Quando escreveu Comece algo que faça a diferença, Blake Mycoskie queria que sua experiência encorajasse outras pessoas a também impactar positivamente o mundo com seus negócios. Em 2006, ele criou a marca de calçados TOMS Shoes e, junto com ela, o movimento One for One (Um por Um): a cada par de sapatos vendido, outro é doado pela empresa. Seu livro traz esse e outros exemplos para mostrar como é possível ganhar dinheiro e, ao mesmo tempo, se dedicar às causas em que acreditamos.
Mycoskie ficaria feliz em saber que foi após ler sua história que Cláudia Kubrusly e Joana Mello fundaram a Editora Voo, em 2013. E que, assim como a TOMS, a Voo também já nasceu com propósitos claros: editar somente obras que inspirem as pessoas a tornar o mundo melhor e gerar uma contrapartida social a cada exemplar vendido, seguindo o modelo Um por Um.
Desde o começo, foram os livros que uniram os caminhos das sócias fundadoras da Voo — a jornalista Priscila Seixas se juntaria a elas em 2016. As duas sempre viveram em cidades diferentes (Cláudia em Curitiba e Joana em Belo Horizonte) e só se conheceram em 2010, nos Estados Unidos, durante a BookExpo America. Na época, Cláudia já trabalhava há sete anos como advogada, mas buscava algo que lhe trouxesse o brilho nos olhos que não encontrava em sua profissão. Foi até lá para aprender mais sobre livros porque planejava criar uma editora jurídica e compartilhou esse sonho com Joana, que também era advogada, atuava na área de direitos autorais e estava participando de um dos cursos do evento.
A afinidade logo apareceu e foi o que levou Cláudia a convidá-la para ser sua sócia quando, um ano depois, decidiu que precisava abandonar sua carreira e investir nesse projeto. Juntas, montaram um selo e chegaram a publicar um livro sobre Direito. “Mas tudo só se encaixou depois que a Joana leu e me mostrou o ‘Comece algo que faça a diferença’, que já era best-seller do New York Times”, diz Cláudia, e prossegue:
“Naquele momento, tivemos a certeza de que era esse o tipo de história que queríamos publicar”
E foi o que fizeram desde então. Não por acaso, o primeiro título que lançaram pela Voo foi justamente a versão em português do livro de Mycoskie.
QUANDO A IDENTIDADE DO SEU NEGÓCIO GERA CONEXÕES
Essa segmentação da proposta editorial não só deu uma identidade à Voo, mas também tem ajudado a torná-la uma referência no mercado. “Carregar essa visão de mundo nos conecta com outras pessoas que partilham do nosso propósito e que apóiam e divulgam nosso trabalho. E os próprios autores já têm nos procurado por esse mesmo motivo”, afirma Priscila, que também chegou até a editora por se identificar com o negócio.
A linha editorial foi desdobrada também para a Vooinho, selo infantil da editora. Hoje, elas têm 17 títulos no catálogo e mais de 23 mil exemplares vendidos. Entre eles, uma versão “física” da música Trem Bala, de Ana Vilela (projeto finalista no prêmio Jabuti, no ano passado), que custa 44 reais, e também o livro Reinventando as organizações (sobre o qual falamos aqui no Draft), que sai por 58 reais. Cada projeto passa pela curadoria das três sócias, que sabem bem o que querem entregar. Não são fórmulas ou receitas prontas, mas “histórias que despertem o olhar para a mudança”.
Ser fiel à essa essência significa, muitas vezes, significa recusar bons projetos com apelo comercial. “Mas é algo que fazemos sem arrependimentos por acreditarmos muito na nossa linha editorial. Tudo ganha sentido quando alguém nos procura para dizer que mudou seu negócio ou sua vida depois de ler uma de nossas publicações”, diz Cláudia.
Elas, que já disponibilizam todos seus títulos também no formato e-book, contam que nunca se prenderam a uma concepção sobre como se deve fazer e vender livros. Joana complementa: “O que realmente nos importa é conseguir disseminar essas ideias. Estamos sempre abertas a novas formas de transmitir nosso conteúdo e temos buscado ampliar nossas plataformas.”
VENDER LIVROS MUITO ALÉM DE ONDE SE VENDEM LIVROS
Sem fugir das grandes livrarias, que são importantes tanto para a visibilidade da editora quanto dos autores, a Voo ocupa cada vez mais espaços como coworkings e eventos relacionados aos temas de seus livros. Cláudia conta:
“Diversificamos nossas formas de comercializar para estar onde nosso público está”.
Ela prossegue: “Sabemos que são pessoas em busca de um significado para suas vidas, ou que já encontraram o que buscavam e agora querem referências sobre como colocar isso em prática”. Desde 2018, a Voo é também uma das 2 300 companhias no mundo certificadas como Empresa B, grupo do qual fazem parte a Ben & Jerry’s, a Patagonia e a Natura.
A vontade de se juntar à essa rede nasceu quando a editora publicou no Brasil O Manual da Empresa B, que fala sobre o movimento global de empresas que têm em comum o objetivo de transformar o mundo e estão comprometidas com altos padrões de gestão e com a geração de benefícios sociais e ambientais. Cláudia fala a respeito: “Essa é uma conquista que nos traz muito orgulho e dá ainda mais credibilidade ao nosso trabalho. Uma coisa é você contar o que você faz e outra é ter alguém que vistoriou suas ações e certificou que você realmente faz isso”.
O projeto Um por Um é outra forma de proporcionarem um impacto positivo com o negócio. Por meio dele, mais de 3% do faturamento da Voo é revertido para causas sociais, que até o ano passado variavam de acordo com a obra. Apenas entre 2017 e 2018, foram doados cerca de 19 mil reais e 3 320 livros. Mas, como cada título tem uma tiragem e um ritmo de vendas diferente, essas contribuições ainda não tinham o impacto que elas desejavam. Por isso, desde 2018, decidiram concentrar essa contrapartida em uma única iniciativa.
A escolhida foi a Voo para um Futuro Melhor, que promove oficinas literárias para adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no Centro de Socioeducação São Francisco, em Piraquara, Região Metropolitana de Curitiba. “Conhecemos o trabalho quando um dos garotos foi convidado a apresentar a releitura que fez do poema A arte de ser feliz, da Cecília Meireles. Foi emocionante ouvi-lo falar daquela forma sobre sua infância e a violência que fez parte da sua vida. Vimos ali a concretização de uma frase na qual realmente acreditamos: livros mudam pessoas. Pessoas mudam o mundo”, fala Cláudia.
ERRAR, APRENDER E REINVENTAR O NEGÓCIO
Um dos primeiros desafios para fazer a editora decolar foi superar rapidamente a inexperiência com editoração e produção gráfica. “Buscamos nos especializar, mas enquanto isso os projetos já estavam acontecendo. A primeira tradução do Comece algo que faça a diferença deu muito errado e refizemos tudo. Não foi fácil no início, a área editorial é bastante complexa. Foi com o tempo, erros e acertos, que encontramos nosso jeito de trabalhar e construímos uma rede de fornecedores com revisores, tradutores e designers de confiança”, diz Cláudia.
A forma de financiar as obras, que inicialmente era feita apenas com recursos próprios, também precisou evoluir. “Como o custo de produção é alto e o retorno é lento, publicávamos de dois a três títulos por ano. Mas chegou um momento em que existiam vários projetos que queríamos fazer e faltava o capital para isso”, conta Priscila. Em 2017, elas apostaram em alternativas como financiamentos coletivos e de empresas e autores, e chegaram a triplicar o número de livros publicados anualmente. Dos 17 títulos da Voo, 11 foram lançados há cerca de um ano e meio.
Longe de ser um problema, trabalhar à distância é para elas uma habilidade. Cláudia e Priscila dividem o escritório em Curitiba, enquanto Joana é responsável pela sede em Belo Horizonte, que conta com dois funcionários e é onde fica o estoque da editora. “É impressionante como funciona para nós. Nos falamos o tempo todo e nunca sentimos que isso interfere na gestão”, dizem, quase em coro, as três.
A visão de futuro também segue essa unanimidade. Mesmo registrando um bom aumento no número de publicações nos últimos anos, não são metas de crescimento ou vendas que guiam a Voo. “Buscamos resultados financeiros, é claro, mas queremos seguir um ritmo natural. A necessidade de atingir metas poderia nos levar a trocar projetos nos quais acreditamos por outros mais comerciais. Tem um provérbio africano que diz: ‘se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá acompanhado’. E é isso que faz sentido para nós. Estamos criando conexões e caminhando no nosso tempo, porque queremos ir longe”, dizem Cláudia, Joana e Priscila. Voando.
Minha frase favorita para a liderança é “cuidar de quem cuida” - e a palavra equilíbrio revela uma atividade poderosa de gestão de polaridades que deveria ser matéria obrigatória em qualquer curso de administração.
Escapar da violência é muito mais difícil quando o agressor divide a casa com você. A Utopiar capacita e engaja vítimas de abuso doméstico na produção de roupas e acessórios sustentáveis, gerando renda e resgatando a autoestima.