Depois de perder o pai para o câncer de pele, o cirurgião-dentista paulista Willian Boelcke (hoje com 29 anos) resolveu dedicar a vida a um projeto: impedir que o mesmo aconteça com outras famílias.
Ele se juntou então ao também cirurgião-dentista paraense Lucas Lacerda de Souza para desenvolver o NEVO, plataforma de Inteligência Artificial que faz a triagem de lesões cutâneas potencialmente malignas a partir de uma simples foto tirada pelo celular.
Lançada em 2024 com um algoritmo treinado em mais de 95 mil imagens de diferentes tipos de pele — número que deve saltar para 1 milhão até o fim deste ano —, a ferramenta, segundo os empreendedores, tem 93% de acurácia e pode ser integrada aos sistemas de saúde públicos e privados, acelerando o atendimento médico sem substituir o diagnóstico clínico. Willian afirma:
“A ideia nunca foi fazer o diagnóstico. Isso é responsabilidade do médico. A IA serve como um facilitador de fluxos de trabalho, em que pessoas tratam de pessoas, e ferramentas entram como ferramentas”
Willian responde pela área comercial e de desenvolvimento de produto, enquanto Lucas, especialista em patologia e IA, cuida da parte técnica. A operação hoje é enxuta: oito pessoas, e só Willian em tempo integral.
Apesar disso, a dupla estrutura e apresenta o NEVO como parte de uma holding especializada em patologia assistida por inteligência artificial, a AI Pathology.
Além do NEVO, a empresa desenvolveu a Cura Ativa, uma plataforma de acompanhamento pós-cirúrgico via WhatsApp, que analisa fotos e respostas simples dos pacientes para detectar complicações e agilizar o atendimento.
A solução surgiu de uma demanda da Escola Paulista de Medicina e pode reduzir riscos no pós-operatório, especialmente em áreas como a ortopedia. Outra ferramenta que está sendo desenvolvida é o Cervix, um algoritmo para identificar tumores cervicais — este, ainda em fase inicial.
Hoje incubada dentro do centro de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), a AI Pathology trabalha com grandes hospitais, dermatologistas e empresas como a Natura, com contratos pagos para usar a Prova de Conceito (PoC). Também participa do NVIDIA Inception, programa internacional de aceleração de startups focado em IA.
Por enquanto, todo o faturamento e os aportes que a empresa recebeu estão sendo usados para aprimorar o algoritmo e cobrir os custos. Por isso, a AI Pathology ainda nem pensa em break even. Willian diz:
“Precisamos alocar dinheiro para ter um crescimento avançado, pois inteligência artificial é uma corrida”
A expansão, no entanto, depende de novos investimentos — os fundadores buscam uma rodada de 3 milhões de dólares, preferencialmente no exterior.
Para Willian, um dos principais desafios está na transição entre pesquisa acadêmica e aplicação prática. “A ideia da startup foi justamente criar uma ponte: transformar o saber científico em projetos que cheguem de fato às pessoas. Afinal, no fim das contas somos pesquisadores com uma vertente de pensar em soluções práticas.”
A perda do pai, em 2012, foi o ponto de inflexão na vida de Willian. O diagnóstico veio em 2011, quando o jovem ainda cursava o ensino técnico em administração de empresas. O pai faleceu dois anos depois, sem ter visto o filho se formar. “Isso mudou drasticamente toda a minha vida”, conta.
Willian decidiu ingressar na área da saúde. Formou-se cirurgião-dentista pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mergulhou na pesquisa em oncologia e hoje está no fim do doutorado em biologia molecular também na Unicamp, com foco na formação e tratamento do câncer. “Se eu conseguir ajudar em 0,0001% na cura do câncer, já fico feliz.”
A parceria com Lucas veio pouco antes da explosão da IA generativa, em 2023, quando Willian viu uma publicação no site da universidade falando sobre um pesquisador que tinha ganhado um prêmio sobre estudo de patologia com IA.
“Bati na porta dele e disse: ‘Você está deixando dinheiro na mesa. Vamos abrir uma startup’. Nesse dia, a gente ficou amigo”
As habilidades dos dois se complementam: Willian é especialista em oncologia, e Lucas, na parte de IA. A partir desse entendimento, eles começaram o MVP do NEVO, treinando o algoritmo de detecção de imagens durante as madrugadas no serviço gratuito de IA da Google.
Nesse início, tudo rodava com recursos próprios. A dupla contratou dois desenvolvedores para ajudarem na construção da plataforma em troca de equity. E, conforme o algoritmo foi evoluindo, conseguiram créditos para processamento de dados com grandes empresas, como AWS e NVIDIA.
Em pouco tempo, a startup foi aprovada na aceleração da Unimed, venceu o Hackathon de Inovação em Saúde de Harvard, passou a operar dentro do centro de inovação do HC-FMUSP e recebeu apoios financeiros de pesquisadores interessados. Segundo Willian, a primeira pessoa a aportar dinheiro foi Gisele Rezze, chefe do departamento de oncodermatologia do Hospital Albert Einstein.
“Tudo isso aconteceu em um ano e meio. Ainda preciso terminar meu doutorado”, diz.
“Nevo” é o termo científico para pintas ou manchas na pele. Nome sugestivo para um sistema de IA que analisa essas pintas para identificar lesões cutâneas potencialmente malignas a partir de fotos tiradas por celular. A imagem é enviada para um algoritmo treinado em dezenas de milhares de registros dermatológicos e, em poucos segundos, o sistema aponta o nível de risco da lesão.
A informação vai direto para o médico responsável, que decide os próximos passos. Willian explica:
“O resultado não é apresentado para o paciente. A ideia é sermos um ponto antes do dermatologista, assim como ocorre no sistema de saúde, onde o paciente passa primeiro pela triagem e depois vai para o especialista”
Somente durante a fase de MVP, a solução ajudou a detectar quatro melanomas em estágio inicial. Isso representa uma vantagem para planos de saúde, por exemplo. A empresa cobra da Unimed 2 reais por vida por ano — um contrato que totaliza cerca de 200 mil reais. “Um único paciente que ajudamos a identificar o câncer precocemente já paga esse valor para a empresa”, diz Willian.
Segundo o fundador, o grande diferencial, que despertou o interesse de parceiros na solução, é o fato de o algoritmo ser treinado no país que tem a maior diversidade de pele do mundo. “Uma vez que consigo criar isso aqui no Brasil, posso exportar para qualquer lugar.”
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