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Com uma rede de psicologia feminista, a Sou Pagu quer tornar o cuidado com a saúde mental acessível a todas as mulheres

Dani Rosolen - 15 maio 2023
Mayhumi Kitagawa, fundadora da Sou Pagu Psicologia.
Dani Rosolen - 15 maio 2023
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Como psicóloga feminista e vivendo numa sociedade que muitas vezes negligencia a saúde mental das mulheres (termos como bropriating, gaslighting, manterrupting e mansplaining exemplificam um pouco disso), Mayhumi Kitagawa, 29, entendeu que precisava fazer algo para transformar este cenário.

Em 2020, ela fundou a Sou Pagu Psicologia, primeira plataforma de saúde mental exclusiva para mulheres, que são atendidas por psicólogas com formação especializada para cuidar de outras mulheres. Para Mayhumi, no entanto, o negócio é bem mais do que uma plataforma:

“A Pagu não é uma clínica de psicologia, uma plataforma. Ela é uma rede de mulheres que busca o bem-estar e a saúde mental em conjunto”

Ao batizar a plataforma, Mayhumi decidiu prestar homenagem a Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962). Jornalista, ativista e também a primeira prisioneira política do Brasil, Pagu lutou contra o machismo e foi uma das pioneiras a desbravar os caminhos sobre o ser mulher em nosso país.

As consultas da Sou Pagu são online, uma vez por semana. Desde o início da operação, 1 200 pacientes já foram atendidas e mais de 28 mil consultas realizadas. Atualmente, são 450 mulheres em atendimento em quase todos os estados do Brasil (as exceções hoje são Alagoas e Amapá) e em outros 14 países, como EUA, Espanha, França, Hungria, Inglaterra, Portugal, Paraguai e Uruguai.

Além do serviço de psicologia feminista, outro diferencial do negócio é oferecer um plano social, com consultas a preços acessíveis. Este plano mensal tem duas opções, uma de 220 reais e outra de 250 reais, a depender da psicóloga escolhida.

Quem pode pagar o plano mensal denominado “colaboradora”, que custa 320 reais ou 450 reais, financia o atendimento de quem não pode arcar com o valor cheio ou mesmo não consegue pagar o valor social (além disso, parte do pagamento destina-se a cobrir custos de capacitações das psicólogas).

Assim, uma mulher apoia e fortalece a saúde mental da outra para que se construa uma sociedade com mais equidade.

O SOFRIMENTO PSÍQUICO DA MULHER NUNCA É SÓ PSÍQUICO. TAMBÉM TEM BASES SOCIAIS

Durante a graduação, em Uberlândia (MG), Mayhumi trabalhou no programa de Mediação de Conflitos, parte da Política Estadual de Prevenção Social à Criminalidade de Minas Gerais. Também estagiou no Programa de Controle de Homicídios – Fica Vivo!, que atua na prevenção e na redução de homicídios dolosos de adolescentes e jovens de 12 a 24 anos.

Depois de formada, foi analista social de um programa do governo de Minas Gerais que atuava com jovens envolvidos diretamente com o narcotráfico ou nestes ciclos de violência. Até que resolveu se mudar para Florianópolis, onde mora hoje, para coordenar um projeto de prevenção social à criminalidade, também com foco em atendidos envolvidos diretamente com narcotráfico.

Foi neste momento ela que teve um insight. “Nessa área, trabalhamos basicamente com atendidos homens. E falamos de uma masculinidade muito performada por causa do narcotráfico. Então, eu estava imersa nas questões de como esse homem está, os privilégios e não privilégios que tem”, diz. “E aí, me vieram os questionamentos: o que sobra para uma mulher vivendo com esse homem, sendo quem ele é? Onde ela é colocada na sociedade?”

Em paralelo, Mayhumi mantinha sua clínica particular, desde sempre atendendo online, e apenas mulheres. E ela se deu conta de outra questão:

“Em um mundo desenhado por e para homens, o sofrimento psíquico de uma mulher nunca é só psíquico, tem bases sociais. Uma mulher às vezes tem que dar dois passos para trás para poder dar um para frente numa reunião de negócios, por exemplo, porque a maternidade é uma questão. Trabalhe como se você não tivesse filhos e tenha filhos como se você não trabalhasse”

Juntando esses pontos à solidão dos profissionais de psicologia (pois como autônoma ela sentia falta de um espaço para trocas com outras psicólogas), Mayhumi resolveu criar a Sou Pagu.

A PLATAFORMA DE CONSULTAS ONLINE SURGIU UMA SEMANA ANTES DA PANDEMIA, QUANDO ESSE TIPO DE SERVIÇO TEVE UM BOOM

A ideação da Sou Pagu começou no final de 2019. O lançamento ocorreu em março de 2020, uma semana antes do lockdown, com um investimento de 5 mil reais por parte da psicóloga para criar o site e divulgar o serviço.

Mayhumi conta que havia certo receio de como o Conselho Federal de Psicologia receberia a proposta da plataforma (apesar da terapia online ser liberada desde 2018) e dos valores sociais colocados de forma explícita.

“Quando estávamos montando a Pagu, fizemos uma consultoria para entender a questão ética. Entendo o que é colocado pelo Conselho, é uma profissão muito delicada, mas a gente tem que saber onde essa rigidez deixa de privilegiar certas pessoas. Por isso, decidimos dar um passo à frente”, diz.

E a justificativa, segundo ela, é simples:

“Oferecemos um trabalho focado em mulheres, que não é encontrado em todas as cidades — e também não é em todo local que se acha oportunidade de valores. No presencial, com 300 reais por consulta consigo um terapeuta especializado muito fácil. Mas se só tenho 70 reais, será que isso é possível?” 

Apesar das ressalvas, Mayhumi afirma que a proposta foi bem recebida e que a pandemia foi importante para que o preço da psicologia fosse mais exposto. “A pandemia foi um marco, principalmente, para que as pessoas começassem a entender que é necessário — e possível — fazer psicoterapia. Isso foi uma grande conquista.”

PENSAR EM SI AINDA É UM PRIVILÉGIO. PARA AS MULHERES, ENTÃO, UM PRIVILÉGIO BEM MAIOR

O termo carga mental, utilizado para descrever o trabalho constante de planejamento das tarefas domésticas e/ou profissionais que recai majoritariamente sobre as mulheres, se popularizou na pandemia, mesma época de criação da Sou Pagu.

Com tantas preocupações, pensar em si é algo que acaba ficando de escanteio para muitas.

“Até porque a psicologia foi algo elitista por muito tempo. Ser ouvido ainda é algo elitista. O pensar em si é um privilégio”

Mayhumi vem tentando mudar isso com seu empreendimento social. Ela diz que as principais demandas que chegam ao consultório virtual por parte dessas pacientes têm relação com a sobrecarga entre trabalho e vida pessoal, maternidade, ansiedade, além de questões de relacionamentos, traumas em relação a abusos sexuais e a abortos não legalizados.

Ela entende que estar numa plataforma feita por e para mulheres é um diferencial para que as mulheres se sintam à vontade e não tenham tabus para lidar com suas questões. Segundo ela:

“Nesta rede, elas têm a certeza de um acolhimento, de um cuidado com a técnica e o entendimento de que o mundo é feito por e para homens, então é delicado o trato da psique quando se trata de ser mulher. E esse apoio é o grande diferencial. Ela sabe que não está só e o fardo dividido fica mais fácil de carregar”

A psicóloga e fundadora diz que 80% das pacientes têm entre 25 e 38 anos e que 52% delas chegam à Sou Pagu via indicação (veja aqui o passo a passo para iniciar a terapia pela plataforma). Agora, no entanto, a faixa etária está se ampliando, diz Mayhumi. E o negócio já começa a receber as mães e até as avós destas pacientes. “Já atendemos uma mulher de 78 anos.”

Além do atendimento psicológico, a Sou Pagu cria grupos de demanda para tentar romper a barreira da clínica e aproximar pacientes que estão vivendo as mesmas questões. São realizados encontros pontuais por vídeos e criados grupos no WhatsApp para que essas mulheres se relacionem e troquem sobre temas em comum.

“Fazemos esses movimentos para as mulheres entenderem que não estão sozinhas, para que tenham um espaço para falar e ver umas às outras. Já fizemos, por exemplo, um grupo sobre ser professora, pois hoje há um adoecimento muito forte nesta profissão. Mas já tivemos também grupos sobre feminismo, maternidade, relações abusivas, entre outros temas.” Nas redes sociais da Sou Pagu também é possível acompanhar diariamente vários debates.

AS PSICÓLOGAS DA PLATAFORMA SÃO TREINADAS SEMANALMENTE E COM FORMAÇÃO ESPECIALIZADA PARA ATENDER AS DEMANDAS DAS MULHERES

Hoje a Sou Pagu conta com 25 psicólogas atendendo em sua plataforma. Segundo Mayhumi, elas passam por treinamento e letramento semanal para atender levando em conta o recorte de gênero.

“Elas também têm encontros semanais de trocas de casos e entendimento das demandas das pacientes, inclusive para a criação de grupos, mas principalmente há troca da vulnerabilidade do ser psicóloga, o que enriquece muito a clínica e o manejo clínico.”

Mensalmente, elas participam de formações e capacitações com uma psicóloga dentro de uma temática específica, como a realizada com Karen Ferraz sobre “Introdução à competência no trabalho com a população LGBTQIA+ na saúde mental” ou com Valeska Zanello sobre “Saúde mental e gênero”.

Mayhumi não revela a porcentagem da mensalidade que fica com cada psicóloga, mas explica:

“As psicólogas que estão num nível mais alto do ciclo de aprendizado são as que atendem as pacientes que pagam a mais, já as que estão começando atendem ao preço social”

E complementa: “Assim, conseguimos fazer uma contrapartida legal tanto de preço para as pacientes como para a carreira dessas profissionais, pois a Pagu não é feita só para as pacientes, mas para que as psicólogas se lancem no mercado com segurança”.

UMA ACELERAÇÃO ABRIU AS PORTAS DO NEGÓCIO PARA A CRIAÇÃO DE UM NOVO PRODUTO FOCADO NO B2B QUE COMEÇA A DAR OS PRIMEIROS PASSOS

A Sou Pagu já passou por uma aceleração do InovAtiva Social, que durou seis meses e terminou em dezembro de 2022. Logo na sequência emendou outra, do Fleury com o apoio da Quintessa, que terminou em abril deste ano e também teve duração de seis meses.

Nenhuma das acelerações envolvia aportes financeiros, mas Mayhumi conta que elas foram muito importantes pelas trocas e conexões geradas.

Nesta última aceleração, a Sou Pagu conseguiu desenvolver um produto focado no B2B. Antes disso, a única frente de atuação nas empresas eram palestras e capacitações sobre questões de gênero e saúde mental, mas realizadas geralmente apenas em datas comemorativas, segundo Mayhumi. A Sou Pagu já prestou este tipo de serviço para empresas como a Cedrum, 180 Seguros e Souza Cruz.

“Agora, conseguimos criar um produto em que trabalhamos com a frente da equidade e saúde mental. Além de oferecer os atendimentos para as colaboradoras das empresa como um benefício corporativo, trabalhamos com a questão de mapeamento dos funcionários”

A Sou Pagu está elaborando um questionário que vai cruzar o nível de maturidade destes funcionários em relação a estereótipos de gênero.

“Esse produto vai mapear esse perfil e o que a gente precisa para alcançar uma maturidade melhor. Hoje, por exemplo, a cada três homens, um relata que não gosta de ter chefe mulher. Só que a maioria dos estagiários na área de engenharia e tecnologia já são mulheres… O que vai acontecer quando essas mulheres chegarem no mercado de trabalho?”

Ajudar a pavimentar essa transformação é parte da missão da Sou Pagu.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Sou Pagu
  • O que faz: Plataforma de saúde mental exclusiva para mulheres
  • Sócio(s): Mayhumi Kitagawa
  • Funcionários: 6
  • Início das atividades: 2020
  • Investimento inicial: R$ 5 mil
  • Contato: [email protected]
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