A ideia de criar a Iamaní, marca de chás orgânicos funcionais, dificilmente poderia ter surgido de outra maneira: em uma conversa afetuosa, entre golinhos de chá.
Em 2018, após o nascimento de Gael, seu segundo filho, Ligia Aquino estava em um atendimento de cuidados pós-parto. Na ocasião, a obstetriz e herbalista Mayara Boaretto lhe serviu uma xícara com uma infusão que costumava preparar para mulheres que estão amamentando. E Ligia adorou:
“As mulheres no puerpério sempre ficam muito invisíveis, o foco está ali todo no bebê, e o atendimento que a Ma trouxe foi muito importante para mim”
As duas já tinham conversado muito antes do parto, principalmente sobre os projetos sociais que cada uma toca. Ali, naquele momento de cuidado e escuta, tiveram a ideia de criar um produto que potencializasse, financeiramente, essas iniciativas — o Instituto de Luto Parental, de Ligia, e o Mulheres da Terra, de Mayara, que resume: “A marca nasceu desse nosso encontro e neste processo de cuidados dos ciclos de vida das mulheres”.
No ano seguinte, a dupla investiu 90 mil reais e lançou a Iamaní (o nome, dizem as sócias, significa “mãe das águas” na língua pataxó). O primeiro produto foi um chá de apoio à amamentação, o de Mãe para Mãe (feno-grego, funcho, erva-doce, camomila e casca de laranja); as ervas utilizadas, segundo elas, têm substâncias que ativam o hormônio produtor do leite, como o funcho.
Hoje, segundo as sócias, mais de 80% do público da Iamaní é feminino. O portfólio, porém, se expandiu para além da saúde da mulher.
A marca vende 20 tipos de chás funcionais — cada blend é composto de cinco plantas –, com propósitos como melhorar o foco (chá-verde, gengibre, hortelã, cacau e casca de laranja), o metabolismo (chá verde, mate, canela, gengibre e cúrcuma) e o sono (camomila, capim-limão, casca de limão, funcho e melissa). Este último é o mais vendido da marca.
As caixinhas contêm entre 15 e 20 sachês, custam de R$ 27,40 a R$ 34,70 (dependendo do produto) e podem ser compradas no site da marca, em marketplaces parceiros ou em mais de 400 pontos de venda de São Paulo e Sul do Brasil.
O destaque fica para a primeira linha de chás orgânicos de cuidado com a saúde da mulher, com blend focado no aleitamento materno, nos ciclos femininos — TPM+ menstruação (framboesa, sálvia, erva-doce, funcho e melissa) — e no climatério e na menopausa (amora, sálvia, erva-doce, capim-limão e camomila)
Há também dois blends assinados pela chef e apresentadora Bela Gil, o Acalma a Alma (erva-doce, camomila, canela, sálvia e pitanga) e o Energia Vital (mate, gengibre, sálvia, guaraná de Maués e chá verde). A marca também foi a primeira a desenvolver e lançar, em 2023, chás orgânicos para crianças, com duas opções: Curumim Sol e Curumim Lua. O catálogo tem ainda opções mais tradicionais, como camomila, capim-limão e erva-doce, sem indicação específica de consumo.
Ligia está à frente do Instituto de Luto Parental, que começou como um projeto de acolhimento e apoio para mães e pais enlutados, em 2018, após a empreendedora ter passado por isso e buscado formas de ajudar outras pessoas na mesma situação.
“Perdi uma filha, a Laura, no final da gestação, em março de 2015, e depois da elaboração desse luto, percebi como ele era muito solitário, invisibilizado e invalidado”
Durante esses três anos, ela tentou buscar o que havia de rede de apoio a mães e pais enlutados no Brasil e em outros países e o que existia de políticas públicas, mas encontrou pouca coisa. “Eu estava em um lugar de privilégio, pois tive como receber atendimento psicoterapêutico, psiquiátrico, mas ficava imaginando como era para as famílias que não podiam…”
Assim, em 2018, Ligia elaborou o projeto de apoio e acolhimento — na época se chamava Casa Mães para Sempre — e começou a oferecer rodas de conversa presenciais mensais em São Paulo. Com a pandemia, os encontros passaram a ser online e, depois, além desse pilar, o projeto começou a oferecer formação a profissionais para dar apoio a famílias enlutadas, divulgação de informações sobre o tema e engajamento em políticas públicas na área.
Já Mayara criou, ainda na época do colegial, o projeto Mulheres da Terra, que registra saberes femininos ancestrais em relação ao parto. Desta proposta resultou um filme com o mesmo nome do projeto que levou nove anos para ficar pronto, trazendo relatos e conhecimentos de três lideranças comunitárias e parteiras tradicionais do país.
“O objetivo, quando comecei, era dar visibilidade às histórias de vida de mulheres dessas comunidades, juntando com conhecimentos atualizados e modernos sobre parto, mas também sobre plantas medicinais, espiritualidades — e a história do próprio Brasil”
Codirigido por Kátia Lund, o filme foi viabilizado com uma doação estrangeira, usada na produção e distribuída entre as três mulheres participantes. “Foram mais ou menos 25 mil dólares que dividimos entre elas para que usassem como quisessem, seja para comprar um colchão, um óculos novo, fazer uma reforma na casa.”
Na pandemia, o projeto captou mais 400 mil reais e o valor foi transferido em forma de alimentos, produtos de limpeza e EPIs para as três comunidades representadas no filme.
E onde a Iamaní se conecta com essas duas histórias? Desde o começo da empresa, a ideia sempre foi repassar uma porcentagem dos lucros para seus projetos sociais.
Essa intenção foi adiada por um tempo, enquanto elas estabilizavam a empresa. Até que as contas se equilibraram. A Iamaní fechou 2022 faturando cerca de 2 milhões de reais. E, em janeiro de 2023, as sócias começaram a destinar mensalmente 1% dos ganhos para o Instituto Luto Parental e para o Mulheres da Terra. O plano, dizem, é que essa porcentagem aumente de forma gradual.
A IAMANÍ COMPRA SUA MATÉRIA-PRIMA DE COLETIVOS DE AGRICULTORES ORGÂNICOS
No primeiro ano da empresa, Ligia buscou especializações na área e se formou como sommelière de chás e tea blender pelo Instituto Chá. Mayara, por sua vez, começou uma especialização em fitoterapia, que está em andamento.
“A Ma já tem um conhecimento muito extenso sobre o assunto, trabalhava com as ervas nos atendimentos, e aí somamos isso com essa minha formação, que me trouxe conhecimento técnico de como equilibrar semente, folha e flor”, diz Ligia.
Atualmente, todos os ingredientes orgânicos utilizados nos blends são comprados de produtores brasileiros. No começo, afirma Ligia, achar fornecedores foi difícil:
“Quando a gente pensou no nosso produto, a premissa é que fosse orgânico, mas no primeiro ano não conseguíamos comprar as matérias-primas direto dos produtores e produtoras, mas com revendedores – e alguns itens ainda eram importados da Alemanha”
O preço pago pela matéria-prima, por conta dos atravessadores e da importação, era bem mais salgado. “Só para se ter uma ideia, o valor da erva-doce convencional de saca era 9 reais o quilo — e chegamos a pegar 200, por ser orgânica e de fora. Só que não podíamos ‘imprimir’ isso no produto”, lembra Mayara.
No segundo ano de operação, elas conseguiram finalmente compor uma cadeia de produção toda aqui no Brasil e estreitar os laços com as quase 120 famílias de agricultores orgânicos de cinco estados (Amazonas, Bahia, Paraná, Santa Catarina e São Paulo) que hoje fornecem os ingredientes dos chás para a Iamaní.
De Santa Catarina vem especificamente as folhas de framboesa, usadas em muitas infusões da marca. Foi lá que as empreendedoras descobriram os maiores produtores de frutas vermelhas orgânicas da América do Sul — que não faziam nada com a folha da fruta.
“Começamos a investir nas mudas, nos aditivos orgânicos e deu certo, então replicamos esse processo em uma cooperativa do Paraná, em que a maioria das produtoras são mulheres. No ano passado, fizemos a mesma coisa com um coletivo feminino de um assentamento do MST em São Paulo.”
O FOCO DA MARCA DE CHÁS NÃO ESTÁ SÓ NA SAÚDE DAS PESSOAS, MAS TAMBÉM NA DO PLANETA
Além de se preocuparem em utilizar apenas matéria-prima orgânica, as empreendedoras assumiram para a marca um pilar de sustentabilidade.
Quando começaram as pesquisas para a criação da empresa, Mayara conta que elas descobriram algo pouco comentado: a toxicidade dos sachês de chá. Uma pesquisa realizada pela American Chemical Society revelou que alguns tipos de papeis de filtro de chá podem liberar 11 bilhões de nanoplásticos, por conterem produtos químicos oriundos do petróleo.
“Ficamos chocadas com essa descoberta e buscamos uma alternativa feita por uma empresa alemã, um papel-filtro feito de origem vegetal, principalmente de fibra de folha de bananeira; já a cola é à base de amido de milho”
Além de biodegradável, o sachê da Iamaní é compostável. As sócias também apostaram em caixinhas de papel pintadas com tinta atóxicas – à base de água – e em um papel celofane 100% biodegradável, já que seu uso é obrigatório pela Anvisa para envolver a embalagem (e os celofanes comuns têm baixa reciclabilidade).
“Essa parte do celofane acaba tendo um custo maior para a marca, só que não podemos colocar tudo isso na precificação, pois o nosso produto já é caro e elitizado”, afirma Mayara. “Mas pra gente, mesmo com mais gastos, essa questão da sustentabilidade não poderia ser diferente.”
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