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Como a brasileira De Cabrón elevou os molhos de pimenta à condição de produto premium

Daniela Paiva - 24 nov 2014
Para Leo Spigariol, todo empreendedor precisa de uma dívida moral ou qualquer outra, para fazer o negócio acontecer.
Daniela Paiva - 24 nov 2014
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Certamente você conhece um típico teimoso, que enfia uma coisa na cabeça e não há quem o demova da ideia. É o pentelho, o cara que não escuta, o rebelde. Mas chegue mais perto dessa pirraça. Talvez encontre algo mais interessante para bem além da insistência: um inquieto espírito empreendedor.

Apresento-lhe Léo Spigariol, 36 anos, um teimoso empreendedor de carteirinha. Designer, ele decidiu montar uma fábrica de molho de pimenta com uma caveira mexicana no rótulo em pleno interior conservador de São Paulo, mais precisamente em Santa Cruz do Rio Pardo. Ouviu que estava ficando louco. Ou seria endiabrado? Entre outras torcidas de nariz da ala carola, que tentava disparar dúvidas com frases como “Quem vai comprar isso?” .

Dois anos se passaram e, hoje, a De Cabrón produz cerca de 20 mil unidades de molho de pimenta por mês. Seus produtos estão principalmente em empórios e supermercados selecionados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Recife e Goiânia.

Léo talvez seja um dos empresários mais famosos da cidade, ao lado do primo, Marcelo Prado Filho, e do tio, Marcelo Santos: os três são sócios na De Cabrón, que além dos molhos de pimenta, fabrica também temperos gourmet e outras “cositas”, como chips de nachos e marinada para churrasco.

Em seu segundo ano de vida, deve fechar o caixa com faturamento de 2 milhões de reais. Léo conta que os planos para os próximos são, como diria uma das categorias de picância dos molhos, “profissa”. A ideia é bater a casa dos 8 milhões em cinco anos.

Para o Natal, a De Cabrón lança o sugestivo Molho Papai Noel Morreu: blend de malte uísque escocês, vinagre de milho envelhecido e pimenta fermentada buth jolokia, eleita em 2007 a mais “caliente” do mundo pelo Guiness. A garrafa sai 40 reais, o kit, 70.

Como chegar lá? Lançando novidades nas prateleiras, alcançando o mercado internacional, transformando uma fazenda familiar em sede e hotel gastronômico para visitação. E desenvolvendo ações inovadoras, como um aplicativo de geolocalização para encontrar um ponto de venda dos produtos.

Digamos que a missão seja gravar Santa Cruz do Rio Pardo, uma cidade de cerca de 45 mil habitantes e a 350 quilômetros da capital paulista, no mapa como o velho oeste brasileiro à moda mexicana.

UMA VIAGEM, UM CARRO ANTIGO E UMA MOTO

A faísca da De Cabrón foi lançada em 2009, durante uma viagem de Léo com os tios parte de sua família de Santa Cruz, em uma espécie de segundo momento de socorro ao sobrinho querido. O primeiro fora aos 17 anos, quando Léo, natural de São Paulo, foi morar com o primo Marcelo e os pais. Era uma fase complicada. Os pais de Léo haviam se separado; a mãe, falido. O garoto encontrava-se perdido nas notas baixas.

O aconchego dos tios rendeu a Léo uma vaga na universidade e o retorno à capital paulista. Em 2001, ele se tornou sócio da Agência Laika, especializada em design gráfico e branding com clientes como Banco Real, Bradesco, Kaiser, Votorantim.

O segundo “rehab” com os tios, este que resultaria na De Cabrón, foi motivado pelo divórcio de Léo. A parentada do primo Marcelo, crescido e artista plástico, o recrutou para refrescar a cabeça em uma viagem pelo Chile e a turma se dividiu entre o percurso turístico (os tios) e o de bar em bar, cumprido por Léo e Marcelo. Os dois se apaixonaram pela ardência e pela diversidade dos molhos, disponíveis nas mesas dos botecos. “Era um coisa incrível em termos de sabor. A gente voltou com isso na cabeça”, relembra Léo.

“Sempre quis ter um produto meu. Algo com que eu pudesse fazer o que quisesse em termos de posicionamento, de projeto. O design gráfico bem posicionado é uma ferramenta poderosa para ganhar mercado”

Em solo brasileiro, os dois resolveram investir em um negócio próprio baseado em Santa Cruz do Rio Pardo. Pesquisaram o mercado de camarão doce e peixe defumado, mas custaria caro demais e daria pouco retorno. E a verdade é que eles não tiraram a pimenta da cabeça. Marcelo seguiu pesquisando quais se adequariam melhor ao clima da região, se eles importariam as sementes ou não.

Ainda em 2011, finalmente, plantaram as pimentas. Compraram uma bandeja de germinação de 100 pés para um teste pequeno e ocuparam uma estufa de um produtor local de 1 000 metros quadrados. E começou a ladainha dos descrentes. Um deles o próprio tio, Marcelo Prado “Pai”. Ex-fazendeiro de leite, achou aquilo tudo uma loucura, ri Léo. Hoje é sócio da De Cabrón.

Variações das pimentas habanero, plantadas em Santa Cruz, antes do processo de secagem e defumação.

Variações das pimentas habanero, plantadas em Santa Cruz, antes do processo de secagem e defumação.

“Continuamos porque sabíamos que, além de ser um nicho interessante de trabalhar, tinha possibilidade de crescimento rápido”, diz Léo. E complementa: “Se você mentalizasse uma prateleira de molhos de pimenta no varejo tradicional, encontrava molhos de pimenta vermelha muitas vezes sem denominação de matéria-prima e Tabasco (a marca americana que domina o mercado)”.

Enquanto as pimentas cresciam, Marcelo embarcou em uma “road trip” pelo México para descobrir os mistérios da produção dos molhos. Se a fagulha por pimentas veio do Chile, na hora de acender a labareda eles buscaram os métodos mais tradicionais possíveis. Nessa busca, encontraram uma forma artesanal de secagem e defumação que resultava em um molho deliciosamente aromático e sem tanta ardência: o Chipotle.

Em 2012, com as pimentas estalando prontas para a colheita, os dois tinham que dar um destino às centenas de jalapeños, habaneros, caribenha e caiena. Era o velho “ou vai ou racha”. Foi.

A fase inicial de plantio e primeiros testes custou 100 mil reais, mas a De Cabrón nasceu de fato com o investimento de dois milhões de reais, montante conseguido somando-se um carro e uma motocicleta de Léo, a poupança do tio e um financiamento do BNDES.

Espertamente, o trio buscou se amparar em alianças para enveredar por um segmento desconhecido. Contrataram dois engenheiros para desenvolver os produtos. Aproveitaram a expertise regional da plasticultura, de produção rotativa em estufa, e hoje trabalham com cinco produtores cooperados que se revezam na produção de cerca de duas toneladas de pimentas por mês.

Essa lógica não deve mudar, ainda que o plano seja trazer a fábrica e a sede, hoje situada em um galpão na cidade, para a fazenda do tio e transformá-la também em um pólo gourmet e turístico. “Terceirizamos o problema”, observa Léo. “Preferimos otimizar o nosso conhecimento e tempo já que não vínhamos desse meio. Tem muito detalhe no plantio, clima, doença”. E dá a dica:

“A melhor coisa que qualquer empreendedor ou empresário que queira desbravar um novo mercado pode fazer é contratar especialistas”

Mesmo com todo esse cuidado, ele cometeu alguns erros no percurso. Ele desperdiçou dinheiro, principalmente em relação à perda de matéria-prima, por inexperiência, o que tem custos muito altos. Outro exemplo: bolaram um equipamento que não existia no Brasil. Mandaram fazer. Seis meses depois, ficou pronto mas, por conta de um detalhe, não funciona e não tem quem conserte. Encalhou. Mas faz parte.

“Você tem que ter uma dívida com algo, seja ela moral ou de qualquer tipo, para te impulsionar a ir atrás e fazer aquilo sair do papel. A minha era fazer alguma coisa bacana em Santa Cruz, porque eu sempre gostei da cidade”, diz Léo.

COM O AVAL DOS CHEFS

O México inspirou a receita, o ambiente “cabrón” da marca e a identidade visual, com as caveiras fofas e coloridas das festividades no Dia dos Mortos. Some-se a este universo temático uma divertida escala de picância – mirim (suave), humana (média), profissa (para os fortes) e insana (para os extra fortes).

A De Cabrón entrou no mercado paulistano por meio de uma equipe de vendedores que bateu de porta em porta oferecendo o produto. Para a surpresa dos empreendedores, o produto não teve boa aceitação em bares e restaurantes por causa do custo: cerca de 20 reais a garrafinha, alto demais.

No entanto, a marca caiu no gosto dos empórios e supermercados gourmets e fez boa fama nas nobres mesas modernetes da cidade. Toda essa história – e sim, até a atitude meio rocker inerente as caveiras mexicanas – atraiu a atenção de dois chefs descolados e em ascensão.

Henrique Fogaça foi o primeiro chef a assinar um molho De Cabrón

Henrique Fogaça foi o primeiro chef a assinar um molho De Cabrón.

Henrique Fogaça, que comanda o Sal Gastronomia e a versão brasileira do MasterChef, e Carlos Bertolazzi, do Zena Café e também apresentador de programas de gastronomia, assinam dois molhos De Cabrón. O de Fogaça mistura chipotle e maracujá, enquanto o de Bertolazzi, batizado de Jack’n’Cola, traz uísque e refrigerante Cola. O aval não é pouca coisa para uma empresa que tem apenas dois anos de mercado.

Hoje, a marca tem sete molhos à venda, sendo que um dos mais recentes é uma parceria com a lenda do rock Marky Ramone, que resultou no Blitzkrieg Hot Sauce, com bacon. Simples assim: “Ele acompanhou o surgimento do molho do Henrique (Fogaça), achou super bacana e quis o dele”, diz Léo. “Para nós, estrategicamente, é a porta para o mercado externo”.

Eles acabam de lançar uma novidade para este Natal: o sugestivo Molho Papai Noel Morreu, com picância desumana — um nível acima da insana. É um blend de malte uísque escocês, vinagre de milho envelhecido e pimenta fermentada buth jolokia, eleita em 2007 a mais “caliente” do mundo pelo Guiness. O preço segue a regra salgadinha de final de ano: R$ 40 a garrafinha e R$ 70 o kit.

O próximo molho a ser lançado, anuncia Léo, promete resolver aquela questãozinha da marca não ter sido bem aceita nas mesas de bares e restaurantes. Desta vez, porém, a inspiração será tailandesa, uma versão de sriracha, segundo Léo, um molho de polpa de pimenta pura fermentada – e não defumada – e com textura de ketchup. Será mais barato e em vidros maiores para agradar a todos.

Falando em vidro, e em novidades que não param de surgir quando se conversa com este empreendedor, outra empreitada em desenvolvimento pela De Cabrón é uma parceria com fabricantes de embalagem, para que os vidros dos molhos sejam personalizados. Eles não querem usar o padrão, que é fácil de encontrar no mercado. Querem um só para a De Cabrón. Afinal, pimenta nos olhos deles é ouro.

draft card de cabron

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