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Com tecnologia nacional, o Noeh é um sapatinho infantil que simula o que há de mais saudável: andar descalço

Dani Rosolen - 27 fev 2018 Ana Paula Lage abandonou o universo da moda para criar um sapatinho infantil que simula o caminhar descalço.
Ana Paula Lage abandonou o universo da moda para criar um sapatinho infantil que simula o caminhar descalço.
Dani Rosolen - 27 fev 2018
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Quando soube que ia ser tia, no final de 2013, a designer Ana Paula Lage, 32, decidiu que faria um sapatinho especial de presente para o sobrinho João. Ela ainda não sabia que iria se tornar a empreendedora à frente da Noeh, que faz sapatos para bebês com solado simulando areia, terra e grama. Na época, no mestrado da Universidade Estadual de Minas Gerais, em Belo Horizonte, ela estudava materiais para palmilhas. Frustrada ao não encontrar uma base que fosse referência de mercado para confeccionar um calçado para o bebê, e já um pouco desinteressada do tema inicial de seu projeto, ela decidiu mudar o foco do estudo.

Começou, então, a pesquisar mais sobre como projetar calçados infantis e descobriu que não existe, no mundo, um padrão para sua confecção — nem mesmo estudos sobre o funcionamento do pé de um bebê. A designer conta que ficou alarmada ao saber que 75% das crianças chegam aos sete anos com problemas decorrentes de um mau desenvolvimento, sendo que apenas 2% nascem com alguma alteração (desde pisada torta a pé chato). A partir disso, passou a analisar como a superfície sobre a qual a criança caminha pode interferir na sua formação. Ela fala a respeito:

“O ideal para a criança é andar descalça, pois a instabilidade permite que faça força para se equilibrar e desenvolva a musculatura”

Consciente, no entanto, de que a maioria dos “bebês urbanos” aprende a dar os primeiros passos com um calçado e em chão reto, Ana Paula se aventurou a desenvolver o que chama de “mini solo natural”, um sapato que simula a areia, a terra e a grama, ou se preferir, o Noeh, único sapato para crianças de seis a 30 meses de idade aprovado por especialistas na área da saúde por não alterar a marcha do bebê.

A startup mineira começou a operar em janeiro do ano passado e vende cerca de 70 pares do calçado por mês em seu e-commerce. Os modelos custam 212 reais cada e Ana Paula conta que o estado de São Paulo é o maior comprador, com um terço dos pedidos. No entanto, a meta da pesquisadora (ela agora faz doutorado) é ir além do território nacional.

A paixão por calçados não surgiu do nada na vida de Ana Paula. Embora o movimento de adentrar no universo infantil tenha sido despertado por amor ao sobrinho, ela já tinha empreendido antes em uma marca de sapatos femininos chamada Anamê. “Era algo mais estético. Eu produzia pensando em conforto, mas sem ter preocupação específica com o funcionamento do corpo humano”, conta. A marca não existe mais, mas empresta seu nome para o instituto de desenvolvimento de produtos na área pediátrica criado pela designer.

Ana Paula formou-se em Moda e fez seu primeiro mestrado em Design de Calçados e Acessórios, em Barcelona. Chegou a trabalhar como assistente dos estilistas Ronaldo Fraga e Rogério Lima e a participar de grandes eventos como o São Paulo Fashion Week, até que um dia decidiu largar o glamour desse meio:

“Entendi que minha praia era mesmo a pesquisa, que a moda pela tendência não me fazia feliz”

Ela se encontraria na área de saúde. Ainda que dos pés. Hoje, além de tocar sua startup, desenvolve no doutorado uma pesquisa sobre produtos pediátricos e integra a equipe de inovação do C.S. Mott Children’s Hospital, em Michigan, um dos maiores centros médicos infantis dos Estados Unidos.

O PASSO A PASSO PARA UM NOVO MERCADO

Colocar um produto novo no mercado infantil não é brincadeira. Como não achou referências de tamanho para o que queria criar, a primeira atitude de Ana Paula foi fazer um estudo antropométrico, no qual mediu os pezinhos de 24 crianças de 0 a 24 meses de idade. “Com esse padrão, criei o desenho e mandei fazer as formas”, diz. Também contou com  a ajuda de fisioterapeutas e ortopedistas para entender o que um sapatinho precisaria ter: proteger os dedos e o calcanhar, ter a ponta um pouco mais levantada e o solado em formato de barquinha para facilitar a rolagem padrão (do calcanhar à ponta do pé), além de espaço para a criança levantar e abrir os dedos.

O tamanho ideal de um sapato infantil foi investigado pela pesquisadora.

A proporção entre as partes do calçado é importante para o Noeh, pois de acordo com a empreendedora, os modelos infantis disponíveis no mercado são apenas uma versão miniaturizada de um sapato de adulto.

Porém, ela segue, o diferencial do produto é a palmilha: ela é feita de micropartículas soltas e é injetada no calçado apenas quando a estrutura toda já está pronta. “Esta palmilha simula o comportamento de um material natural e, quando a criança pisa, se molda aos seus pés, proporcionando um efeito dinâmico e irregular a cada pisada”, diz.

Ainda faltava experimentar, na prática, todas as hipóteses consideradas em laboratório. Com o apoio financeiro de um edital do Senai, no valor de 150 mil reais, Ana Paula replicou seu protótipo para ter as 21 unidades usadas nos testes finais, feitos em pezinhos de verdade e com a supervisão de seis doutores e pós-doutores em Fisioterapia da UFMG.

Foi preciso convencer a comunidade científico e os pais das crianças de que o Noeh era um bom investimento.

Foi preciso convencer a comunidade científico e os pais das crianças de que o Noeh era um bom investimento.

Os testes envolveram duas tecnologias: a eletromiografia (exame para verificar a atividade muscular) e a análise de movimento (que utiliza a mesma técnica da indústria de animação, captando os movimentos para depois inserir um desenho gráfico em cima). O procedimento era um pouco complicado, pois exigia que as 21 crianças, de 10 a 15 meses, realizassem um percurso de dez idas e voltas cheias de marcadores nas articulações e de três maneiras diferentes: com o Noeh, descalças e usando o sapatinho de sua preferência trazido pelos pais.

As análises, como conta a pesquisadora, comprovaram que seu produto, diferentemente das outras 14 marcas que as crianças estavam acostumadas a usar, não modificava a marcha do usuário (abertura da perna e do pé, pendulação, tamanho do passo, etc). “Era como se estivessem descalças”, diz.

Com os resultados positivos, uma máquina criada pelo Senai especialmente para a produção do Noeh, possibilitou que a designer injetasse os primeiros 600 pares de solado de sua marca. Os desafios dali para a frente, porém, seriam ainda maiores. Ela conta:

“Fazer as pessoas acreditarem em mim, que sou designer, trabalhando com produto para a saúde foi uma batalha”

E prossegue: “Era muito difícil para a comunidade médica entender o que eu trazia. Não tenho o olhar de um ortopedista, assim como ele não tem o do designer”. O fato de ser consultora de inovação no hospital dos EUA, diz, a ajudou a aprender a “falar a mesma língua” dos médicos.

MAIS DO QUE UM SAPATO BONITINHO

Não bastava apenas convencer a comunidade científica, Ana Paula diz que também penou até que os pais, o verdadeiro público, entendessem que o investimento no calçado valia a pena. “Nesta faixa etária ainda são os pais que decidem o que as crianças vão vestir. Apesar disso, criamos uma geometria e padrão de cores para ativar a curiosidade e fazer com que as crianças escolham o seu Noeh”, afirma.

No delicado exercício de atuar como designer, pesquisadora e empreendedora, nem tudo sai como o programado. Ana Paula acredita, por exemplo, que hoje sua a marca tem variações demais (são quatro modelos e seis estampas) e ressalta que esta não é a proposta. “O objetivo é destacar a tecnologia por trás do Noeh, e não somente a estética”. Um dos grandes aprendizados foi perceber que estava dentro de outro setor, como fala:

“Não vendemos sapato, vendemos saúde”

Ana Paula diz que seu produto se encaixa muito mais na área farmacêutica do que nas lojas de calçado convencionais. Ela ainda estuda outros meios de vender o sapatinho além do e-commerce, mas diz não cogitar abrir um espaço físico da marca. “Qual funcionário teria conhecimento técnico para explicar nosso sapato para o cliente entender que se trata de um produto diferente e não apenas um sapato com um tíquete mais alto e de uma marca que ele não conhece?”

Melhor seria os "bebês urbanos" estarem descalços... Não estando, o Noeh simula a pisada livre.

Melhor seria os “bebês urbanos” estarem descalços… Não estando, o Noeh simula a pisada livre.

Por outro lado, ela confia que seu produto tem potencial para alcançar o mercado global. “Queremos ser uma marca de produtos para a saúde do bebê que ainda não existe no mercado. Como nosso produto é único e já tem as devidas patentes, temos certas vantagens”, afirma a empreendedora.

Ela participou, no ano passado, do programa de aceleração Startout, promovido pelo governo brasileiro. Na ocasião, teve a chance de passar por uma imersão na França, junto com outras 14 startups. Lá, o negócio despertou o interesse de três possíveis parceiros e agora Ana Paula estuda as propostas para levar o Noeh, primeiro, para este país e, depois, alcançar todo o continente europeu e os Estados Unidos.

UM PRESENTE QUE VIROU NEGÓCIO

O que era apenas para ser um mimo para o sobrinho prestes a vir ao mundo se transformou em um propósito. Ana Paula diz que descobriu seu lugar enquanto profissional e designer após a ideia do sapatinho. “Antes, eu tinha a visão de que se gostava de pesquisa só teria espaço na academia. Hoje, entendo que a academia é apenas uma via para colocar no mercado minhas ideias”, diz.

João, que hoje tem quatro anos, acabou sem o presente da tia, pois quando o produto ficou pronto seu pé já estava maior do que os tamanhos disponíveis. Mas, ao ouvir a história de como nasceu o Noeh, ele ainda insiste em ganhar um sapatinho especial. “Esse neném veio para clarear a minha vida. Ele vive falando, ‘dindinha faz um sapato pra mim’. Ainda vou ter que atender esse pedido”, conta a madrinha, que sonha em desenvolver outros produtos pediátricos. Um pé depois do outro.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Noeh Baby
  • O que faz: Produz sapatos infantis
  • Sócio(s): Ana Paula Lage
  • Funcionários: 4 (incluindo a fundadora)
  • Sede: Belo Horizonte
  • Início das atividades: Janeiro de 2017
  • Investimento inicial: R$ 300.000 (com o apoio de R$ 150.000 do Senai)
  • Faturamento: 70 pares de sapatos vendidos por mês
  • Contato: [email protected]
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