma ponte ou túnel é caríssimo e não há mobilidade. No caso desse equipamento, ele pode ser colocado em outro ponto da rodovia quando necessário”, diz.
Porém, as sócias sabem que um trabalho de educação ambiental com toda a sociedade será necessário para que a proposta seja realmente efetiva, já que o motorista será alertado da travessia e vai precisar mudar sua forma de condução — seja reduzindo a velocidade ou até parando o veículo. De qualquer forma, essa questão está no DNA da ViaFAUNA, que nasceu dentro da academia e acredita que não basta apenas ter tecnologia, mas também uma mudança de comportamento para que o desenvolvimento sustentável aconteça.
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