A minha história com a escrita é um tanto quanto clichê. Na infância e adolescência, eu era a típica garota que vivia com a cabeça no mundo da lua. Devorava livros e costumava escrever em diários.
Sempre gostei de inventar histórias e, quando tinha uns 7 anos, escrevi o meu primeiro livro: uma história na qual os dedos dos pés e das mãos competiam para ver quem tinha maior importância.
Ilustrei e montei a obra em papel ofício. Infelizmente, esse material se perdeu em alguma das mudanças que fiz ao longo dos anos.
Apesar de participar de concursos de poesia no colégio e de produzir textos, passei anos “dentro do armário” de escritora.
Cursei Comunicação Social com habilitação em Produção Editorial e me tornei mestra em Literatura Brasileira. O universo da literatura sempre esteve presente na minha trajetória profissional, mas nunca com o holofote voltado para a minha produção artística.
Por vergonha, mostrava meus textos para poucas pessoas e não tinha coragem de buscar uma editora para publicar um livro de maneira profissional.
Esse cenário só mudou pouco antes da pandemia, quando resolvi enviar um material para uma antologia de poemas e fui selecionada.
A partir dessa chancela, criei coragem para colocar minha arte no mundo, principalmente em forma de contos e crônicas.
Com o isolamento social, a escrita passou a ser uma espécie de tábua de salvação em meio ao caos. Estava produzindo muito e queria que as pessoas tivessem acesso ao meu material
Criei até uma conta no Instagram para divulgar meu trabalho como escritora – ofício que agora assumo com muito orgulho, apesar de não ser ainda minha principal fonte de renda.
A Coragem de Lina, publicado pela editora luso-brasileira Ases da Literatura, a partir de seu selo infantil Asinha, nasceu em uma tarde pandêmica.
Sempre quis escrever para o público infantil e comecei com a ideia de um livro sobre depressão, afinal, estávamos em um contexto mundial em que quase todo mundo se sentia triste e com medo.
Aí entra outro clichê de escritora: é verdade que a história ganha vida própria conforme a escrevemos. Percebi que a Lina queria falar sobre outro tema, igualmente importante.
Enquanto mulher e feminista, a questão do abuso sexual é um tema recorrente em meu cotidiano. Eu e parte considerável de minhas amigas e colegas temos episódios envolvendo violência sexual que nos marcaram tanto na vida adulta quanto na infância
Ao acessar qualquer site de notícias ou mesmo as redes sociais, somos inundadas com histórias terríveis envolvendo até mesmo bebês.
Diante de uma realidade tão dura, busquei, ao escrever A Coragem de Lina, abordar o tema com uma linguagem lúdica e acolhedora.
A história é sobre um tema sério, mas a leitura flui de maneira leve, com um final o mais feliz possível diante da realidade vivenciada por Lina e sua família.
Para evitar expor os leitores e leitoras a cenas violentas, optei por não fazer uma descrição detalhada do abuso sofrido pela criança.
Com a leitura, é possível entender que a protagonista foi tocada sem consentimento por um adulto, que ela se sentiu mal com isso, que a violência trouxe consequências, mas não há uso de palavras ou ilustrações explícitas na obra, por exemplo
A intenção de A Coragem de Lina é fomentar o diálogo entre crianças e seus responsáveis sobre o assunto de uma forma tranquila.
Apesar de ainda ser visto como tabu, acredito que é importante falar sobre sexualidade, consentimento e violência sexual com crianças e adolescentes.
Quando os jovens têm acesso à informação de maneira clara e condizente com a sua idade, eles ganham ferramentas para identificar possíveis abusos e, em alguns casos, até mesmo para conseguir se proteger em situações de risco.
Sabemos que, na prática, nem sempre é possível evitar uma situação de violência sexual, mas de toda forma, é importante que a vítima tenha confiança para falar com um adulto sobre o assunto e que este lhe acolha e proteja
Meu livro também atua nesse sentido, buscando passar a mensagem de que os adultos podem ser aliados, como no caso da avó de Lina, Dona Juju.
Em A Coragem de Lina, optei por evitar o clichê da família desestruturada como sendo um pré-requisito para que esse tipo de situação ocorra.
Lina tem pai, mãe, irmão, avó. Ela estuda, joga futebol. Tem amigos e amigas. Seus parentes a amam e se importam com ela.
Mesmo assim, algo ruim acontece. E é a partir da coragem da Lina e do apoio dos que estão à sua volta que ela consegue voltar a sorrir.
O lançamento do livro ocorreu em fevereiro de 2022 em uma livraria no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, tive a oportunidade de participar de uma sessão de autógrafos na Bienal do Livro de São Paulo e ganhei o prêmio Asas de Ouro, da editora pela qual publiquei a obra, na categoria livro infantil.
Desde o lançamento, tenho divulgado A Coragem de Lina em feiras literárias e escolas. O contato com o público tem sido muito acolhedor.
As crianças e pré-adolescentes que já me deram feedbacks sempre foram muito gentis e demonstraram empolgação.
Já recebi, inclusive, pedidos delas para escrever uma continuação e mesmo para adaptação televisiva. Quem sabe um dia? Eu iria adorar!
Os responsáveis e professores também têm respondido bem ao livro. Acredito que, para os jovens, a obra acessa um lado mais lúdico, de identificação com a personagem e suas experiências como pré-adolescente.
Para os adultos, a temática do abuso sexual é o ponto que chama mais a atenção. Busquei esse equilíbrio e acredito ter conseguido.
As ilustrações de Junior Marques conseguiram captar exatamente o que eu queria para a história. Costumo dizer que, em livros para o público infantil, o ilustrador é uma espécie de coautor da obra, pois sua participação ajuda as crianças a entrarem no universo criado pelo autor. Estou muito feliz com essa parceria.
Após a publicação de A Coragem de Lina, sinto que também eu fiquei mais corajosa, pois hoje em dia digo em alto e bom som: sou uma escritora!
E, se você também escreve, saiba que o mundo está só esperando você publicar.
O universo da literatura é desafiador, mas lindo ao mesmo tempo. Se jogue nessa aventura!
Tássia Hallais é escritora, revisora e mestra em Literatura. Escreveu A Coragem de Lina (Ases da Literatura, 2021), voltado para crianças a partir dos 8 anos. O livro pode ser adquirido na Amazon e em algumas livrarias cariocas como Blooks e Bicho Que Lê. Para exemplares autografados, a autora realiza a venda direta em seu Instagram.
Pouco se fala sobre o envelhecimento de pessoas LGBT+. Para combater essa invisibilidade (e o clichê de “literatura regional”), a dramaturga não-binária Euler Lopes resolveu se aventurar em seu primeiro romance, ambientado em Sergipe.
Você sabe o que é biblioterapia? A professora Christyanne Bueno conta como uma pós em contação de histórias e a experiência como palhaça em hospitais a levaram a entender e divulgar o poder da leitura enquanto prática terapêutica.
As escolhas profissionais são um exercício de autoconhecimento. Com frequência, aquilo que você mais queria se revela algo não tão legal assim. E uma atividade que você desprezava se mostra uma alternativa muito bacana.
